De Fernão Mendes Pinto ao "arrebanhador": vistos gold só daqui a um mês

Procuradora quer todos os 17 arguidos em julgamento. Defesas contestaram acusação. Juiz Carlos Alexandre, queixando-se do excesso de trabalho, só irá decidir a 8 de abril
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A procuradora do Ministério Público Susana Figueiredo deu o mote para que o debate instrutório do processo dos vistos gold, que decorreu ontem no Tribunal Central de Instrução Criminal, fosse fortemente temperado com metáforas. Recuperando o nome original do processo, "Operação Labirinto", a procuradora recuperou a figura mitológica do Minotauro no centro do labirinto, pedindo ao juiz Carlos Alexandre uma "estocada" no híbrido, ou seja que todos os 17 arguidos sejam levados a julgamento. O advogado de um deles ripostou, ironizando que, tal como em La Fontaine, a acusação do Ministério Público também começa com um "era uma vez...".

Apenas quatro dos 17 arguidos acusados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) pediram a abertura da fase de instrução, cuja decisão final - isto é, quem segue para julgamento - será conhecida a 8 de abril. A decisão será do juiz Carlos Alexandre que, ontem, revelou alguma irritação por lhe terem sido "distribuídos eletronicamente" quatro processos para instrução, entre os quais as últimas volumosas acusações da "Operação Furacão", ao passo que ao colega, Ivo Rosa, apenas couberam dois.

Mas, ontem, o juiz ouviu durante o dia os argumentos do Ministério Público e das defesas sobre alguns dos factos em causa nos vistos gold. Com humor, e ainda no registo das metáforas, a procuradora, tendo em conta o contexto do caso - ligações entre cidadãos chineses e quadros do Estado para a obtenção de vistos gold - recorreu a Fernão Mendes Pinto, que se aventurou pelo Oriente, para dizer que também no processo dos vistos gold há traços de um "desenrascanço" à portuguesa, porém "não são as armas de fogo e as especiarias que se mercadejaram aqui. O que se mercadejou aqui são os alicerces do aparelho de Estado ao mais alto nível", acrescentando ser sua convicção que este processo é apenas "uma nesga" num "problema endémico no aparelho do Estado".

Na troca de galhardetes literários entrou o advogado Machado Vilela, que representa o arguido Fernando Pereira, primo de António Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado, também acusado neste processo. O defensor do primeiro arguido começou por dizer que a acusação do Ministério Público lhe fazia lembrar o "início" das fábulas de La Fontaine para, em seguida, criticar a acusação de um crime de branqueamento de capitais feita ao seu cliente. É que, segundo o líbelo acusatório, Fernando Pereira terá depositado 20 mil euros que lhe terão sido entregues por António Figueiredo em duas contas: uma em seu nome, a segunda titulada pelo primo. Machado Vilela questionou onde estava a tentativa de branquear capitais, a forma dissimulada, o esconder do dinheiro, já que tudo foi feito através de cheques. E já que, muitas vezes, os tribunais recorrem ao comportamento do "homem médio" na sociedade para julgar e condenar arguidos, o advogado sublinhou que o tal "homem médio não mora na sala de audiência, está lá fora na sociedade", com isto querendo dizer que o seu cliente agiu normalmente sem intenção de esconder ou "lavar" dinheiro e que, por isso, não tinha cometido o crime de branqueamento de capitais.

Por sua vez, o advogado de António Figueiredo voltou a insistir a anulação da acusação, uma vez que, sustentou Rui Patrício, o seu cliente não foi confrontado durante a fase de inquérito com todos os factos que constam no despacho de acusação (ver DN de 7 de Março). Referindo-se a uma escuta do processo - na qual António Figueiredo diz que tinha que "arrebanhar por todo lado" - Rui Patrício disse estranhar que o seu cliente, descrito como um "arrebanhador" geral, apenas tenha "arrebanhado" um pouco mais de 200 mil euros, sendo que a maior parte deste montante provém, "como demonstra o processo", disse, das suas poupanças. O ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Palos, e o ex-ministro Miguel Macedo não pediram a abertura da instrução.

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