"A fuga da prisão era a forma superior de resistência ao regime"
Cinquenta anos depois de ter estado como preso político na cadeia do Forte de Peniche, Carlos Brito não quer que a memória física daquela que "foi a pior prisão da ditadura" seja destruída. Por isso, após ter publicado 13 livros, o ex-dirigente do Partido Comunista Português não resistiu a entrar na polémica pública em torno da futura utilização da fortificação com um volume em que explica o significado do edifício que recentemente esteve para ser transformado em hotel.
Para tal, escreveu Cadeia do Forte de Peniche, que será hoje apresentado pelo ex-Presidente da República Jorge Sampaio (ler entrevista à direita), numa sessão no atual Museu do Aljube, outra das cadeias políticas do antigo regime que o autor também "frequentou" numa das suas várias prisões devido à atividade política então considerada ilegal.
O subtítulo é Como foi vivida e ninguém melhor do que Carlos Brito para contar o que lá acontecia antes do 25 de Abril de 1974, pois aí esteve seis anos, tal como em Caxias.
Apesar de Carlos Brito explicar que o livro "insere-se na polémica que ainda dura e está para correr sobre as instalações da antiga cadeia que funcionou em Peniche durante 40 anos", o livro suporta a sua posição através do relato histórico do local antes de ser transformado em prisão de alta segurança. Daí que defenda: "Estas antigas instalações são o local por excelência para um museu nacional da resistência."
Quanto a conciliar uma unidade hoteleira com o museu, Carlos Brito acha errado, porque "iria absorver todo o espaço", e sugere outras soluções: "É compatível com muitas iniciativas, seja um museu municipal e outros apoios culturais que a vila não tem, bem como restaurantes que criem uma situação de sustentação económica e respeitem a existência de um museu."
No livro, o autor quis mostrar dois traços essenciais da história do forte enquanto prisão política: "Primeiro, mostrar toda a crueldade com que o salazarismo tratou aqueles que não aceitaram a ditadura. Segundo, recordar a luta dos que mesmo detidos nunca desistiram de lutar para desencarcerar a liberdade." Para o conseguir regista a crescente "sofisticação das instalações prisionais, que começaram por ser as casamatas que vinham do uso militar e pouco e pouco transformaram-se numa cadeia moderna, tudo sempre orientado no sentido de maior pressão sobre o preso".
Nesta história do forte, o objetivo de Carlos Brito foi também de mostrar a luta dos presos para modificar a situação: "Nunca largavam a ideia da fugir. Todas as outras lutas eram respeitáveis, mas a fuga da prisão era a forma superior de resistência ao regime." Uma situação que, com a aprovação das medidas de segurança que perpetuavam indefinidamente o tempo de prisão, instalou a opinião de que "entre as tarefas, quando se era preso, estava logo a conquista da liberdade".
Quanto ao orador que convidou para a apresentação do livro, Jorge Sampaio, o autor recorda a amizade entre ambos enquanto líderes parlamentares do PS e do PCP na Assembleia da República. Por isso, refere: "Abro o livro com uma frase sua da homenagem que prestou aos resistentes no 30.º aniversário da Revolução em Peniche, onde se concentraram dezenas de presos políticos. Portanto, justificava-se ser o orador."
Uma fuga em nome próprio
Antes de chegar ao capítulo em que narra a libertação de todos os presos políticos a 27 de abril de 1974, Carlos Brito conta a fuga impossível de Cunhal e mais nove dirigentes do PCP em 1960, os tempos que se seguiram de grande repressão - exatamente quando lá chegou - e vários episódios da existência dos presos por questões ideológicas nos anos 60. Diga-se que o próprio autor também fugiu da Cadeia do Aljube em 1957, numa situação bem difícil: "Estávamos num alto 5.º andar, saltámos de uma janela para um algeroz pouco seguro, inclinado e apertado. Depois, percorremos vários telhados e voltámos à clandestinidade."
Entrevista a Jorge Sampaio
Ex-presidente da República
Os leitores mais novos não irão achar que este livro é um relato de ficção em vez de real?
Esta realidade existiu e é um exemplo do que não se deve esquecer. O livro contribui fortemente para revisitar a Cadeia de Peniche, tão esquecida do que por lá se fazia. Em qualquer parte do mundo onde se tivesse passado algo semelhante seria um símbolo do passado.
É da opinião que o forte deve ser um museu da resistência?
Deve compatibilizar-se esse museu com valências que ajudem à sua sustentabilidade de modo a evitar que, por falta de verbas ou de iniciativas, não constitua uma memória ativa e viva. Deverá ser uma escola interpretativa do que foi o passado recente português e permitir uma visita pedagógica.
No 30.º aniversário do 25 de Abril fez uma homenagem aos ex--presos no forte. Porquê?
Foi importante levar lá um conjunto de presos de várias correntes políticas que aí tinham estado detidos. Porquê? Era preciso rememorar uma coisa sinistra e o Presidente da República tinha esse dever de chamar à atenção para o que existiu. Agora, é preservar a memória com sustentabilidade.
Lembra-se das várias fugas?
É uma das coisas mais extraordinárias de que me lembro e o Carlos Brito descreve com pormenor as várias fugas, entre outras, a do Dias Lourenço e de Cunhal e os seus camaradas. Essas são histórias que merecem ser contadas para se saber o que significa resistir, não desistir das convicções, lutar por elas e por um Estado de direito com pensamento livre.
Houve algum capítulo que o surpreendeu?
O que me surpreendeu sempre foi a capacidade de resistência daquelas pessoas durante aqueles anos todos, em celas tão pequenas, sob um regime prisional muito severo, com comida defeituosa, pouca assistência médica e frio. São realidades inumanas, que se desenrolavam a quilómetros de Lisboa. Daí que se deva restaurar o forte. Espero que o livro tenha um papel em favor do museu da resistência.
Lançamento hoje às 18.00 no Museu do Aljube, em Lisboa