Como pode a maioria de esquerda matar o segundo inquérito à CGD
PS, BE e PCP têm várias maneiras de travar a segunda comissão. Podem até invocar jurisprudência de um fundador do PSD
A esquerda tem várias maneiras de matar a segunda comissão de inquérito à CGD - e, segundo o DN confirmou junto de fontes parlamentares, todas estão em cima da mesa. Mas para já é preciso perceber com rigor o objeto que o PSD e o CDS vão definir. Ontem, os dois partidos diziam estar ainda a ultimar o texto da resolução que apresentarão, só estando prevista a sua divulgação para amanhã.
Se os dois partidos se centrarem no problema da alegada mentira do ministro das Finanças ao Parlamento quando disse que não se tinha comprometido perante António Domingues a isentá-lo de apresentar declarações de património e rendimento no Tribunal Constitucional (TC), então serão centrais as comunicações dos dois. Foi depois de a esquerda ter chumbado o acesso da atual comissão de inquérito às mensagens de telemóvel (sms) trocadas entre Centeno e Domingues que PSD e CDS anunciaram a intenção de criar uma segunda comissão.
Sendo a iniciativa potestativa (ou seja, de agendamento forçado, quer a maioria de esquerda queira quer não queira), o primeiro crivo será o do presidente da Assembleia da República. Compete-lhe verificar se há algo no requerimento constitutivo da comissão que "infrinja a Constituição ou os princípios nela consignados".
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Ora, nesta matéria, PSD e CDS têm um problema complicado. Chama-se artigo 34.º da Constituição da República ("Inviolabilidade do domicílio e da correspondência"). O n.º 4 é taxativo: "É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal."
As chamadas mensagens de texto (sms) têm um regime semelhante às escutas, uma vez que se trata de uma forma de comunicação (podem ser intercetadas por ordem de um juiz) e de correspondência (quando chegam ao destinatário). Os sms entre António Domingues e Mário Centeno serão, assim, equiparados a uma troca de correspondência, esta também protegida constitucionalmente e apenas admitida em processo penal. Ferro Rodrigues tem até um precedente que pode usar.
Em 2010, durante a comissão parlamentar de inquérito ao negócio PT/TVI, o PSD pediu as escutas do processo Face Oculta, que revelavam os bastidores do negócio, e estas chegaram ao Parlamento, através do MP. Porém, o presidente da comissão, o social--democrata Mota Amaral, não as admitiu, entrando em rota de colisão com o seu próprio partido. Argumento de Mota Amaral: "O uso das escutas levanta um problema especial, o respeito pela Constituição. Nessa matéria temos aí uma barreira intransponível. As escutas só são legitimamente utilizáveis em processo criminal, o que não é o caso."
Se a nova comissão chegar mesmo a ser admitida, a maioria de esquerda poderá usar outra "bomba atómica": deixá-la sem quórum e, portanto, incapaz de reunir. A lei diz que uma comissão só "inicia os seus trabalhos" estando preenchida uma de duas condições: "Estar indicada mais de metade dos membros da comissão, representando no mínimo dois grupos parlamentares, um dos quais deve ser obrigatoriamente de partido sem representação no governo" ou "não estar indicada a maioria do número de deputados da comissão, desde que apenas falte a indicação dos deputados pertencentes a um grupo parlamentar". Em ambas as condições, a maioria PS+BE+PCP tem a faca e o queijo na mão
Hoje, no Parlamento, reúnem-se os coordenadores dos vários grupos parlamentares representados na primeira comissão de inquérito à CGD. O PSD tem de indicar o deputado que substituirá José Matos Correia na presidência. O CDS podia fazê-lo porque também é proponente mas recusa, considerando que tem de ser alguém do PSD a substituir um demissionário do PSD.