Ex-chefe da DINFO estranha contactos de Marcelo com padres de Santo Egídio
"Um verdadeiro murro no estômago." É assim que o general Chito Rodrigues, antigo chefe dos serviços secretos militares e externos (1988--1992), diz ter recebido a notícia de que o Chefe do Estado estava a obter informações sobre Moçambique em Roma.
Chito Rodrigues, que participou diretamente num processo que culminou em 1992 com a assinatura do acordo de paz de Roma, insiste com o DN: "Como é possível ouvir o Presidente da República dizer que foi a Roma obter informações sobre Moçambique?"
Chito Rodrigues, que reconhece e valoriza o papel da Comunidade de Santo Egídio enquanto mediadora no longo conflito entre a Frelimo e a Renamo, respira fundo e depois admite uma possível resposta: "Certamente que o Presidente da República recebeu informações fidedignas das entidades" portuguesas "e as quis completar" junto daquela congregação religiosa diretamente envolvida no processo de paz em Moçambique.
Contudo, é palpável o desconforto do ex-chefe da DINFO e das informações estratégicas (nos primórdios do atual Serviço de Informações Estratégicas de Defesa) com o pouco destaque dado a Lisboa na resolução do conflito - a ponto de em 2002, e após ter ouvido uma conferência em que apenas se falou da ação da Comunidade de Santo Egídio, publicar um livro sobre a "Anatomia de um processo de paz" como "contributo para a verdade histórica" quanto à "verdadeira participação de Portugal" nesse dossiê.
"Em vez de valorizarmos o que fizemos...", exclama o general, lembrando alguns dos esforços então feitos pelas autoridades portuguesas: promover o reconhecimento político e credibilização externa da Renamo e do seu líder, a instalação da família de Afonso Dhlakama (mulher, quatro filhos e uma governanta) em Portugal, a sua vinda a Portugal para uma visita oficial em que foi recebido pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva, a sensibilização da Frelimo para alterar o nome dos serviços de informações de Moçambique ou retirar a designação "marxista-leninista" do seu programa político-partidário.
O envolvimento de Lisboa no processo de paz moçambicano também levou a que Portugal pudesse ter sido o palco escolhido para a assinatura do acordo entre as partes. Só que Portugal já "tinha o processo de paz de Angola nas mãos", que terminou com os acordos de Bicesse, diz Chito Rodrigues - e a "influência do bispo da Beira" acabou por levar o acordo para Roma.
Desalento com a evolução da crise político-militar em Moçambique é outro sinal que Chito Rodrigues não consegue disfarçar, ao falar sobre um conflito que "já dura há uns dois anos". À memória vem-lhe o dia em que, com dois adjuntos da DINFO, partiu para o Quénia "sem visto" de entrada: "Não sabia se ia entrar ou ficava no aeroporto."
"Para ter visto para Nairobi tinha de passar pelos amigos ingleses... não tinha de dar contas a ninguém. Acreditei nas informações locais, acreditei que seríamos recebidos ao mais alto nível" e assim foi, conta Chito Rodrigues, lembrando que à sua espera estava o chefe de gabinete do presidente queniano Arap Moi - por quem foi recebido e depois se reuniu com Afonso Dhlakama.
"Foi um encontro decisivo. Dhlakama comprometeu-se a não fazer mais ataques [à barragem de] Cahora Bassa e não fez", assim como depois "cumpriu a palavra", durante duas décadas, "de não dar mais um tiro em Moçambique", recorda Chito Rodrigues.
"O que o levou a não cumprir a palavra dada? É preciso descobrir o que quer" o líder da Renamo, enfatiza o general que, enquanto chefe da Divisão de Informações do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), "sempre soube onde ele estava" - detalhe que lhe traz outra memória: a altura em que Maria Barroso "foi a Moçambique sem dizer nada e depois não encontrou Afonso Dhlakama".
"Não sei se hoje alguém do exterior é capaz de fazer alguma coisa" pelos moçambicanos, diz o general, manifestando a seguir uma réstia de esperança: "Talvez a Comunidade de Santo Egídio..."