"O filme não mudou o preconceito. Pelo contrário, venderam-se mais sapos"

Entrevista de verão à cineasta Leonor Teles

O filme Balada de Um Batráquio denuncia um preconceito da sociedade portuguesa em relação à comunidade cigana. Diz que apresentar um problema e tomar uma atitude é a principal virtude do filme. Sentiu que produziu alguma mudança?

Não, a única coisa que me chegou aos ouvidos foi que a venda de sapos de loiça tinha aumentado bastante após a divulgação e a exibição do filme.

Ou seja, aconteceu exatamente o contrário do que pretendia.

Foi, mas em Portugal tudo é possível.

Dá-lhe vontade de continuar a partir os sapos de loiça?

Às vezes dá, reconheço. Uns meses a seguir à rodagem, sempre que entrava num estabelecimento e via um sapo de loiça tinha vontade de o partir, mas já não era esse o contexto, já não fazia sentido.

Como reagiu a comunidade cigana ao filme?

Não faço ideia, tive algumas associações que trabalham com os ciganos felicitar-me pelo trabalho, mas nunca houve um contacto direto com os ciganos. O único contacto do filme foi com algumas pessoas da minha família e que me disseram que gostaram bastante.

Também gostaram do primeiro filme que fez, ainda na escola, sobre a tradição cigana e que é muito crítico em relação ao papel da mulher?

Nesse tive mais problemas, mas não foi por parte da minha família direta. Porque na minha família, principalmente as mulheres, adoraram e acharam muito bem. Alguns membros da comunidade é que viram e não acharam piada, mas também não era para eles acharem.

O seu pai é cigano e, quando chegou à vida adulta, deixou de viver com a família. Ele, e os filhos, mantiveram o contacto?

Sim. Com a minha família direta sim, mas os meus avós já faleceram. Com as minhas tias, que moram em Vila Franca de Xira, não tenho grande ligação, mas a verdade é que vieram ver o filme e gostaram.

Acredita que o papel da mulher cigana e as tradições vão mudar muito?

Não acredito muito nisso. Se mudar, é muito lentamente. Já se fazem algumas coisas interessantes, por exemplo, a nível do trabalho, mas acho que vai levar muito tempo a mudar mentalidades. E também depende das próprias famílias.

A sua família era diferente?

A verdade é que os meus avós, embora mantivessem a tradição cigana, estavam muito inseridos na sociedade de Vila Franca de Xira. Os meus bisavós já lá moravam. A minha avó sempre trabalhou, [era] independente do marido, e o meu avó esteve em África. Vendiam tecidos para fatos e mais tarde abriram uma loja de alcatifas no Areeiro, que depois transferiram para Vila Franca, que era onde o meu pai trabalhava. O meu pai conta-me que a minha avó sempre teve uma personalidade muito forte, que tinha o seu próprio emprego. Na altura, não era muito bem visto uma mulher ter o seu próprio negócio, mesmo fora da comunidade cigana. E como o meu avó estava muito tempo fora, ela educou os dois filhos e, ao mesmo tempo, os irmãos - era filha mais velha. Era muito forte e sempre passou esse lado mais liberal aos filhos.

Mesmo assim, o seu pai saiu.

É quando se torna adulto que o meu pai começa a perceber que não faziam sentido muitas daquelas tradições. Depois, ao apaixonar-se por uma pessoa que não era cigana, não fazia sentido estar na comunidade. Mas sempre manteve um contacto muito forte com a família. E sempre estudou (até ao 9.º ano, acho) e trabalhou.

Sente que foi mais difícil para a família do seu pai aceitar o casamento ou para a da sua mãe?

A minha mãe diz que não houve grandes atritos. Mas se houve foi mais para a comunidade cigana, claro. Mas se havia falatório, o meu pai cortava logo.

De que gosta mais na cultura cigana?

Adoro a música, por influência do meu pai, que desde pequenos nos punha a cassete. Os meus pais sempre gostaram de música cigana, de dança.

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