Está a subir o número de agressores sexuais em tratamento imposto
Rui Abrunhosa Gonçalves trata há 20 anos condenados por abusos sexuais enviados pela justiça, com o número a aumentar desde 2013. Dulce Rocha, do Instituto de Apoio à Criança, critica a lei por ser muito branda
Há 20 anos que o psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves e sua equipa na Unidade de Psicologia da Justiça e Comunitária recebe agressores sexuais para uma intervenção psicológica. São condenados em tribunal e, ao longo do período da pena decidida pelos juízes, na maioria dos casos suspensa, vão ser acompanhados pelos psicólogos. É provável que o professor de xadrez que foi na quarta-feira condenado a pena de quatro anos e meio de prisão, suspensa, por ter abusado de uma menina, sua aluna, de 10 anos, venha a ser um dos próximos ofensores a entrar nos gabinetes, mas a decisão pertence ao Instituto de Reinserção Social.
"Cresceu muito o número de agressores que recebemos nos últimos cinco anos. Só neste ano foram quatro novos casos", adiantou o coordenador desta unidade da Universidade do Minho, em Braga, admitindo que ainda não há um mecanismo de avaliação da eficácia destes programas com agressores sexuais de menores. "Em breve divulgaremos resultados destes 20 anos, mas não há um grupo de controlo externo." Na sua opinião, "há bons níveis de eficácia com os agressores sexuais. Se voltarem a entrar no sistema de justiça com alguma pena, nós sabemos e isso, nos que tratamos, não tem acontecido".
Basicamente, estes condenados a pena suspensa ficam obrigados a um regime de provas, em que uma das condições é o tratamento em consultas especializadas para agressores sexuais. O IRS decide um plano de tratamento, o juiz que teve o caso aprova e unidades como esta do Minho recebem os agressores. "Por norma começa de forma mais intensiva e depois mais espaçada. Mas dura sempre o período em que a pena suspensa está em aplicação", diz Rui Abrunhosa Gonçalves, que também acompanha os condenados nas cadeias.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
"Os que estão na prisão serão os casos mais graves, com risco mais elevado em termos de reincidência e de violência sexual. O tipo de intervenção é mais demorado. Em Portugal, as pessoas com penas até cinco anos não vão presas e isso acontece de acordo com o julgador. Tem que ver com a legislação e os juízes. Há sempre a ter em conta a gravidade dos factos e o impacto na vítima", considera o psicólogo.
Nas centenas de indivíduos que passaram pela unidade - em 20 anos houve apenas uma mulher e tinha como parceiro nos abusos um homem -, há os que reconhecem o erro e outros que não admitem a culpa. "Isso não altera o rumo do tratamento. Quando alguém é condenado é um dado arrumado. Não trabalho com eles a culpabilidade, aqui criamos um diálogo terapêutico", diz, adiantando a meta: "O objetivo é que não se criem condições para que uma situação semelhante se repita. Fazemos ver quais foram os comportamentos inapropriados e muitas vezes tudo começa com um comentário desadequado a uma criança. Mostrar que começar por aí é começar muito mal. E muitos vão acabar por assumir, depois, que tiveram comportamentos censuráveis. E é importante dizer que há grande diversidade entre os agressores sexuais."
O psicólogo forense diz ser um técnico e não um julgador mas, apesar de compreender o sentimento de revolta, entende que as penas suspensas são aplicadas em indivíduos inseridos na sociedade. "Muitos deles são válidos do ponto de vista social. Estão bem inseridos, têm empregos. Ao contrário de outros crimes, em que os condenados não têm esta estabilidade."
"Fica na alma, não é só no corpo"
Dulce Rocha, com experiência como procuradora do MP, não tem dúvidas que atualmente "a lei é muito branda nos crimes sexuais em geral" e discorda de que os abusadores "bem inseridos na sociedade" possam merecer, por isso, mais contemporização e fiquem sujeitos a penas suspensas. "Muitas vezes, são os bem inseridos que fazem as coisas mais horríveis", aponta a presidente do Instituto de Apoio à Criança, para quem "a dimensão destes crimes é enorme" e ultrapassa muito o que o sistema judicial consegue detetar.
Para Dulce Rocha, "não se valoriza o sofrimento das vítimas, que perdura na vida de forma atroz" e a "leveza das penas" não ajuda nada. "A pena também é uma componente de reparação em relação à vítima. Se for punido, não ficará tão revoltada", explica, com a convicção de que o número elevado de penas suspensas em abusos de menores acabam por reforçar a ideia contrária. Como a violência contra as crianças é alta, Dulce Rocha defende que Portugal tenha um plano nacional para a violência contra crianças, incluindo a violência sexual: "Fica na alma, não é só no corpo."