Fuga em massa dos sérvios de Sarajevo foi dos "momentos mais dramáticos"

Faz hoje 20 anos que militares portugueses partiram para a Bósnia, iniciando uma missão de 16 anos sob as bandeiras da NATO e da UE
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A fuga em massa de Sarajevo dos habitantes de origem sérvia, nos primeiros meses de 1996 e sob "condições climatéricas terríveis", foi um dos "momentos mais dramáticos" vividos pelos militares portugueses no início da missão que se iniciou há precisamente 20 anos.

"Sem ajuda de ninguém, abandonaram as suas casas de sempre, carregaram o que puderam e rumaram à parte sérvia da Bósnia. De noite e de dia, a nevar, só visto", lembra ao DN o tenente-coronel paraquedista Miguel Machado, um dos 15 militares que a 5 de janeiro de 1996 partiram de Lisboa para Sarajevo.

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"Não foram obrigados a fugir, mas o medo de represálias era tal que praticamente nenhum ficou para trás. Famílias houve que desenterraram os mortos dos cemitérios para os levar", recorda Miguel Machado, que chegou à capital bósnia no dia 6 de janeiro, após uma noite passada na cidade croata de Split com os restantes elementos do chamado Destacamento de Ligação à Força de Implementação (IFOR, sigla em inglês) da NATO.

[citacao:Famílias houve que desenterraram os mortos dos cemitérios para os levar]

A decisão de Portugal integrar a força militar da NATO destacada para implementar os Acordos de Dayton foi aprovada em Conselho Superior de Defesa Nacional a 30 de novembro de 1995 e anunciada formalmente no dia seguinte, 1 de dezembro, pelo então ministro da Defesa, António Vitorino. Esta foi a primeira missão militar portuguesa em larga escala fora do território nacional desde o final da guerra colonial (1975) e o regresso aos teatros de operações na Europa após a Grande Guerra (1914-18).

O estandarte nacional foi entregue ao comando da Força Nacional Destacada - o 2º batalhão de infantaria aerotransportada (BIAT) - pelo então Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Mário Soares, a 15 de janeiro de 1996 e na base de São Jacinto (Aveiro).

Os militares portugueses assumiram responsabilidades sobre áreas controladas por sérvios e por bósnios, cabendo-lhes nomeadamente fazer escoltas aos comboios humanitários entre Sarajevo e Gorazde - uma ligação rodoviária bloqueada durante vários anos e que foi reaberta pelos portugueses - e garantir a separação entre aqueles inimigos.

Muitas dessas ações foram desenvolvidas em condições muito duras e, nos primeiros meses, sem que os militares portugueses estivessem equipados para o efeito. Miguel Machado evoca os "casos de militares das guarnições das [viaturas blindadas] Chaimites que faziam as escoltas aos comboios humanitários para Gorazde que, no fim de um dia de missão, eram retirados pelos camaradas das viaturas. Estavam de tal modo enregelados que não conseguiam andar!"

[destaque:Militares eram retirados das Chaimites pelos camaradas, enregelados, depois das escoltas aos comboios humanitários]

Portugal perdeu cinco militares nesta primeira missão militar externa pós-guerra colonial: os primeiros-cabos Alcino Mouta e Rui Tavares, os soldados Francisco Barradas, Ricardo Souto e Ricardo Valério (todos paraquedistas).

A cerimónia de receção às forças destacadas na Bósnia realizou-se a 20 de março de 2007 em Santa Margarida, presidida pelo Chefe do Estado, Cavaco Silva. "Portugal está hoje aqui representado ao mais alto nível do Estado para testemunhar a dignidade dos feitos dos seus militares e para lhes transmitir o respeito e a estima de que são justos credores", afirmou então o Comandante Supremo das Forças Armadas, dirigindo-se depois aos militares em formatura: "Serviram Portugal e os portugueses, aliando uma competência internacionalmente reconhecida a uma singular forma de relacionamento com as populações locais."

A melhoria da situação de segurança na Bósnia levou a UE a substituir a NATO como responsável pela região em 2004, continuando Portugal a assumir a sua quota-parte de responsabilidades. O final da missão ocorreu formalmente a 16 de dezembro de 2011.

Porém, foi a 13 de janeiro de 2012 que a missão foi dada por concluída, quando o comandante da força europeia (EUFOR) entregou a bandeira nacional às autoridades portuguesas.

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