"Foi um escocês que me disse que havia uma revolução na minha república das bananas"

A entrevista é feita no edifício da Reitoria da Nova, em Campolide. António Rendas está de partida do cargo, depois de dez anos como reitor e até uma época como reitor dos reitores portugueses. Fala da experiência de investigador na Inglaterra e nos Estados Unidos e também da família materna judaica.
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Foi para Inglaterra, em janeiro de 1974, fazer o doutoramento, depois de licenciar-se em Medicina em Lisboa. Como é que soube lá do 25 de Abril?

Estava num hospital muito especial, que era o Brompton hospital, que fazia parte do Instituto Cardiotorácico. Tinha trabalho de investigação clínica e havia uns seniores com quem trabalhava. Um deles que era muito meu amigo era um escocês com pronúncia de Glasgow. Lembro-me de ter chegado ao hospital muito cedo nesse dia e de ele me dizer com uma pronúncia cerradíssima que tinha havido uma revolução na minha república das bananas. Foi assim que soube do 25 de Abril. Liguei logo para casa.

Foi uma surpresa?

Não, porque a minha geração foi muito politizada. Participei nos movimentos estudantis e tinha um conjunto de amigos que eram pessoas com grande formação política. Também devo dizer que considero o período do Marcelo Caetano, sobretudo para quem viveu em Lisboa, muito interessante da vida portuguesa, no sentido de grande abertura.

Houve a tal Primavera Marcelista?

Acho que houve uma abertura. Dou o exemplo de Veiga Simão, ministro da Educação. A Universidade Nova foi fundada em 1973 e as novas universidades foram pensadas nessa altura, portanto acho que houve uma tentativa de abrir o sistema. Ainda há tempos disse ao Dr. Pinto Balsemão que achei muito interessante a atitude dele com o Expresso nessa época. Acho que houve uma tentativa de mudança mas estou plenamente consciente de que foi gorada porque a linha mais radical do sistema impediu que isso tivesse acontecido.

Há quem diga que esses esforços de abertura não eram possíveis, sobretudo pela questão colonial. Nasceu em 1949. Não foi à Guerra do Ultramar porque estava a estudar, certo?

Entrei na faculdade de Medicina em 1966 e saí em 1972. Candidatei-me a uma bolsa da Gulbenkian e consegui. Pedi então autorização legal para ir estudar para o estrangeiro. Quando cheguei a Inglaterra havia poucos médicos portugueses, mas havia muitos engenheiros que o Veiga Simão tinha mandado. E lembro-me em fevereiro de 1974 de ir à embaixada de Portugal em Londres conversar com o Veiga Simão porque ele queria falar com os bolseiros. Já havia muita gente fora com autorização para completar os estudos.

Sentiu em algum momento essa possibilidade de ir para o Ultramar ou sabia que estava protegido pelos estudos?

Tenho uma ligação interessante ao Ultramar. O meu pai foi médico do hospital do Ultramar desde sempre e tive um tio que foi para África muito cedo. Encarei sempre África no sentido mais lato do termo, com alguma naturalidade. Claro que acompanhei como cidadão as situações complexas que resultaram da dificuldade em que Portugal se encontrava, porque se encontrava isolada do ponto de vista diplomático e social e foi uma situação difícil para todos nós.

Diz que conviveu com alguns colegas que politicamente estavam muito mais envolvidos. Refere-se a António Guterres, de quem foi colega no liceu?

Estava a falar sobretudo do Zé Mariano Gago, que era um ano mais velho que eu e teve um papel importantíssimo como dirigente estudantil do Técnico. O Guterres desabrocha para a política depois de ser já licenciado. O percurso de formação política dele é mais tardio, embora mais profundo, porque teve uma intervenção política muito significativa.

O colega que o influenciou mais foi Mariano Gago, que chegou a ser ministro da Ciência com Guterres?

Sim, mas posso falar de outro que pertencia a um grupo de cidadãos que em Portugal tiveram um papel muito importante, que foram os católicos progressistas. Fui colega do Luís Miguel Cintra, que era um jovem com uma cultura que olhava para a abertura social e democrática já com um background diferente. Para mim a política não foi só a intervenção ativa, foi também a abertura social, a música. Lembro-me que naquela altura a juventude musical portuguesa também contribuiu para que eu diga que nos anos 60, desse ponto de vista, foram muito ricos para quem teve a sorte de estar em Lisboa e estudar. Nesse aspeto fomos uns privilegiados.

Na Faculdade de Medicina também teve colegas que são hoje pessoas de grande notoriedade...

O meu curso estava identificado de uma forma muito simples: quem passava anatomia no primeiro ano e quem não passava no primeiro ano. Isso era paradigmático. No meu curso devem ter entrado 300 e tal e só passaram 100. Era um cadeirão brutal. Fui ficando amigo de alguns deles, nomeadamente o Francisco Abecassis, que hoje é um distinto radiologista, mas também o Eduardo Barroso, o Francisco George e o Zé Gameiro. Todos vivíamos relativamente próximos uns dos outros, entre Saldanha, Campo Grande e Campo Pequeno. Todos apanhávamos o autocarro 32 para ir para o Hospital de Santa Maria.

Como é que surgiu a ideia de ir estudar para Londres? Era preciso para progredir como investigador?

Naquela altura tive vários professores que me influenciaram imenso. Quando cheguei às clínicas quem me influenciou muito foi o Prof. Tomé Vilar, professor de pneumologia e um homem um pouco estrangeirado, era de origem inglesa e foi das primeiras pessoas a ter contactos internacionais formais com a Inglaterra. Através dele e do Prof. Celestino da Costa e do Prof. Mário Andrea comecei a fazer investigação sobre a circulação da traqueia e da laringe. Também me influenciou o Prof. Fernando Peres Gomes que era diretor do Instituto Gulbenkian da Ciência. Estamos a falar dos anos 60, e o Instituto Gulbenkian de Ciência tinha mais equipamento para fazer investigação do que a Faculdade de Medicina e eu comecei a ir lá com alguma regularidade ver a parte experimental. Recebi a bolsa para ir. Em 1973 fui lá, fui a vários sítios, falei com as pessoas, disse o que queria fazer. Quando me candidatei já tinha da parte do local para onde ia trabalhar uma primeira aceitação para ser recebido.

Foi a sua primeira escolha?

Foi a minha escolha e também a realidade que encontrei. Tinha uma ideia, mas não conhecia. O instituto que estava ligado à Universidade de Londres era o Instituto Cardiotorácico e havia três ou quatro hospitais ligados a ele. O meu doutoramento é na área da circulação pulmonar, mas do Instituto Cardiotorácico da universidade de Londres. Os médicos na época iam ao estrangeiro sobretudo para fazer curtos períodos de especialização mas havia pouca gente que tivesse assumido o risco de ir fazer um doutoramento porque de certa forma, com isso, estava a afastar-se da atividade clínica. Eu assumi esse risco e não estou nada arrependido.

Mas chegou ainda a ser médico?

Fiz o que se chamava o estágio da prática clínica. Fiz em Lisboa e tenho a minha cédula profissional. Se aquilo não tivesse corrido bem, podia voltar e retomar. Era uma coisa a que tinha direito porque tinha feito o caminho.

Qual era a situação familiar na altura?

Era casado e fui viver para Portobello Road e apanhava o autocarro para ir para o hospital e depois a Gulbenkian tinha em Londres um escritório e havia uma senhora que tratava dos bolseiros todos. Nessa altura, depois de nascer o meu filho, arranjamos um apartamento pequenino numa international students house, da qual ainda sou sócio, que ficava à frente do Regents Park.

Como foi a aventura em Harvard?

Não tinha nenhum plano para ir para os Estados Unidos mas tive o privilégio de a minha orientadora da tese de doutoramento, Lynne Reid, que era uma sumidade em doenças respiratórias, ser convidada para ir para Boston como professora catedrática. Ela escolheu várias pessoas da equipa para levar e eu tive a sorte de ser uma delas.

Já conhecia os Estados Unidos?

Nunca tinha visitado a América.

Foi choque maior do que a Inglaterra?

Não, porque Boston é muito especial. Se voltasse atrás teria escolhido Londres para continuar mas a experiência nos EUA do ponto de vista científico é única. Repare que cheguei lá quando apareceram os primeiros computadores, apanhei uma fase fascinante do desenvolvimento da ciência e era única a sensação de subir num elevador com um Nobel, como acontecia em Harvard. É um ambiente muito diferente de Londres porque o inglês tem uma forma de viver e pensar a vida muito ligada às dificuldades que viveu na guerra. É muito estoico, muito orientado. Outra coisa extraordinária de que as pessoas não se apercebem é a utilidade do acesso à informação. Hoje pode parecer do outro mundo, mas ir a uma biblioteca como a de Harvard, onde se encontra tudo, era uma experiência única.

Frequentava o campus de Harvard, em Cambridge?

Eu não estava em Cambridge, estava em Longwood.

Havia portugueses lá?

Havia mas como doentes. Depois quando queria comer uma boa caldeirada ia antes a New Bedford. Tive muita ligação com a comunidade portuguesa em Londres porque alguns deles trabalhavam no hospital. Nos EUA tive menos contacto porque não estava em Cambridge.

A família vivia consigo também...

Vivia comigo, não o tempo todo, mas durante um ano e meio. Já em Portugal, nasce a minha filha.

Quando é o regresso a Portugal?

Volto em 1979 ou 1980. E quando cheguei isto fazia-me imensa confusão.

Quando volta de vez já Sá Carneiro é primeiro ministro...

Foi mais ou menos nessa altura. O que me fazia confusão é que havia grande conflito na sociedade portuguesa e isso fez-me sempre muita impressão porque tive sempre a ideia que para que o país se pudesse desenvolver era preciso que houvesse entendimento.

Politicamente nunca teve vontade de ser candidato a nada, por ninguém?

Não. Sempre que os partidos me abordam digo-lhes o que penso e se entenderem que posso ser útil, tenho todo o gosto. Mas não tenho nenhuma militância política.

Muitos colegas de que falou, mais tarde vão ser figuras proeminentes do PS. É só uma coincidência ou o seu círculo de amizades está mais nessa área?

Tenho um círculo de amizades nessa área mas também tenho amigos no CDS, no PSD, no PCP.

Como se define ideologicamente?

Sou basicamente um democrata.

Nesses dois países onde viveu, identifica-se mais com a Inglaterra?

Eu cheguei na altura do Harold Wilson e depois apanhei a Margaret Thatcher e para nós médicos foi difícil. Mas quando olho para os Estados Unidos hoje acho que o papel do Barack Obama foi muito interessante. É evidente que tem de haver um Estado social forte mas tem de haver também enorme abertura à sociedade como um todo. Na saúde não me choca nada que haja prestações de cuidados privados desde que haja qualidade. Fico mais preocupado com os hospitais públicos que têm milhões de dívidas a fornecedores do que com privados que pagam os impostos e prestam cuidados de saúde de qualidade.

Ou seja, não tem nenhum problema com haver saúde nos privados. Mas defende que haja um SNS?

Claro, mas dou-lhe um exemplo. A Universidade Nova tem um orçamento de 140 milhões. É gerida por uma equipa de académicos, claro que têm componente de economia, e duas administradoras. Já cada hospital público tem para aí 30 administradores: um para um jardim, outro para a enfermaria... eu acho que o problema em Portugal não é de público versus privado, é um problema de qualidade e administração dos serviços. E passa-se o mesmo na educação. E sabe porque é que não é tão grave nas universidades? Porque os universitários nunca abdicaram de gerir as instituições. Os médicos devem também ter um papel importante na gestão das instituições. A gestão administrativa dos hospitais do SNS tem de levar uma enorme volta.

Quando olhamos para os números, os EUA gastam o dobro de Portugal, em percentagem do PIB, em saúde e têm resultados piores. Como é possível?

Porque há um enorme muro entre os diversos prestadores. Ou seja, quando um doente chega com uma situação grave o que conta não é propriamente aquilo que é necessário fazer para o tratar, mas quanto é que custa fazer esse tratamento e se esse tratamento não tiver essa cobertura?, isso faz-me imensa confusão, o sistema pode não tratar o doente.

Ficou surpreendido com o brexit?

Acho que estão a fazer uma opção errada e acho que o Cameron fez uma jogada política complexa. Fiquei surpreendido por um lado, mas conhecendo o sistema inglês, que é bastante elitista, acho que descuraram aquilo que é a província inglesa, que é muito província..

Agora parece que ninguém acredita muito na vantagem do brexit mas já não podem voltar atrás.

Agora já partiram para outra. As informações que temos das universidades inglesas é que estão preocupadas porque são beneficiárias do ponto de vista da investigação das verbas da comunidade europeia. E será interessante perceber o impacto do brexit na estrutura administrativa de Bruxelas, onde o pensamento anglosaxónico é muito forte.

É daqueles que abomina Donald Trump ou dá o benefício da dúvida?

Não dou nenhuma margem de dúvida ao Trump. Mas acho que foi a Hillary Clinton que perdeu, não foi o Trump que ganhou. Eu sei o que é ganhar e perder, mas perco lutando até ao último momento e acho que os valores são muito importantes (solidariedade, condescendência, a abertura ao mundo) e fizeram aquilo que é o Ocidente. E as pessoas têm de lutar por isso. Eu tenho sete netos e digo-lhes que por cada um deles há 1000 chineses a quem os pais dizem que têm de vencer a todo o custo e nós temos de lutar por aquilo em que acreditamos. Vi os debates e se me tivessem dito aquilo que o Trump disse à Hillary eu tinha insultado o Trump - acho que a população ainda acredita nisto, nos valores... ela devia ter-se sentido ofendida.

Do que conhece dos EUA acha que vão sobreviver às incoerências de Trump?

O meu problema é o resto do mundo, não é só a América. Temos problemas gravíssimos na Ásia, no Médio Oriente, tenho esperança que o meu amigo António Guterres na ONU consiga ajudar a que se possa dar a volta, mas é evidente que o Trump pode ser um factor complexo, sobretudo pela imprevisibilidade.

Considera-se um europeísta?

Ao contrário de outras pessoas, fui aderindo à Europa à medida que Portugal se foi inserindo no espaço europeu, com todas as limitações e dificuldades. Estou muito interessado agora na portugalidade. Um dos livros que li com muito interesse quando voltei foi o Labirinto da Saudade. Não sou europeísta fanático, mas sou assumido, defendendo valores de uma Europa aberta. O grande momento da Europa foi o século XV, quando estava aberta ao mundo. De resto, Bruxelas é um antro de burocratas que é terrível e tenho alguma crítica em relação às decisões tomadas pela UE. Dou-lhe um exemplo que acho pornográfico: como é que o parlamento europeu se muda de Bruxelas para Estrasburgo, quanto é que isso custa a todos nós?

Emmanuel Macron e Angela Merkel, são figuras que o entusiasmam?

Não, embora em relação à Merkel, do ponto de vista de estadista assumiu muitas responsabilidades. Por exemplo na questão das migrações teve imensa coragem política. O Macron conheço muito mal e os outros líderes europeus foram-se esbatendo no tempo. Não tenho neste momento nenhuma referência.

Por cá, temos o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, de uma popularidade tremenda, e um primeiro-ministro que conseguiu uma solução de governo que surpreendeu toda a gente. Que acha destas duas personalidades?

Eu apoiei a Maria de Belém na candidatura, mas por razões de afeto. Tenho muita ternura por ela, acho que é uma grande mulher, mas já tinha relações muito cordiais com o Marcelo Rebelo de Sousa e tive o privilégio de acompanhar o Dr. António Costa como presidente da CML, embora não tenha nenhum intimidade. Neste momento tenho uma teoria que não sei se é verdadeira ou não. Tenho estado a ler alguns livros e acabei de ler um sobre a cultura portuguesa e diz que tivemos sempre desde o século XVIII duas culturas antagónicas: uma cultura elitista e uma algo novo-riquista, mas a primeira muito sólida e convicta, em que as elites sempre pretenderam que o povo fosse conduzido à modernidade, à cultura. E o povo foi fazendo a sua vida e o que eu acho, não sei se o prof Marcelo está a fazer isto de propósito mas ele é um homem muito inteligente, é que o presidente estará a pensar nesses termos. Nunca conseguimos desde o século XX que houvesse esse entendimento entre estas duas culturas.

Acha que o Presidente está a tentar fazer a síntese do Portugal elitista com o Portugal popular?

Acho que está, através da sua prática. O Onésimo Teotónio Almeida, num livro, lembrou-me uma coisa extraordinária: como é que foi possível em 1951 ainda haver uma polémica entre o António Sérgio e o Teixeira de Pascoaes sobre a saudade? Como é possível que duas pessoas intelectualmente superiores, num país cheio de problemas, estivessem a discutir a saudade? Com todo o respeito que tenho pela saudade, e eu sou rigorosamente patriota, adoro o meu país, mas seria a última coisa em relação à qual eu não entraria em polémica. O prof. Marcelo, como pessoa muito culta, espero que possa fazer isso porque assim Portugal dá um salto interessante.

Isso é o quê?

Num país como o nosso, com 800 anos de história, conseguir juntar o povo com aquilo que é o conhecimento e a cultura é essencial. Que as pessoas não sintam que são rejeitadas, ostracizadas. Com certeza que há culturas diferentes e diferentes formas de estar mas que todas podem contribuir. Isso faz-se através do respeito. Costumo dizer quando subo este elevador: quero conhecer as pessoas todas que encontro no elevador. E isto não foi, durante muito tempo, a forma como os portugueses se relacionavam uns com os outros. Acho que o Dr. António Costa é um político competente, está muito consciente do fio da navalha em que vive e acho que pode beneficiar largamente destas pontes que o prof. Marcelo está a fazer.

Termina agora o seu mandato como reitor da Nova. também foram anos e anos a ter de fazer política. Que balanço faz desta experiência como reitor?

Aprendi imenso. Foram 10 anos e costumo dizer que quando cheguei cá sabia o que queria fazer mas não sabia como fazer e o interessante foi conseguir que as pessoas estivessem envolvidas. Que houvesse um compromisso dos docentes, estudantes e funcionários e definir uma estratégia para a universidade. Dizer que tínhamos metas, que aceitávamos ser avaliados - isso para dentro. Para fora, aprendi mais sobre a natureza humana, aprendi bastante.

Acha que a universidade portuguesa em geral pode garantir aos portugueses que dá formação para serem competitivos neste mundo?

A universidade é um dos grandes exemplos de como os portugueses são bons e incluo neste mesmo grupo os nossos treinadores de futebol que estão no estrangeiro, músicos, enólogos, cientistas. Portugal precisa de instituições fortes, não precisa tanto de grandes lideranças, porque são muito complexas, precisa de ter gerações que acreditem que vale a pena investir nas instituições. Aprendi isso quando cheguei a Inglaterra, onde se percebe que o sistema funciona. As universidades são instituições fortes mas precisam de ter mais autonomia, precisam que o país e os políticos confiem mais nelas para depois avaliar os resultados.

E agora que planos é que tem?

Ler muito mais.

Tem mais planos?

Não. Foi uma honra ter servido a Nova. Gostava de viajar porque viajei imenso, mas em trabalho. Gostava de ir a três ou quatro sítios. A Machu-Pichu, à Terra do Fogo e de voltar a África. E gostava, como diz o Eduardo Lourenço, de ter tempo para pensar. Não tenho nenhum plano imediato. Estou interessado em voltar às questões da saúde, que é a minha origem, e gostava de ajudar gente nova a poder progredir. Gostava de conseguir que as pessoas percebessem que vale a pena apostar na ciência.

Não imagina a política como meio para isso?

Não. Mas Portugal precisa de ter grupos de pessoas que pensem a médio e longo prazo no futuro do país. E eu via-me muito como uma pessoa que, muito modestamente, podia contribuir para isso. Acho que podia ser útil. Não digo que não gosto de debate político, mas isso depende de um tipo de endurance que eu acho que deve ficar para outros.

[destaque: "Os dois grandes erros de Portugal foi expulsar os judeus e os jesuítas"]

Explique-me este apelido judaico Bensabat antes de Rendas?

Isso é uma história que eu próprio também tenho alguma dificuldade em ir mais além do que lhe vou contar. Eu sei que tenho um bisavô chamado José Jacob Bensabat e um avô chamado Raul Bensabat porque ambos me deram uma coleção de selos com uma dedicatória para mim. E sei que este bisavô estava na Ericeira e embarcou a família real na Ericeira. A minha mãe zangou--se com o meu avô quando era muito novo e nunca me quis dizer muito mais do que isso. Não tenho, pois, muita informação sobre isso, embora tenha excelentes relações com a comunidade judaica. Não me considero um cristão--novo. O que me dizem é que provavelmente foram sefarditas que vieram do Norte de África e que se estabeleceram em Portugal. O meu avô Raul era de certeza um excelente comerciante porque foi o primeiro a ter uma loja de visons na Rua Augusta.

Não se considera judeu nem pratica o judaísmo?

Não, não. Mas tenho enorme admiração pelo povo hebraico. Já estive em Israel algumas vezes como universitário e tenho uma excelente relação com a cultura e a sociedade judaica e se calhar podia aprofundar essa relação. Mas a grande zanga entre o meu avô e a minha mãe deixou-me sempre muito afastado de aprofundar essas relações.

O apelido paterno, Rendas, já não tem nada que ver com judeus?

Nada que ver. A família do meu pai é de Alcácer do Sal e talvez haja lá ainda uns primos afastados. Somos todos do Alentejo Litoral, havia Rendas no Torrão e em Grândola. O meu pai e a minha mãe encontraram-se em Lisboa.

Quando se estuda a história de Portugal, aquilo que se percebe é que uma das grandes injustiças que fizemos e uma das grandes perdas para o país foi a questão da expulsão dos judeus. Como é que alguém com raízes judaicas e que ao mesmo tempo se sente um português orgulhoso faz esta síntese?

Portugal cometeu dois grandes erros. Se calhar é uma afirmação muito controversa. A primeira tem que ver com os judeus e a segunda com os jesuítas. Quem já esteve em Jerusalém percebe bem o que é que são as três religiões do livro. Como portugueses claro que perdemos com a expulsão dos judeus mas também perdemos muito com a expulsão dos jesuítas. Aqui em Campolide temos o colégio de jesuítas, que foi o primeiro local para onde os jesuítas voltaram depois de serem expulsos pelo marquês de Pombal. Olho para isto de uma perspetiva muito ecuménica, não olho para isto com uma perspetiva sectária. O que nós perdemos com os judeus foi mais do que a perda comercial, foi a perda do conhecimento, porque eles tinham uma cultura científica que era fundamental para o desenvolvimento do mundo, como se viu. E nós só voltamos a ter uma cultura científica no século XIX, passámos esse período numa fase de grande passividade em relação ao que eram os grandes avanços da ciência. Os jesuítas, quando voltam para dar uma perspetiva mais de cultura e abertura, também aí houve uma perda porque não conseguimos dar esse salto científico. Não perdemos só aquilo que nos puderam trazer como aquilo que eles nos podiam ter dado. Ou seja, volto ao povo. Estou muito interessado em ver agora como é que as pessoas aceitam aquilo que é o conhecimento e aquilo que é inovador.

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