Lava Jato: empresa brasileira quis travar investigação em Portugal
A construtora brasileira Odebrecht pediu à Procuradoria-geral da República para recusar dar resposta a duas Cartas Rogatórios das autoridades brasileiras no âmbito da operação "Lava Jato". Segundo o requerimento, apoiado em pareceres dos professores de Direito Gomes Canotilho, Figueiredo Dias, Costa Andrade, entre outros, a empresa alegou que o caso no Brasil não oferece garantias de "um processo justo e equitativo", assim como há "dúvidas sérias" sobre a imparcialidade do juiz de instrução Sérgio Moro.
O requerimento da construtora, cujo presidente, Marcelo Odebrecht, foi alvo de mais uma acusação pelo Ministério Público brasileiro esta semana, foi dirigido à Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Esta, por sua vez, pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria -geral da República (CCPGR), dizendo que a empresa alegou que "o processo Lava Jato tem sido conduzido pelas autoridades brasileiras em violação da lei brasileira e de princípios fundamentais e de ordem pública do Estado português, designadamente da garantia a um processo justo e equitativo assegurada pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem".
A construtora brasileira, que surge no centro das investigações do "Lava Jato" (ver caixa) sustentou a sua posição, considerando que "a prova recolhida naquele processo se basear em acordos de delação premiada, os quais conteriam cláusulas violadoras, além do mais, da legalidade penal, do direito ao silêncio, do direito à não autoincriminação e do direito ao recurso e da igualdade de armas, para além de terem sido negociados mediante a instrumentalização da prisão preventiva como "coação" dos arguidos, o que tudo torna tais acordos inadmissíveis na ordem jurídica portuguesa"
MP não pode sindicar Brasil
No documento, a construtora argumentou ainda existirem "dúvidas sérias" sobre a "imparcialidade, independência e isenção" do juiz de instrução Sérgio Moro, o mesmo que decidiu divulgar publicamente as escutas telefónicas entre Lula da Silva e a atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Perante estes dois argumentos, considerou a defesa da Odebrecht, Portugal deveria recusar cumprir duas Cartas Rogatórias das autoridades brasileiras, uma de dezembro e outra de janeiro deste ano, que pediam a recolha de informações bancárias. No fundo, defendeu a Odebrecht, porque o sistema penal brasileiro contrariava princípios fundamentais estabelecidos em Portugal.
A iniciativa da empresa não deverá ter sucesso, porque o parecer do Conselho Consultivo da PGR, apesar de não se pronunciar diretamente sobre os argumentos invocados, acabou por não dar razão à sociedade brasileira. E esta posição deverá ser seguida como orientação interna no Ministério Público, que detém a competência para a cooperação judiciária internacional.
Para os membros do CCPGR, a autoridade judiciária a quem é pedida cooperação "carece de suporte normativo para empreender valorações sobre a lei processual do Estado requerente ou a atuação das respetivas autoridades na aplicação interna daquelas leis no âmbito do processo em que foi solicitada cooperação judiciária". Ainda assim, o conselho considerou que alguns pedidos de cooperação feitos no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciária em Matéria Penal entre os Estados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa pode ser recusado, mas apenas "com fundamento na circunstância de o respetivo cumprimento ofender a segurança nacional, a ordem pública ou outros princípios fundamentais do Estado Português". Do Estado "e não de indivíduos", frisou o parecer já publicado em Diário da República.
Os conselheiros disseram ainda que os motivos de eventuais recusas estão perfeitamente identificados na convenção e as "as autoridades portuguesas não estão legitimadas a empreender uma sindicância (por via de indagações factuais próprias ou a partir de meras inferências suportadas em alegações factuais de terceiros) dos atos processuais praticados no processo penal pendente no Estado requerente".