Costa: salário mínimo de 600 euros "no final da legislatura"

Primeiro-ministro admite aumentos no próximo Orçamento, mas não quer falar em números. E replicou que é Passos quem está cansado

Mesmo em São Paulo, a rentrée política portuguesa foi assunto. O primeiro-ministro comentou esta terça-feira, na cidade brasileira, declarações de Jerónimo de Sousa, líder do PCP, na Festa do Avante a propósito do aumento do salário mínimo para 600 euros. "Partilhamos a vontade de querer melhorar condições no Orçamento de Estado de 2017, vamos ter um aumento, não quero falar em números, mas chegaremos a um valor mais próximo do desejável para as famílias portuguesas, aprovado e cumprido, a ideia é, sim, chegar a 600 euros no final da legislatura", disse Costa.

"Os patrões estão a torcer o nariz? Todos os processos negociais são feitos assim, no ano passado houve acordo, este ano também haverá", completou.

E sobre a acusação de Pedro Passos Coelho de que o governo "está esgotado", o primeiro-ministro devolveu na mesma moeda. "Ele disse isso pela 23ª vez. Sobre esgotamento estamos pois entendidos."

Costa quer Portugal e Brasil a construírem carros e aviões juntos

Como a relação entre Portugal e Brasil resiste a todas as conjunturas, António Costa considera a crise comum aos dois países "uma oportunidade de investimento mútuo". Em visita a São Paulo, maior cidade brasileira e latino-americana, o primeiro-ministro português, que se fez acompanhar dos ministros da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, e da Economia, Manuel Caldeira Cabral, falou muito das três pastas. Mas sobretudo de economia.

"A relação entre Portugal e o Brasil é uma relação que supera todas as conjunturas, devemos sempre procurar acarinhá-la e aprofundá-la", disse Costa, na presença de Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), governador de São Paulo, estado que produz um terço do PIB do gigante sul-americano. "Nos últimos 20 anos a relação aprofundou-se muito mas temos de continuar, sabemos que há ainda muito para fazer quando o Brasil é apenas o 11º fornecedor de Portugal e Portugal o 10º cliente do Brasil"

"É pouco", sublinhou o primeiro-ministro. "Temos de incentivar mais cooperação entre empresas, mais troca de comércio e troca de serviços, há uma parceria recente com a EMBRAER [fabricante brasileiro de aviões], entre engenharia portuguesa e brasileira, há um projeto de mobilidade elétrica com o estado de Minas Gerais, se somos capazes de fazer um avião e um carro eletrico, não faz sentido que o produto mais exportado de Portugal para o Brasil seja ainda só o azeite, e o produto mais exportado do Brasil para Portugal seja ainda só o petróleo".

Para António Costa, "quando houver finalmente um acordo entre a União Europeia e o Mercosul, os dois países têm todas as condições para estar já dois passos à frente, antes do acordo se tornar realidade". "Os brasileiros gozam em Portugal de plenos direitos, só não podem ser presidentes da República, porque até primeiros-ministros podem ser, é importante para nós e para as empresas brasileiras por isso que elas se antecipem às dos restantes países do Mercosul", continuou o socialista, no primeiro de quatro dias de viagem ao Brasil.

"Nós juntos podemos fazer bastante, quando ouvimos os líderes do G20 a apelar a mais negócios em conjunto, penso que nós, portugueses e brasileiros, podemos crescer bastante mais fortes, falamos a mesma língua, temos 82 voos semanais entre os nossos países e somos os países mais próximos entre a Europa e a América do Sul".

Mas e as crises económicas portuguesa e brasileira? Para Costa, isso não é problema. E recorre à história para o justificar: "Quanto mais crise há, mais devemos nos ajudar e mais devemos investir, desde que Pedro Álvares Cabral chegou a Porto Seguro até hoje já houve muito mais crises, às vezes aqui, às vezes lá, às vezes aqui e lá ao mesmo tempo, hoje Portugal já inverteu a tendência de desaceleração e o ajustamento com a União Europeia está em bom curso e o Brasil vai voltar a entrar na rota do crescimento e a ser uma potência mundial", disse o socialista, antes de se escusar a comentar o processo de impeachment de Dilma Rousseff, no dia seguinte à realização de manifestações em diversas cidades brasileiras, com destaque para a da Avenida Paulista a poucos quilómetros dali, contra o Governo Temer. "É um assunto interno do Brasil e não comentamos a política interna do Brasil, a nossa excelente relação é independente de quem for o governante".

Além de se encontrar com Alckmin, que foi derrotado nas presidenciais de 2006 por Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, e é pré-candidato da área de centro-direito às eleições de 2018, Costa reuniu-se com Paulo Skaf, presidente da federação de industriais de São Paulo, almoçou com empresários dos dois países na Câmara de Comércio Portuguesa e esteve ainda com representantes da comunidade portuguesa, na Casa de Portugal. Já no Rio de Janeiro, para onde segue hoje, vai juntar-se ao recém empossado presidente Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira, na cerimónia de abertura dos Jogos Paralímpicos.

Escola portuguesa e museu na agenda de Costa e Alckmin

Nem só de economia viveu a passagem de António Costa por São Paulo. A criação de uma escola portuguesa na cidade, a recuperação do Museu de Língua Portuguesa, afetado no ano passado por um incêndio, e a abertura da Bienal de Arte de São Paulo no Parque Ibirapuera foram temas na agenda.

"O estado de São Paulo é o maior motor da economia brasileira e também o maior espaço de língua portuguesa, daí é com grande gosto que avançamos com o projeto da escola portuguesa em São Paulo", disseram, quase em uníssono, o primeiro-ministro português e o governador paulista Geraldo Alckmin.

"Também é com grande gosto que colaboraremos com a recuperação do Museu de Língua Portugesa, essa peça extraordinária da nossa língua, uma língua que atravessa quatro continentes, através de apoio técnico e de ajuda financeira, eu tive a felicidade de o conhecer antes do incêndio e ver o extraordinário trabalho de transformar a língua em arte".

Costa ainda esteve na inauguração da Bienal de Arte, que conta com a presença de obras de artistas portugueses. "É um dos grandes eventos culturais do mundo, uma das três exposições a inaugurar com artistas portugueses contemporâneos, além da do Museu Afro-Brasileiro e da do Consulado Português com muita presença das artes plásticas portuguesas".

No meio da comitiva que percorreu os salões da Bienal, alguém disse, admirado com uma instalação surpreendente, "o que é aquela geringonça?". Costa não ouviu.

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