Autoridades preparam-se para o regresso dos jihadistas

Portugal foi palco de uma reunião europeia para ensinar a prevenir a radicalização nas famílias dos combatentes.
Publicado a
Atualizado a

"Felizmente, radicalização ainda não é uma palavra que faça parte do nosso vocabulário do dia-a-dia", sublinha a responsável do Instituto de Apoio à Criança (IAC) que participou na primeira ação de sensibilização no nosso país, com o objetivo de habilitar as polícias e as entidades de apoio social, como o IAC, a apoiar as famílias dos jihadistas. Embora a uma escala significativamente mais reduzida do que outros países europeus, Portugal, que só terá cerca de uma dezena de terroristas que combatem pelo autoproclamado Estado Islâmico, as autoridades estão a acompanhar e a preparar-se para aquele que é considerado um dos maiores riscos para a segurança europeia: o regresso destes jihadistas, muitos acompanhados das mulheres e dos filhos, vários deles já nascidos no Califado.

Não há uma abordagem única, pois, a exemplo da experiência já posta em prática em vários países que já estão a lidar com esta realidade, como a Alemanha, a Holanda, a Bélgica ou a França, cada caso deve ser avaliado isoladamente. No nosso país, para os sete jihadistas que são alvo de investigação judicial, e estão já sujeitos a mandados de detenção internacional, a solução é evidente: "A execução de um mandado de detenção implica, conforme decorre da legislação em vigor, a detenção da pessoa a que se reporta o mandado", garante fonte oficial do gabinete da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), responsável pela execução da Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo (ENCT), aprovada em 2015. Quanto aos familiares, acrescenta, "só a análise da situação concreta permitirá uma decisão sobre o tipo de intervenção e/ou de apoio a adotar. As ações e as medidas serão sempre materializadas através da abordagem integrada, multidisciplinar, considerando as necessidades detetadas e as diferentes competências em razão desta matéria".

Foi com esta preocupação que a Polícia Judiciária (PJ), que tem competência exclusiva de investigação do terrorismo, promoveu a realização no nosso país do encontro europeu, já referido, que teve como protagonistas os peritos da Radicalisation Awarness Network (RAN), uma organização que apoia as autoridades de toda a Europa a prevenir e combater a radicalização extremista. Estiveram presentes a PSP, o SEF, a GNR e o IAC, que ouviram a experiência de outros países, incluindo o testemunho de famílias de jihadistas.

"A RAN entende que as autoridades de aplicação da lei, as famílias e os profissionais que mais de perto lidam e trabalham com estruturas familiares podem ser parceiros poderosos e importantes na prevenção da radicalização. Todas essas entidades empenham-se no desenvolvimento de uma sociedade segura prevenindo e evitando o envolvimento das crianças e dos jovens em geral em atividades desviantes e delituosas", explica fonte oficial da PJ, sublinhando que "esta foi a temática debatida na reunião realizada em outubro e que contou com 43 representantes de várias agências e serviços de países da União Europeia".

Segundo ainda a PJ, "a RAN pretendia contar com a presença de representantes dessas instituições que estivessem efetivamente em contacto com as estruturas familiares e com as crianças e jovens, no seu quotidiano profissional, o que foi conseguido após se ter feito sentir a necessidade de envolver a participação daquelas entidades".

Contactadas pelo DN, as forças de segurança envolvidas remeteram explicações para a PJ, mas Paula Paçó, responsável pelo Projeto Rua do IAC, partilhou o "grande interesse" que este encontro proporcionou. "Embora, felizmente, radicalização ainda não seja uma palavra que faça parte do nosso vocabulário, nem nos apercebamos, na nossa aproximação às crianças e jovens no dia-a-dia, que existam esses casos, é sempre bom aprender a detetar sinais dessa radicalização e refletir sobre o assunto."

O IAC lida com comunidades vulneráveis onde esse tipo de recrutamento pode ter um caminho mais facilitado. Este perito assinala a importância de "desenvolver ações de formação concreta" para quem anda no terreno. "Temos de saber identificar os sinais de risco, estar sensibilizados para os alertas, educar os nossos olhos." Por agora, reconhece, o IAC "ainda não tem prevista nenhuma ação específica sobre esta matéria", estando "a aguardar" o convite para "ações de formação concretas".

Em entrevista ao DN (ver texto ao lado), o presidente do Observatório para a Segurança, Terrorismo e Criminalidade Organizada (OSCOT) sublinha que "um dos principais instrumentos de combate ao jihadismo na Europa é a integração, quer das comunidades de forma global, mas acima de tudo tentar a desradicalização e a reintegração destes jihadistas. Dentro desse espírito as famílias devem ser um alvo prioritário no apoio a essas tentativas de inserção social, o que permitirá diminuir o potencial da sua radicalização e a radicalização de outras pessoas".

António Nunes entende ainda que o facto de existir um número muito reduzido de jihadistas de nacionalidade portuguesa não é motivo para menos preocupação. "Até temos responsabilidades acrescidas, porque sendo em menor número é evidente que nada pode falhar nos mecanismos de controlo."

As autoridades europeias assumiram, desde a definição da Estratégia de Combate à Radicalização e Recrutamento, aprovada pela UE em 2005, que a erradicação do terrorismo começa na sua origem. Dessa forma, explicam os Assuntos Internos e Migrações da Comissão Europeia, "impedir a radicalização e o recrutamento é uma prioridade na prevenção dos atentados terroristas", sendo "a radicalização entendida como um fenómeno complexo de pessoas que aderem a ideologias radicais que as podem levar a cometer ataques terroristas".

A RAN tem mais de 4000 pontos de contacto em toda a Europa; em Portugal é a Polícia Judiciária.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt