Cavaco promulga leis de adoção gay e aborto no último dia e em silêncio

Prazo terminou na quinta-feira e foi nesse dia que PR promulgou leis que tinha vetado. Custou mas foi, dizem associações

"A promulgação foi realizada na quinta-feira, dia 18, dentro dos prazos constitucionais, como sempre acontece." Foi só ontem ao fim do dia que o DN conseguiu confirmar, junto da assessoria de imprensa do Palácio de Belém, a data da ação a que o Presidente estava constitucionalmente obrigado no prazo de oito dias a partir da reconfirmação dos diplomas pelo Parlamento (ocorrida a 10 de fevereiro). O prazo esgotado e o silêncio de Belém - apesar de várias tentativas do DN de obter a informação - levaram a que se admitisse como possível a hipótese de um "veto de gaveta" e o lançar da "batata quente" para Marcelo Rebelo de Sousa.

Mas não: o PR tinha esperado pelo último dia para promulgar os dois diplomas que permitem a adoção por casais do mesmo sexo e repõem as condições originais da lei do aborto, os quais vetara a 23 de janeiro (sábado, véspera das presidenciais), tendo--os enviado na quinta-feira para o gabinete do primeiro-ministro, onde estão a aguardar que este, ausente do país, as assine (o que deve suceder na segunda-feira).

"Finalmente", congratula-se a presidente da associação ILGA--Portugal, Isabel Fiadeiro Advirta. "Cavaco protelou o mais que foi possível, adiou o inadiável, fez as famílias, as crianças, esperar, mas era inevitável promulgar. Já está. As famílias de casais do mesmo sexo que já têm crianças à espera de coadoção poderão fazê-lo; e vai ser possível adotarem. São boas notícias."

Rita Ferro Rodrigues, do coletivo feminista Capazes, junta-se à ILGA na alegria: "Hoje é dia para nos congratularmos e festejarmos esta promulgação que elimina alterações inadmissíveis à lei do aborto e repõe aquilo que era uma lei justa e eficaz, com provas dadas, assim como o acesso por todos os casais à adoção, sem discriminações com base na orientação sexual e tendo apenas em conta o superior interesse da criança."

Outra associação feminista, a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, frisa o arrastar de pés de Belém: "Promulgou no último dia para marcar posição, para mostrar que promulgava contrariado. O assunto já estava tratado, não precisava de chegar ao último dia", diz Manuela Tavares. "Mas temos de nos regozijar com o facto de esta nova correlação de forças na Assembleia da República ter obrigado o Presidente a assinar o que não queria assinar, tendo levado até às últimas consequências os seus poderes para evitar algo fundamental para as mulheres e que resultava do referendo que existiu em Portugal."

José Carlos Vieira, assessor de imprensa de Cavaco, justificou o silêncio e a não resposta às perguntas do DN sobre a promulgação por não ser "procedimento da Presidência fazer divulgação de promulgações simples [ou seja, sem nota agregada]. É nosso entendimento que cabe às outras instituições divulgar". E chegou mesmo a acrescentar: "Se foram outras instituições que deram notícia da promulgação, eles que digam a data em que ocorreu." Mas acabou por, ao início da noite, confirmar que a assinatura do PR ocorrera no último dia do prazo.

A última das leis do "pacote feminista e LGBT", a da procriação medicamente assistida (PMA), que deveria ter sido votada na mesma altura em que foram aprovados os diplomas agora promulgados, volta para a semana a debate no Parlamento. Como lembra Isabel Fiadeiro Advirta, "o prazo de 90 dias para audições sobre os projetos sobre PMA termina a 24 de fevereiro. É o que falta remover de desigualdade na lei. E cremos que será desta que teremos uma aprovação de um projeto que não discrimina as mulheres sós nem os casais de lésbicas". Rita Ferro Rodrigues faz coro: "Estamos com esperança de que de seguida uma situação gritante de desigualdade que subsiste, que é da discriminação das mulheres que não estão em casal com um homem na PMA, seja resolvida."

Se a Assembleia aprovar uma nova lei da PMA na próxima semana, esta ainda irá cair na secretária de Cavaco. Mas, useiro e vezeiro em levar os prazos ao limite, com 20 dias para promulgar ou vetar, a saída de Belém a 9 de março deverá chutar a tarefa para Marcelo, o próximo inquilino. F.C.

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