Relatório de Pedrógão: militares procuraram protagonismo e propaganda

Presença do chefe do Exército no local dos fogos "veio reforçar o papel propagandístico do apoio" dos militares "às populações", enquanto a do comandante naval "pode ter dado algum tipo de dividendos [políticos] à Marinha"
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As Forças Armadas (FA) também tiveram responsabilidades nas falhas de relacionamento com a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) na resposta aos fogos de Pedrógão Grande, concluiu o relatório da comissão técnica independente (CTI) sobre o caso.

"Ficou bem patente que [essa relação] não funcionou de forma adequada, também por culpa das FA", afirma o relatório entregue na quinta-feira ao Parlamento pela CTI, presidida pelo ex-reitor da Universidade do Algarve João Guerreiro, sobre a tragédia dos fogos de junho na região centro e onde morreram 64 pessoas.

"A evidente procura de protagonismos setoriais foi uma evidência da não existência de uma verdadeira e adequada coordenação a nível superior" no Comando Nacional de Operações de Socorro "com o oficial de ligação" das Forças Armadas, que intervêm nos fogos em apoio e sob a autoridade da ANPC.

O relatório, num anexo assinado por um tenente-general do Exército, identifica expressamente o chefe do Estado-Maior desse ramo e o comandante naval (Marinha) como protagonistas. No caso do general Rovisco Duarte, a sua presença no local - acompanhando o ministro da Defesa, Azeredo Lopes - "veio reforçar o papel propagandístico do apoio às populações" por parte das FA.

Quanto ao vice-almirante Gouveia e Melo, "o [seu] aparecimento" na área de operações "pode ter dado algum tipo de dividendos à Marinha do ponto de vista político mas é negativo para as FA e para o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas [CEMGFA]", afirma o relatório, adiantando: "O EMGFA, que deve coordenar estes apoios nos termos da lei, nem apareceu nem foi citado."

Fontes militares ouvidas pelo DN garantiram que o CEMGFA, general Pina Monteiro, não foi tido nem achado no envio dos fuzileiros para Pedrógão Grande - situação similar à ocorrida há anos na Madeira, quando um forte temporal levou a Marinha a enviar um navio para a ilha sem informar o então CEMGFA, Valença Pinto.

Fonte oficial da Marinha afirmou ao DN que os fuzileiros foram enviados a pedido da ANPC e depois de o chefe do ramo, almirante Silva Ribeiro, ter recebido um telefonema prévio do responsável máximo da Proteção Civil, coronel Joaquim Leitão. O papel da requisição formal chegou ao ramo via EMGFA, adiantou o mesmo oficial.

Ainda sobre a ANPC, "enquanto entidade coordenadora tem um papel de coordenação que não fez", pelo que "também aqui muito há a rever para que tal situação não volte a acontecer", alerta a CTI.

Sobre os antecedentes da participação das FA na luta contra os fogos, o texto afirma que elas "fazem-no em ações de prevenção, combate e rescaldo, mas lamentavelmente em modo que contraria os princípios que norteiam a instituição militar". Mais, "onde deve haver planeamento, preparação, treino e ação conjunta tem havido muita ausência destes princípios", por exemplo visível na "total ausência" da Marinha nessas ações "até há bem pouco tempo" (2017).

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