"Estou em melhor posição para ter votos também à direita"

Em entrevista ao DN, Maria de Belém faz de Marcelo o seu principal adversário. Afirma que se distingue dos restantes candidatos à esquerda pelo vasto currículo de serviço público

Portugal está melhor ou pior do que em 2011?

Portugal está muito fragilizado do ponto de vista social e económico. Evidentemente que pode ter uma imagem de fora, por parte de instâncias internacionais, que considere que está melhor, mas as minhas formas de avaliação são pelos indicadores sociais e económicos. Estamos pior do ponto de vista da pobreza, do desemprego, da vista da capacidade da economia para respirar, do investimento externo.

Mas o programa de resgate na altura, em 2011, foi negociado por um governo socialista...

Considero é que há uma receita geral que é aplicada a todos os países, independentemente das suas condições de base, o que na minha opinião não é adequado. Porque a Irlanda tinha problemas com o sistema financeiro, a Grécia tinha problemas com a administração pública e com o sistema fiscal e nós tínhamos problemas a nível da debilidade da nossa economia. E portanto a cada doença o seu tratamento. É isso que espero que a União Europeia faça e parece-me que está neste momento aberta a fazer esta avaliação, e é muito importante que isso aconteça.

A 4 de outubro, o país não fez essa leitura e esse diagnóstico, deu a vitória eleitoral à coligação que estava no governo.

Ora bem! Falar de perceções do país em função de resultados eleitorais, é certo. A mim perguntaram-me a minha opinião.

Sim.

E portanto eu emiti a minha opinião, não é? Eu construo a minha opinião com base nos indicadores de que disponho e com base na minha experiência no terreno.

Mas como é que vê esta perceção do país relativamente àquilo que aconteceu nos últimos quatro anos?

Estando eu muito ligada ao setor social, vejo situações que nunca esperei ver no meu país. Conheço os casos reais, conheço os nomes das pessoas, conheço as suas caras, as suas situações concretas. Acho que também com níveis de abstenção tão elevados há uma franja muito grande do eleitorado que está muito descrente e que considera que não vale a pena votar porque, votem em quem votar, haverá pouca autonomia nacional para definir políticas diferentes.

Compreendeu os cortes que foram feitos na área da saúde e as implicações que tiveram a posteriori?

Há cortes que devem ser feitos, são os cortes que têm que ver com desperdício, com dinheiro que é gasto sem necessidade, sem adequação. E por isso fui uma grande promotora dos programas de qualidade na saúde. Houve também uma lei dos compromissos que não tem grande aplicabilidade. É muito difícil para os gestores conseguirem compatibilizar entre aquilo que é a defesa do direito à vida e à integridade, à capacidade das pessoas, saber se há dinheiro na tesouraria para tomar uma decisão no sentido de um determinado tratamento.

E é isso que pode explicar, por exemplo, o aconteceu no caso do Hospital de São José?

Não posso tirar conclusões antes das conclusões do inquérito. Seria erradíssimo fazer o aproveitamento deste caso para tentar encontrar diretamente culpados.

O governo minoritário do PS tem hoje uma base sólida para governar?

Parece-me que sim, que tem havido o apoio parlamentar. Houve, desde logo, para o programa do governo. Eu acho que é muito importante dar uma imagem externa de estabilidade governativa.

Há um governo estável quando, por exemplo, a maioria que o suporta chumbou o Orçamento Retificativo que o governo foi obrigado a apresentar por causa do Banif?

Pois, porque aí há divergências que têm que ver com o sistema financeiro. E o governo que está em funções tem de remediar situações que aparecem e que nem sequer estavam em cima da mesa, que não eram previsíveis. Nós sabíamos que havia... O que é importante é saber em cada momento qual é a maioria que é possível que viabilize cada uma das medidas em função da sua natureza.

Mas acha que é legítimo ao primeiro-ministro pedir ajuda a um ex-primeiro-ministro que caiu no Parlamento pela sua mão?

Acho que quando está em causa o interesse nacional, quando está em causa também um dossiê que correu todos os seus termos num governo anterior, que os responsáveis por esse governo também considerem que têm nessa altura de dar a prevalência à defesa do interesse nacional.

Como é que vai agir se for eleita no dia em que eventualmente Bruxelas possa ter de impor a Portugal um novo pacote de medidas e isso fizer soçobrar o apoio da esquerda ao governo?

Acho que, como disse, estar permanentemente a trabalhar sobre cenários hipotéticos é algo que não me agrada do ponto de vista daquilo que é o que há a discutir hoje.

Mas não acha que isto é uma possibilidade?

... São regras que constam da Constituição da República Portuguesa e que dizem que o Presidente da República tem o poder de dissolução do Parlamento, que deve apenas usar em circunstâncias excecionais. Portanto, não lhe vou aqui especificar que circunstâncias excecionais serão essas.

Já o fez não há muito tempo...

Não, fi-lo dizendo que sempre que esteja em causa o regular funcionamento das instituições no sentido de pôr em causa a governabilidade do país, como é evidente, aí o Presidente da República não tem alternativa.

Quem é o seu adversário nesta corrida presidencial?

Já o disse, é Marcelo Rebelo de Sousa.

Porquê?

Precisamente porque é a pessoa que representa o único candidato de uma governação à direita, digamos assim, não é? Do ponto de vista ideológico, é o único candidato que se situa à direita, todos os outros se situam à esquerda, dentro de um espaço político que é mais ou menos partilhado.

E acha útil a diversidade de candidatos à esquerda?

Acho, porque há vários espectros na esquerda e eu considero que sou a candidata que está em melhor posição para ter votos também à direita, uma vez que a minha candidatura é de centro-esquerda.

Não dá vantagem a Marcelo aparecer isolado à direita?

É verdade. E o candidato à direita trabalhou muito nesse sentido Acredito piamente que a maior hipótese de escolha poderá fazer diminuir a abstenção.

O seu objetivo nesta corrida é ganhar à primeira volta ou passar a uma segunda?

Passar à segunda volta.

Porque acha que é impossível?

Há todo um conjunto de circunstâncias que levaram a um favorecimento muito grande de um dos candidatos relativamente a todos os outros e portanto é natural que a minha convicção seja a de que é indispensável evitar que esse candidato, que cobre apenas um espectro partidário, ganhe à primeira volta. E por isso considero que sou a candidata em melhor posição para, sem segunda volta, derrotar o candidato da direita.

E não admite desistir em nenhuma circunstância.

Não admito desistir em nenhuma circunstância.

O que é que a distingue de Sampaio da Nóvoa?

Aquilo que me distingue dos outros candidatos é o meu percurso. O meu percurso, a minha vida, o facto de ter começado na administração pública como funcionária pública. Tenho também uma enorme experiência de gestão de grandes instituições públicas, de instituições públicas complexas; tenho experiência governativa e tenho experiência parlamentar, quer no Parlamento português quer na assembleia parlamentar do Conselho da Europa.

O Partido Socialista devia ter apoiado um candidato?

Sempre considerei que o Partido Socialista podia não se pronunciar sobre o apoio a qualquer dos candidatos. O exercício das funções do Presidente da República deve ser um exercício independente. Se for eleita serei Presidente de todos os portugueses.

Mas gostava de contar, pelo menos, com o apoio de António Costa?

Eu não vou pedir às pessoas que me apoiem. Muitas pessoas e muitas personalidades do Partido Socialista me apoiam, muitos militantes anónimos também e eu queria ter uma palavra de grande consideração para eles. Confio e acredito que os portugueses não se resignem, ex-militantes socialistas, não se resignem a uma vitória de Marcelo Rebelo de Sousa à primeira volta.

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