"Assumir responsabilidades políticas é permanecer no posto de comando"

Primeira parte da entrevista a Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros e chefe do governo em exercício
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O governo insiste, em relação ao assalto em Tancos, em falar das responsabilidades operacionais. No dia em que gravamos esta entrevista, quinta-feira, o secretário de Estado, Pedro Nuno Santos, numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, diz mesmo que não é o ministro que diz quantos efetivos são precisos para fazer a guarda. Se as falhas militares são tão evidentes, é natural que as consequências se resumam, até agora, a uma exoneração temporária de cinco comandantes que utilizavam aquelas instalações?

Muito boa noite e muito obrigado pelo convite. Eu confesso que estou numa fase anterior, na fase em que aguardo o apuramento dessas falhas. Evidentemente que houve falhas, porque houve um assalto e houve um furto de material de guerra. Esse, em si mesmo, é um caso muito grave e todas as responsabilidades devem ser apuradas.

Mas compreende os relatos de alguma contestação, nomeadamente entre os militares no ativo e também na reserva, de alguma forma insatisfeitos por a responsabilidade lhes estar particularmente a ser imputada a eles até esta fase?

Eu não conheço protestos de militares no ativo. E, até pela minha experiência...

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Membros da Associação de Oficiais das Forças Armadas.

Eu tenho uma visão muito institucionalista, como é conhecido de todos e, portanto, para mim as Forças Armadas falam através das chefias militares.

O senhor já tutelou a área da Defesa. É ou não responsabilidade da tutela saber em que condições é feita a guarda aos paióis? Ou, ao ministro, basta confiar no bom senso dos militares e esperar que a guarda seja efetiva?

A responsabilidade política está bem determinada nas leis que se aplicam. Confesso que agora já não sei de cor todas elas, mas a Lei da Defesa Nacional, a Lei Orgânica das Forças Armadas e uma terceira que agora não me ocorre estabelecem com clareza quais são as responsabilidades políticas, quais são as responsabilidades e as competências de natureza estratégica e quais são as competências de natureza operacional. E diz-se também com clareza que umas pertencem a uns, outras pertencem a outros e outras pertencem ainda a outros. Isso é pacífico há muito em Portugal - desde que, com a revisão da Constituição, em 1982, o regime democrático evoluiu para uma democracia civil com, como sabem, um grande protagonismo das Forças Armadas. Porque foram as Forças Armadas que fizeram a revolução democrática e foram também as Forças Armadas Portuguesas que, sem nenhum problema, fizeram a transição ou aceitaram a transição para a democracia civil que nós somos agora.

Mas esta nossa conversa evolui, obviamente, para tentarmos perceber que sentido se deve dar às palavras do próprio ministro da Defesa, que assume responsabilidades políticas. Sabendo que a rede estava deteriorada, que a videovigilância não funcionava, sabendo igualmente da importância do material militar que estava naqueles paióis, não era natural que o ministro procurasse saber...?

Eu percebo a questão e, para tornar as coisas mais claras, se me permitem, vou usar outra palavra em vez de responsabilidade. Nós todos temos responsabilidades políticas pelo simples facto de ocuparmos cargos políticos. E, em circunstâncias como estas, o nosso dever, como titulares de cargos políticos, é justamente criar todas as condições para que sejam apurados os factos e sejam apuradas - para depois poderem ser assumidas - todas as responsabilidades. É nesta fase que nos encontramos. E seja em relação a Tancos, seja em relação a Pedrógão Grande, seja em relação a quaisquer outras ocorrências, enquanto está em curso o processo ou os seus efeitos, o nosso dever é conhecer os factos, apurar os factos, assumir as responsabilidades que venham a ser apuradas. E, também, tratar de combater os incêndios quando eles deflagram, apoiar as populações vítimas desses incêndios, reconstruir os territórios que tenham sido danificados. O que no caso, em particular, de Tancos significa duas coisas, que é identificar os autores do crime e conduzi-los à justiça e tentar recuperar o material roubado. Ambas estas coisas, que são as coisas importantes, agora relativamente a Tancos, são competências das autoridades judiciais que estão a trabalhar e, portanto, há uma investigação criminal em curso.

O que nos diz é que, dito de outra maneira, haverá uma fase em que a responsabilidade política será ou não, em função das conclusões daquilo que está a ser apurado, também discutidas.

O que eu estou a dizer é que ser responsável politicamente, agora, significa duas coisas: significa assumir plenamente o dever de conhecer o que se passou, informar o público do que se passou e agir em consequência, por um lado; e, por outro lado, significa também o dever de apoiar as instituições, que também foram vítimas do que aconteceu. O que, no caso particular de sistemas tão importantes para a nossa segurança como são as Forças Armadas, de um lado, ou a Proteção Civil, do outro, significa ser enfático e totalmente inequívoco no apoio às instituições.

A ministra da Administração Interna, nomeadamente aqui em entrevista ao DN e à TSF, admitiu de alguma forma ser natural o facto de adiante se ter de tirar as devidas ilações se a comissão independente vier a determinar que houve algum tipo de responsabilidade da tutela em relação, agora já neste caso concreto, ao incêndio de Pedrógão Grande. De alguma forma, temos uma ministra refém do que possa vir a ser concluído durante estes próximos meses, diria eu?

Não. Não diria que esteja refém. O que eu digo é que, o caso concreto da senhora ministra da Administração Interna, na minha modesta opinião, ela está a dar uma lição a toda a gente. Pelo menos a mim, está-me a dar uma lição, que é a lição de não fugir às responsabilidades. Pois, justamente não fugir às responsabilidades políticas significa agora contribuir, por um lado, para que tudo se apure, contribuir, por outro lado, para que, nesta fase - que é a fase crítica dos fogos -, o nosso sistema de proteção das populações e dos bens funcione em pleno e finalmente, também, contribuir na sua parte para apoiar as populações e reconstruir os territórios.

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E fugiria às suas responsabilidades se apresentasse a sua demissão, senhor ministro?

Não. Não digo isso. Aliás, as decisões de demissão são sempre decisões que têm um elemento pessoal. O que eu digo é que a maneira mais exigente, a forma mais exigente, hoje, é justamente permanecer - deixem-me usar, por metáfora, esta linguagem militar - no posto de comando e fazer o que alguém que tem de estar no posto de comando tem de fazer nestas circunstâncias.

O que não significa que mais à frente, havendo conclusões da comissão independente, não [se] possa tirar ilações se houver responsabilidades imputadas à tutela.

Eu lembro-me sempre da famosa expressão do professor Mota Pinto, quando era vice-primeiro-ministro do bloco central e dizia: "A minha chave do carro anda sempre no bolso". O que queria dizer com isso é que, por natureza, a nossa função como membros do governo...

É temporária.

...é sempre precária, neste sentido: podem acontecer as coisas mais imprevistas. E, portanto, nesse sentido, nós estamos sempre com o nosso lugar à disposição. O governo, como um todo, depende sempre da Assembleia da República e cada ministro ou ministra depende sempre da avaliação do primeiro-ministro. E, portanto, nesse sentido, a senhora ministra da Administração Interna está na mesma posição transitória ou precária, como quiser dizer, em que eu me encontro e todos nós nos encontramos. Agora, insisto em que na minha... apenas na minha opinião, na minha perspetiva, a decisão mais difícil ou a decisão mais exigente e, portanto, na minha modesta opinião, a decisão mais honrosa é...

Essa é também a perspetiva da ministra, não é?

...é assumir o dever. A responsabilidade, agora, é ter o dever de contribuir para que os factos sejam apurados, as responsabilidades sejam apuradas, se houver responsabilidades, que cada um assuma as suas e, sobretudo, que as instituições continuem a funcionar. Porque o que mais me faz impressão no atual clima político, do debate político, é a escassez daqueles que estão verdadeiramente preocupados com a solidez das instituições. Eu vejo uma enorme preocupação do lado do Presidente da República em dizer isto mesmo - e revejo-me inteiramente nela -, em dizer, como disse na quarta-feira passada, perante as tropas que vinham do Kosovo: "As Forças Armadas são um pilar essencial da nação portuguesa e nós devemos estar aqui para lhes agradecer também". Como vejo isso [também] do lado do governo, vejo do lado de forças políticas como, por exemplo, o PCP que não se tem cansado de dizer: "Vamos com calma, vamos ver o que se passou, vamos ver que responsabilidades é que devem ser assacadas a quem e, depois, cá estaremos para tirar as nossas conclusões". E, infelizmente, não vejo isso do lado de partidos cuja orientação até devia ser, em abstrato...

Em matérias ligadas com segurança e com defesa.

...em abstrato, mais favorável a instituições tão importantes.

Senhor ministro, também é verdade que no passado, com o Partido Socialista na oposição, muitas vezes se pediu a demissão de vários ministros: da ministra das Finanças, do ministro Paulo Portas... De vários ministros, o Partido Socialista pediu a demissão deles.

Mas eu não critico os pedidos de demissão - fazem parte do jogo normal da oposição e fazem parte da dialética normal do Parlamento. E, como sabem, eu seria a ultima pessoa no mundo, provavelmente [risos], a quem ouviriam desvalorizar...

O papel da oposição.

E a dialética político-parlamentar que, como sabem, na qual eu até tenho um grande prazer pessoal e até costumo usar de grande liberdade de linguagem. O meu ponto não é esse. O meu ponto é duplo: em primeiro lugar, que no que diz respeito a políticas públicas cujos principais recursos são a continuidade das políticas e a estabilidade das políticas, de um lado, e, do outro lado, a solidez das instituições nós devemos ser muito mais cautelosos. Isto é, devemos adotar, na nossa ação política, uma forma e um tempo adequado. Isto passa-se com as Forças Armadas, passa-se com as forças e serviços de segurança, passa-se com a diplomacia e também, na minha opinião, se passa com a proteção civil. Portanto, aí, fazer política pública significa ter sempre em atenção que a continuidade da política - portanto, o sentido de Estado, digamos assim - e, do outro lado, o respeito pelas instituições, a solidez das instituições, são os recursos básicos. Não é o Orçamento. Mais importante do que os meios orçamentais, são estes dois pilares. E, segundo ponto...

Exige mais coerência para quando se está na oposição e no governo?

Quer para a oposição, quer para o governo. Uma pessoa deve estar na oposição no mesmo espírito com que está no governo e deve estar no governo nunca se esquecendo de que já esteve e de que estará, necessariamente, também na oposição, num futuro mais ou menos próximo ou mais ou menos longínquo. Mas o segundo ponto de que nós não nos devemos esquecer, pelo menos nestas áreas, é que quando as instituições passam por momentos críticos... Porque eu bem ouvi o chefe de Estado Maior do Exército dizer: "Este é um dia triste para ao Exército, que foi ferido no seu orgulho". E compreendo muito bem o que ele está a dizer. Quando as instituições estão a passar por momentos críticos, o que se espera de nós - pelo menos de nós, responsáveis políticos - é que as apoiemos. Nós podemos apoiar e pedir...

E fazer, na mesma, o combate político.

...e escrutinar os ministros e pedir contas aos ministros. É isso que é a democracia. Portanto, não estou a dizer: "Eliminemos a política das políticas de soberania". Não é isso que eu estou a dizer. Mas não nos esqueçamos do nosso dever, de todos, de contribuir para a solidez das instituições e não para o seu enfraquecimento. Porque uma coisa é certa: quem apaga os fogos são os bombeiros, quem trata das pessoas nas estradas é a GNR, quem trata das comunicações necessárias para o combate aos incêndios são os técnicos do sistema de comunicações e quem nos garante a todos a nossa segurança face a ameaças externas são os militares - e, às vezes, com a própria vida - e, portanto, é preciso muito respeito por eles.

Voltando ao incêndio. Três semanas depois do que aconteceu em Pedrógão Grande, na região, a comissão independente marca passo na Assembleia da República, apesar do governo, como ouvimos ainda agora ao senhor ministro dizer, assumir que vai tirar as suas próprias conclusões, tão depressa quanto tenha respostas a todas as perguntas, nomeadamente as que fez e aquelas a que comissão eventualmente poderá chegar. Ainda faz sentido, esta comissão independente, em seu entender?

Sim, se ela for uma comissão técnica e for uma comissão independente.

Ainda que esses resultados...

E estou seguro de que vai ser. Eu não conheço a composição - nem tenho de conhecer -, mas estou seguro de que todos os partidos farão um esforço para ajudarem para que comissão seja independente. E também estou - espero que não considerem isso preconceito corporativo profissional -, estou certo de que o Conselho de Reitores, que nomeia seis dos 12 membros da comissão, nomeará técnicos e nomeará técnicos independentes. Porquê? Porque há um plano de avaliação política: isso é connosco e com dialética política entre governo e Parlamento. É assim, numa democracia. Mas há um plano de avaliação técnica. E essa avaliação técnica deve ser técnica, deve ser feita por profissionais, por peritos. Os peritos não pensam todos a mesma coisa - como qualquer português ou portuguesa que tenha visto a televisão nestes dias, há "n" maneiras diferentes de responder às perguntas: Como se defende a floresta? Que tipo de floresta devemos ter? Como se combatem incêndios? Que prioridade devemos dar? Que técnicas devemos utilizar? E, portanto, é bom que a comissão seja plural para que possa chegar a um consenso e tenha, ela própria, o seu debate e é essencial que seja uma comissão independente. Independente de quem? Independente do governo e independente do Parlamento.

E que sentido é que faz que o governo anuncie que vai apresentar as suas conclusões com base em todas as perguntas que fez não só a um cientista, a quem pediu que avaliasse, como todas as perguntas que fez aos organismos do Estado?

Porque isso é um contributo, um contributo próprio do governo, não só para a qualidade do debate público, que é preciso fazer, como é um elemento essencial do governo para tomar as decisões que tem de tomar, designadamente enquanto, digamos assim, chefe, comando, da administração pública. E também é um elemento de prestação de contas muito importante. Nós esperamos, nos termos da resolução que foi aprovada na Assembleia, esperamos o relatório da comissão técnica independente para daqui a dois meses, no máximo, para daqui a três meses. Mas há muitas coisas que é preciso fazer nestes dois meses e três meses, também no campo da prevenção e também no campo da resposta a situações de emergência. Estamos a falar, agora, dos incêndios.

E é esse tipo de conclusões que vão apresentar brevemente ou é uma conclusão sobre o que se passou?

Nós temos seguido uma política que é clara: a informação que recebemos é a informação que tornamos pública. Isso...

Ainda que isso, às vezes, seja contraditório dentro das instituições ao dos próprios ministérios, no caso, da Administração Interna.

Mas vamos lá a ver! Há um provérbio português que se aplica que nem uma luva a estas circunstâncias, que o é o provérbio de "preso por ter cão, preso por não ter". No princípio, criticava-se a possibilidade de o governo esconder informação. O governo nunca escondeu a informação, pelo contrário, tem usado uma política de total abertura da informação: recebe respostas, publica-as imediatamente. Passou imediatamente a ser acusado de intoxicar com informação a mais. O governo começou por...

Sobretudo se ela é contraditória, pode não ter a melhor influência na opinião pública e na segurança, na cabeça das pessoas, diria eu.

O governo começou por ser acusado da possibilidade de ignorar a proposta apresentada pelo PSD para a constituição, no Parlamento, de uma comissão técnica independente...

Isso foi resolvido muito rapidamente pelo governo...

...substituindo-se a essa fiscalização. Agora, [risos] hoje, uma manchete de jornal já acusava o governo, uma manchete ou um título de jornal já acusava o governo de não esperar pela comissão técnica independente. Portanto, ontem era "o governo estava a esconder-se atrás de uma comissão técnica independente", hoje já está a precipitar-se.

Com base nesta manchete, a pergunta é se faz sentido, porque, obviamente, as conclusões que o governo queira tirar podem condicionar o trabalho dessa comissão independente.

Faz, por uma razão muito simples. É preciso nenhum de nós esquecer nunca dois factos muito simples e muito tristes: o incêndio em Pedrógão Grande foi a maior tragédia humana das últimas décadas em Portugal; e o que aconteceu em Tancos é um facto muito grave, porque instalações militares foram assaltadas e foi furtado - roubado, em português corrente - material de guerra. E, portanto, a relevância (vamos usar uma linguagem mais tecnocrática) ou a seriedade, a gravidade destes acontecimentos não deve ser escondida nem deve ser desvalorizada. E, portanto, nós precisamos todos de ter toda a informação que pudermos para perceber o que se passou, para perceber como responder...

Senhor ministro, mas desculpe-me insistir. O governo é que está a anunciar que vai tirar conclusões antes mesmo de ter toda a informação, porque a comissão independente nem sequer começou a trabalhar.

Mas... Eu sei que não é tecnicamente legítimo eu fazer-lhes perguntas. [Risos]. Portanto, os senhores é que fazem as perguntas e, portanto, deixem-me dizer desta maneira: o que seria, do meu ponto de vista, incompreensível é que o governo estivesse parado, à espera de fins de outubro e do relatório da comissão independente. Aí é que...

Deixe-me fazer-lhe a pergunta do ponto de vista político...

...o líder do principal partido da oposição teria razão quando sugere inação do governo. Aí teria razão. Eu acho que ele não tem razão exatamente porque o governo não está inativo.

E, [com] estes acontecimentos de que estamos a falar, o governo tenta recuperar a iniciativa política, acha que o estado de graça foi posto, de alguma forma, em causa? Há um maior grau de exigência para o lado do governo a partir destes dois acontecimentos?

Eu peço desculpa do que vou dizer, mas estes factos são suficientemente graves e os seus efeitos são suficientemente negativos para nós podermos desvalorizar, digamos, a espuma política. Há aqui coisas muito mais importantes do que saber se o governo perdeu o estado de graça, se é preciso retomar a iniciativa política, se está à defesa ou está na ofensiva. O que nós precisamos...

É evidente, mas, para esses acontecimentos, nós estamos à espera de resposta.

Não. Porque, entretanto, ainda na passada quinta-feira o Conselho de Ministros aprovou um conjunto de decisões que significa iniciar a fase, ou melhor, acelerar a fase (que já se iniciou) de reconstrução da região mais severamente atingida por esse incêndio completamente avassalador e anómalo, nas suas circunstâncias, que ocorreu no dia 17 de junho em Pedrógão e nas zonas circundantes. Porque é preciso fazer um cadastro muito rápido das propriedades, é preciso identificar os proprietários, é preciso ajudá-los na reconstrução das suas economias. Há várias empresas que viram as suas instalações danificadas - algumas delas terão de recorrer a lay-off, outras não. É preciso apoiá-las nisso. Há famílias que perderam tudo, é preciso apoiá-las. E, portanto, a Segurança Social, o desenvolvimento, as autarquias locais, todos temos de trabalhar para reconstruir aquele território. Isso é muitíssimo mais importante e urgente do que estarmos agora a saber se António Costa baixou na popularidade de quantos, se o PSD conseguiu ter um novo fôlego... Com franqueza!

Como diz o senhor ministro, é verdade que todos nós reconhecemos o grau de importância que tem uma coisa e outra, mas, como dizia o senhor ministro, o debate político continua. Não é por haver trabalho a fazer [que vai parar], não é?

Mas o debate político pode não ser apenas sobre a espuma política. O debate político pode ser sobre a substância das políticas. O debate político pode...

O PSD já propôs que se agilizasse a ajuda financeira às famílias. Isso é participar no debate político, pelo lado do PSD.

Mas eu não estou a contestar isso. Não estou aqui a menorizar...

Estou a recordar que a oposição não está apenas a fazer o debate político pelas questões da espuma política

Não. Não estou a menorizar, nem estou... Eu já não sou ministro dos Assuntos Parlamentares, portanto, não estou aqui num registo de dialética política pura. E o que estou a dizer, não desvalorizando essa dimensão, é que, com sinceridade que me caracteriza, digamos que a popularidade do governo ou a energia do governo é, nestes dias o que menos me preocupa. Isto é, preocupa-me a energia, não a popularidade, no sentido em que ela é instrumental para que os objetivos que é preciso alcançar e as coisas que é preciso fazer sejam alcançados e sejam feitas.

Já agora pergunto-lhe se o governo demonstrou o seu incómodo, nomeadamente face às notícias que surgiram aqui ao lado, em Espanha, sobre a lista do material roubado em Tancos, também sobre o que, alegadamente, poderia ter acontecido com esse material? Aliás, o Executivo acabou por desmentir parte dessas indicações. Foram pedidas explicações a Madrid sobre estas fugas de informação?

Não. Não são pedidas explicações a Madrid - se Madrid quer dizer, por sinédoque, o governo espanhol -, porque o governo espanhol não tem nenhuma responsabilidade nisso. Aconteceu uma fuga de informação para a imprensa - aliás, uma fuga de informação defeituosa, digamos assim - e isso é perturbador apenas porque dificulta o trabalho de investigação. Sempre que há esse tipo de fugas, sempre que o segredo da investigação é violado, a investigação fica mais difícil. E nós queremos todos é que a investigação se faça nas melhores condições e com a maior rapidez, porque queremos todos saber quem cometeu o crime, quem foram os cúmplices, quem foram os autores, quem foram os beneficiários como recetores, onde está o material roubado, como é que nós podemos recuperá-lo e como é que nós podemos impedir que ele seja utilizado - porque ele, certamente, não foi roubado para ser vendido para coleção ou para bares de caridade.

Recebeu algum tipo de mensagens de preocupação através dos canais diplomáticos?

Os canais diplomáticos de que nós dispomos funcionaram imediatamente. Vamos ver o seguinte: nós estamos perante dois fenómenos de origem e natureza diferente, mas que ambos existem nos dias de hoje e que ambos existem com uma certa regularidade. Por um lado, são incidentes causados por catástrofes naturais e, por outro lado, são incidentes causados pela mão humana, neste caso, por redes - tudo leva a crer que sejam redes - criminosas.

Era sobre esse segundo que estávamos agora a falar.

E todos nós, os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, mas todos nós, os países - e, em particular, os países europeus e os países da NATO -, somos muito cautelosos e prudentes quando analisamos estes incidentes que ocorrem no quintal do vizinho porque sabemos que todos estamos sujeitos a eles. E, em particular - agora vou-me centrar nas questões da criminalidade organizada -, a dimensão que hoje atinge a criminalidade organizada, designadamente o triplo tráfico de seres humanos, de droga e de armas e as interconexões que tem com as redes terroristas, são os elementos mais importantes e mais perturbadores, digamos, da situação de segurança internacional atual. E, portanto, nós, como membros da União Europeia, recebemos logo informação se aconteceu alguma coisa noutro país e damos logo informação quando acontece alguma coisa entre nós ou quando suspeitamos que possa vir a acontecer. E todos esses canais funcionaram. Eles funcionam ao nível da cooperação militar - peço que considerem que eu não posso dizer muito sobre isso -, funcionam do ponto de vista do canal diplomático, funcionam do ponto de vista da cooperação das polícias e funcionam do ponto de vista da cooperação e dos serviços de informações.

Estão as polícias ao abrigo daquilo que são os acordos que existem na União Europeia e na NATO também, com os militares, todos a trabalhar em conjunto neste caso?

Sim, eu quando fui à reunião do Sistema de Segurança Interna e depois prestei declarações no fim disse que as ações que tinham sido desenvolvidas... que tinham sido tomadas ações muito importantes do ponto de vista de reforço da fiscalização de vigilância, do ponto de vista da avaliação do risco e da ameaça, do ponto da partilha de informações e do ponto de vista da comunicação formal dos dados que nós vamos recolhendo...

Que cada um tem.

...por exemplo, relativos ao tipo de munições que foram roubadas. Ora, as três últimas - portanto, avaliação do risco e ameaça, a partilha de informações e a comunicação de dados -, hoje em dia, faz-se ao nível nacional e ao nível europeu. E como nós pertencemos a uma aliança militar, a NATO, também se faz a esse nível. E, porque essa questão foi colocada, evidentemente que estes incidentes são incidentes que têm também um custo reputacional. Todos nós sabemos que uma reputação demora muito a construir e pode desfazer-se numa hora. Também isso acontece com os Estados. Mas porque é que eu disse, e repito, que a imagem externa de Portugal não foi afetada no essencial? Porque uma coisa é o incidente - e estes incidentes são sempre muito perturbadores, ocorram nos Estados Unidos, na Argélia ou em Portugal -, mas, no essencial, os nossos parceiros, os nossos associados, os nossos amigos e, também, os nossos adversários (que os temos) sabem que Portugal é um aliado confiável, que age em função da agenda multilateral e dos compromissos internacionais e é um dos países mais seguros e pacíficos do mundo.

Acredita que será possível recuperar este material que foi roubado de Tancos?

Não sei responder a essa pergunta, porque eu não tenho acesso a dados de investigação, nem posso ter, nem quero ter - isso seria ilegal. [Risos]. Seria, aliás, um crime se o cometesse. Portanto, isso é com a investigação.

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