Secretas. Tribunal pede a António Costa que levante segredo de Estado
O tribunal que está a julgar o chamado processo das secretas - que envolve suspeitas de corrupção, violação do segredo de Estado, abuso de poder e acesso a dados pessoais - vai pedir ao primeiro-ministro, António Costa, o levantamento do Segredo de Estado sobre várias matérias que dizem respeito aos serviços de informações. Esta é a primeira vez que um tribunal pede neste processo tal desclassificação. Entre os documentos pedidos pelas juízas Rosa Brandão, Maria Emília Costa e Mariana Machado estão a identificação de uma fonte das secretas, registos de uma operação e o Manual de Procedimentos.
De acordo com a carta que será enviada ao primeiro-ministro, a que o DN teve acesso, o coletivo que está a julgar Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas e Defesa (SIED), João Luís, ex-diretor operacional do SIED, Nuno Vasconcellos, presidente da Ongoing, Nuno Dias, agentes do SIE e Gisela Teixeira, ex-funcionária da Optimus, admite, em jeito de aviso, que os elementos pedidos "podem, com efeito, revestir-se de relevância fundamental para o exercício do direito de defesa dos arguidos", sobretudo de Silva Carvalho e de João Luís. Ou seja, caso tais dados não sejam remetidos ao tribunal, as juízas poderão arquivar o processo, argumentando que os acusados não dispuseram, tal como manda a Constituição, de meios mais do que suficientes para se defenderem.
As magistradas começam por pedir o envio ao tribunal do "Manual de Procedimentos", um documento já revelado pelo DN, e que, no fundo, é uma espécie de sebenta para os aprendizes da espionagem. Caso António Costa - que, por lei, na qualidade de primeiro-ministro, é quem compete levantar ou não o Segredo de Estado - entenda que a remessa do documento completo pode "contender gravemente com os interesses protegidos pelo segredo de Estado", as juízas pedem o envio do "Índice" e os conteúdos referentes a "monitorização das comunicações, glossário e conteúdos relacionados com recrutamento e gestão de fontes humanas nas operadoras de telecomunicações".
Recorde-se que, durante o julgamento, foi dito que o recurso a faturações detalhadas de telemóveis era uma prática quase instalada nos serviços, apesar de proibida por lei. E que o acesso à faturação do jornalista Nuno Simas, uma das situações em julgamento, não foi caso único.
O tribunal quer ainda os módulos de formação e se nesta existem conteúdos relativos também à "monitorização das comunicações" e "gestão e recrutamento de fontes humanas". Na lista de elementos, pede-se ainda as cartas de demissão de Jorge Silva Carvalho, de novembro de 2010, dirigidas ao então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e ao secretário-geral dos Serviços de Informação, Júlio Pereira.
As juízas pretendem ainda saber a identificação da "fonte Panda", algo que tem sido muito mencionado no julgamento, assim como querem saber "quem a geria" e "eventuais relatórios produzidos em 2010" com origem nesta fonte, que se supõe ser o próprio Jorge silva Carvalho. Por fim, seguiu também um pedido sobre uma operação em concreto das secretas, a qual não está identificada.
Neste processo, Jorge Silva Carvalho e um funcionário do SIED, João Luís, foram pronunciados por acesso ilegítimo agravado, em concurso com crimes de acesso indevido a dados pessoais e abuso de poder. O ex-diretor do SIED foi ainda pronunciado por um crime de violação de segredo de Estado e por um de corrupção passiva, para ato ilícito.
Nuno Vasconcelos está pronunciado por um crime de corrupção ativa para ato ilícito. O funcionário do Sistema de Informações e Segurança (SIS), Nuno Dias, está acusado por um crime de acesso ilegítimo agravado e a sua companheira, Gisela Fernandes Teixeira (ex-funcionária da Optimus), por um crime de acesso indevido a dados pessoais e um crime de violação do segredo profissional.