O Instituto de Apoio à Criança defende que a legislação que está a ser preparada para apoiar os alunos com dificuldades em aprender, e que não estão abrangidos pelo decreto-lei sobre o ensino especial, incluam a necessidade de um "maior apoio à família" dos jovens sinalizados. Intervenção que já é feita pelas suas equipas nos agrupamentos escolares onde estão presentes..Esta posição está defendida no parecer que o instituto deu sobre um novo regime legal para a inclusão em contexto educativo que o Ministério da Educação está a preparar e que pretende ser uma resposta para os alunos com dificuldades de aprendizagem identificadas. A proposta de decreto lei já esteve em consulta pública e está em processo legislativo, sem data ainda para a sua discussão no Parlamento. O novo regime vai centrar-se na "identificação das necessidades específicas de cada aluno, cabendo à escola e aos seus parceiros encontrar respostas adequadas para cada situação. A mesma proposta "prevê a criação de equipas multidisciplinares para a identificação de medidas a implementar" que possam ajudar os alunos..E é nesse âmbito que surge a defesa da necessidade de se atuar também junto das famílias, tal como já é feito pelas equipas dos Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família, do Instituto de Apoio à Criança. Estes técnicos fazem visitas domiciliárias para identificar o contexto sócio-económico das famílias e as dificuldades dos pais em acompanhar os filhos no percurso escolar. Tentam, assim, fazer com que os jovens não desistam de ir à escola e que possam ter um percurso positivo..No acompanhamento aos 2747 jovens sinalizados em agrupamentos escolares de dez distritos, os Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família detetaram 523 casos de dificuldades de aprendizagem. Correspondem a 19% dos problemas de ensino diagnosticados no ano letivo 2016/2017..Atualmente estas crianças não têm resposta adequada porque nem são alunos com necessidades educativas especiais - logo não são abrangidos pelo decreto-lei que é dirigido aos alunos com limitações, por exemplo, ao nível da comunicação, mobilidade ou autonomia - nem têm direito a apoio especializado. "São os alunos da linha cinzenta", descreve Melanie Tavares, especialista em Psicologia da Educação e coordenadora dos setores Humanização dos Serviços de Atendimento à Criança e Atividade Lúdica da rede GAAF. "Estes alunos já são identificados pelo sistema através da avaliação pedagógica feita por um professor e um psicólogo. Mas não são encaixados no ensino especial. Algumas escolas têm o recurso ao Apoio Pedagógico de Aprendizagem para estas crianças, mas que funciona quando os professores têm tempo suficiente no seu horário porque não é obrigatório", explicou ao DN..O Instituto de Apoio à Criança foi convidado a participar na consulta pública do novo regime de educação. Melanie Tavares congratula-se "com o reforço previsto de equipas multidisciplinares para identificar estes casos mas a criação de soluções fica do lado da escola". No parecer do IAC é referido que alguns aspetos podiam ser melhorados. Além da já referida necessidade de apoiar a família, destaca que o novo regime de inclusão vai aplicar-se também às escolas da rede privada, cooperativa e solidária, instituições que "não contemplam na sua estrutura uma equipa de educação especial (...) por não haver obrigatoriedade legal para o mesmo"..E criticam o facto de as equipas do Centro de Recursos para a Inclusão - que devem apoiar as crianças e jovens com deficiências e incapacidades, em parceria com as comunidades - serem "externas e provenientes de uma administração financeira que não faz a gestão dos recursos humanos de acordo com as necessidades da escola"..Vêm de meios pobres.As crianças com dificuldades de aprendizagem diagnosticadas pelos GAAF "acabam por ter muitas retenções e problemas de ordem emocional", sublinha Melanie Tavares. "Deve-se ao contexto social e económico, pois vêm de meios pobres onde os pais investem pouco tempo na sua educação e muitas vezes só se apercebem do insucesso dos filhos depois de muitas faltas dadas por eles". Quando estes gabinetes encontram nestes meios crianças inteligentes e com gosto de aprender, fazem de tudo para as apoiar.."Recordo o caso de uma menina guineense que vivia com os pais e cinco irmãos numa casa pobre no bairro problemático da Quinta do Mocho, em Sacavém", diz Melanie Tavares. Era a única da família que insistia em aprender as lições da escola, apesar de ser espancada pela mãe de forma reiterada. "Trabalhámos com a mãe, em visitas ao domicílio, e conseguimos que a miúda, que era inteligente, fizesse um curso profissional para ter o 12º ano", descreveu a especialista em Psicologia da Educação..Também a professora do 1.º ciclo Sílvia Ramos tem uma longa experiência com crianças em bairros difíceis de Lisboa e periferias. Para ela, a solução está "em cativar estes miúdos, de forma diferente". "Para a minha tese de mestrado, sobre o ensino da Música em contextos desestruturados, trabalhei com miúdos dos bairros Cova da Moura (Amadora), Casalinho da Ajuda e 2 de Maio, em Lisboa. O que aprendi é que não é com o Português e a Matemática que os cativamos para a escola, é através da expressão musical, plástica, etc. É necessário uma desformatação dos professores", aponta Sílvia, que este ano está colocada numa escola no bairro do Restelo, em Lisboa.."Estou a ensinar crianças ciganas, entre os 8 e os 13 anos, que estão a adorar música". São alunos com o estigma colado à pele: "Avisaram-me logo que os miúdos podiam roubar os instrumentos. Expliquei-lhes que se o fizessem nunca mais iam tocar música. Resultado: todos os dias devolvem o instrumento intacto", contou..O número de alunos sinalizados na rede GAAF é de 9% face ao total de alunos dos agrupamentos onde estão incluídos (29 617). A média de resolução dos problemas no ano letivo passado rondou os 50%, refere no seu relatório de atividade..Com a intervenção dos GAAF os alunos diminuíram a agressividade, os problemas de comportamento nas aulas e a violência verbal e física. No último ano letivo o bullying desceu: menos 48,6% de agressores e menos 40,7% de vítimas. Mas foram sinalizadas 352 crianças e adolescentes com perturbações do foro psicológico (15,88% dos casos). O que está também associado à negligência escolar (321 casos) e à negligência afetiva (187 casos) de que são vítimas por parte dos pais, e que representam, respetivamente, 14,4% e 4% dos problemas individuais diagnosticados..ENTREVISTA.José Augusto Pacheco.Presidente do Instituto da Educação."Diagnóstico deve ser no 1º ciclo".O que pensa do facto de não haver resposta para crianças com problemas de aprendizagem?.N os países europeus com melhores resultados na educação - os nórdicos - as dificuldades de aprendizagem são diagnosticadas o mais cedo possível - no primeiro ciclo. Concordo com esse princípio: quanto mais cedo se fizer a identificação desses problemas melhor. E devia haver apoios organizados nas escolas para estes miúdos prosseguirem a sua aprendizagem de uma forma normal..Mas não existem esses apoios. Acha que este problema está associado às elevadas taxas de retenção?.O que acontece muitas vezes é que com os atuais sistemas de avaliação no primeiro ciclo muitos destes alunos com problemas de aprendizagem continuam a ser aprovados e a passar sem os pré-requisitos mínimos de conhecimento. Quando chegam ao final do primeiro ciclo é impossível terem conseguido uma aprendizagem de qualidade. Depois também há os casos dos que ficam retidos no primeiro ciclo e temos taxas muito elevadas nesta fase, na ordem dos 20%..Mas o que se pode fazer para combater melhor o insucesso escolar?.O insucesso escolar pode ser resolvido dentro da escola. Combate-se através de equipas interdisciplinares de docentes e técnicos e da colaboração dos professores com as famílias. O atual programa de promoção do sucesso escolar debateu-se logo com um problema: demorou a fazer a formação prevista ao nível dos professores..O GAAF não chega a todas as escolas. E onde chega, tem falta de recursos?.Em algumas escolas têm gabinetes bem organizados e com psicólogos, noutras não. Numa escola onde estive a psicóloga estava de licença de maternidade e não foi substituída. O GAAF não tem recursos financeiros próprios para contratar psicólogos, depende da autorização do Ministério da Educação.