Costa e Passos disputam título de almeida da República
Primeiro-ministro reclama para o Governo mérito de saída do lixo, presidente do PSD defende que notícia teria chegado mais cedo se ainda fosse governante. BE e PCP desvalorizam
Depois de Portugal ter saído do lixo, na avaliação da agência de rating Standard and Poor"s (S&P), António Costa e Passos Coelho envolveram-se numa troca de palavras, com os jornalistas como intermediários, sobre quem mais fez por essa saída, o almeida da República que melhor varreu o lixo.
Para o primeiro-ministro, depois de "virada a página da austeridade", foi agora "virada a página do lixo": "Tivemos melhores resultados com menos sacrifícios para os portugueses e portuguesas", defendeu Costa, ontem, em Bragança. O mérito é, pois, do seu Governo socialista. "A direita bem pode dizer que teria feito o mesmo. Há uma coisa que nós sabemos: não fez e nós fizemos", insistiu, recordando que os resultados foram conseguidos "não aumentando impostos e não cortando salários e pensões".
O presidente do PSD não gostou do que ouviu. Já na véspera, logo após se saber da notícia, Passos Coelho regressou a 2015 quando o seu executivo foi apeado no Parlamento. "Se não tivéssemos tido uma alteração de governo, muito provavelmente essa melhoria [de rating] teria ocorrido mais rapidamente", afirmou em Mafra. Ontem, o líder social-democrata insistiu - perante as afirmações do primeiro-ministro socialista - que "quando as pessoas que estão no Governo querem vender factos que não existem e retóricas que não têm adesão à realidade, mostram que não estão à altura dos acontecimentos".
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O politólogo António Costa Pinto apontou ao DN "a ironia que comporta ser um governo do PS, apoiado pelo PCP e BE no Parlamento" a obter esta saída. Para este professor universitário, a reação do líder laranja "demonstrou duas coisas": "A alteração do discurso de Passos Coelho à medida que foi verificando que seria muito difícil manter esse discurso muito pessimista"; mas também a "capitalização positiva" que o social-democrata procura fazer, afirmando mesmo que consigo teria sido melhor, as pessoas "lembram-se que esse melhor era a continuação de uma austeridade bem mais forte". E, notou Costa Pinto, "foi a ameaça dessa continuação de austeridade que levou a esta aliança parlamentar inédita dos partidos de esquerda".
Para o politólogo, "o PS enquanto governo é o único que pode capitalizar esta dimensão", mas também "sofrerá" consequências: por um lado, haverá "maiores reivindicações à esquerda de despesa pública", por outro, será necessário "manter os equilíbrios com Bruxelas, que exigem grande prudência e ponderação", avisou.
E o que já disse a esquerda que apoia o PS? Para a coordenadora do BE, Catarina Martins, notou que "as agências de rating são um instrumento especulativo" e, por isso, o Orçamento do Estado (OE) para 2018 não será negociado "tendo em conta o que dizem" essas agências, "mas sim tendo em conta prosseguir um trabalho equilibrado de recuperação de rendimentos de salários, pensões, proteção dos serviços públicos, combate à precariedade porque é só isso que poderá dar crescimento económico".
Segundo o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, "a boa notícia que poderia haver era Portugal assumir a sua soberania no plano económico e monetário. Isso sim, seria uma boa notícia porque é esse caminho que determinará, independentemente desses avisos, a reposição de rendimentos e direitos do povo português", apontou. E deixou uma questão, citado pela Lusa: "Qual a natureza e quem determina as decisões dessas agências, que acabam por pressionar cada país?".
Os impactos do rating
Luís Nazaré, economista e professor no ISEG, admitiu ao DN/Dinheiro Vivo que "Portugal beneficiará alguma coisa com esta subida de rating", por haver "a questão reputacional nos mercados", mas foi pouco meigo na avaliação das agências de rating. "Sempre foram e continuam a ser entidades manhosas, de competência e seriedade duvidosas. Sobretudo as três principais: Fitch, S&P e Moody"s". E completou: "Os agentes do mercado, como os bancos de investimento, antes de decidirem os seus investimentos, olham para os ratings destas agências. É assim que o sistema funciona. O sistema está mau. Mas é assim que funciona."
Albino Oliveira, gestor da Patris, notou que "os principais impactos" com esta subida do rating serão "via folga orçamental e menores custos de financiamento", embora tenha apontado que esta notícia "será mais importante se houver uma segunda grande agência a subir o rating também". A Fitch avalia Portugal a 15 de dezembro, a Moody"s só no próximo ano.
Recordando que "até agora só tínhamos o rating [positivo] da DBRS", o diretor de investimentos do Banco Carregosa, João Pereira Leite, defendeu ao DN/Dinheiro Vivo que "haver mais uma agência é positivo e é uma boa notícia". "No dia-a-dia penso que é pouco provável que consigamos sentir impacto desta subida de rating. Nos mercados, é natural que os juros da dívida soberana portuguesa desçam. Para as empresas portuguesas é positivo, sobretudo para os bancos. As empresas podem agora aspirar a ver os seus ratings subir e poderem fazer emissões de dívida mais baratas", apontou.
Segundo Carlos Almeida, diretor de investimentos do Banco Best, "esta subida do rating acontece numa altura muito importante porque, até ao final do ano, o BCE deve anunciar o início da retirada do programa de compra de ativos, com uma redução do volume de compras" (o que levaria as taxas de juro de Portugal a subir nos mercados). "E também porque acontece antes de ser aprovado o OE para 2018 e permite ao Governo fazer algumas apostas e criar componentes de desenvolvimento e de captação de investimento, que fica agora muito mais favorecido", acrescentou.
Luís Tavares Bravo, economista da DIF Broker, sublinhou que "o impacto está essencialmente associado à estabilização do financiamento da economia portuguesa, seja privado, seja no acesso a financiamento do estado e dívida pública".