Bacelar Gouveia: "Acesso só para crimes mais graves"
O ex-presidente do Conselho de Fiscalização das secretas e constitucionalista duvida que o Tribunal Constitucional (TC) altere o seu sentido de voto
Que novas garantias têm que ser dadas para o TC aceitar que os serviços de informações tenham acesso aos metadados?
Da primeira vez, o TC decidiu por 12 votos contra 1, sendo altamente improvável que mude a sua orientação. É certo que agora há uma nova composição, e nem sequer há qualquer vinculação a uma regra de precedente, mas o que já se decidiu tem sempre um enorme peso. Julgo que a questão - para ser retomada com êxito, o que sinceramente duvido - deve assentar no argumento de que os "metadados" não se submetem ao mesmo regime dos dados, estes inequivocamente protegidos por um sigilo pleno das comunicações, além de se ferir a maior ameaça à segurança nacional, considerando ainda a experiência de outros países europeus - tão ou até mais democráticos que Portugal - em que isso se tornou viável com o mesmo Estado de Direito.
Até que ponto os serviços de informações podem continuar a recolher estes dados sem ser aberto um inquérito criminal pelas autoridades competentes?
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Este é um ponto central, que porventura mereceria ser discutido, jurídica e politicamente: juridicamente, através de uma revisão constitucional, possibilitando tal acesso em reconhecimento de uma nova necessidade de segurança nacional, uma vez que o texto constitucional o tem inviabilizado, pelo menos na opinião esmagadora dos juízes constitucionais; politicamente, através da discussão sem complexos nem preconceitos da inevitabilidade dos serviços de informações como estrutura da segurança nacional e que, conjugadamente com os militares e os polícias, têm um contributo a dar e muito relevante, como se tem percebido de muitos atentados que não se consumaram graças à sua antecipada e discreta atuação.
O acesso a estes metadados deve ser limitado a certos crimes?
Claro que se o caminho for esse, têm de ser apenas os crimes mais graves - nunca bagatelas criminais - que ponham em causa a segurança nacional e com base numa tipologia prévia e taxativa: terrorismo, traição à Pátria, espionagem e poucos mais crimes dentro do conceito dos crimes contra o Estado.
Sendo o nível de ameaça em Portugal reduzido, justifica-se?
Não é depois de casa arrombada, que se põem as trancas à porta. Felizmente que Portugal é um dos países mais seguros do mundo, o 5º num recente ranking. Mas o problema é o futuro e, no futuro, Portugal pode deixar de o ser e todos nos lembramos que a Península Ibérica - a que pertence Portugal - foi um espaço importante da expansão muçulmana, assim podendo ser alvo de grupos radicais islâmicos. Do que se trata é de prevenir e de tomar as medidas que são indispensáveis - como outros países já fizeram - para garantir que Portugal continue a ser um dos países mais seguros do Mundo, e que não o deixe ser, com todas as dramáticas consequências que adviriam de um ataque terrorista, não só microscopicamente para as vidas humanas afetadas como macroscopicamente pelo impacto negativo que isso teria na economia e na sociedade.