A realidade nas prisões portuguesas é chocante

Em entrevista DN/TSF, a Provedora da Justiça, Mara Lúcia Amaral, fala sobre a realidade das prisões e o seu papel na reposição da justiça
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Tem visitado regularmente as prisões, de onde vem, aliás, um elevado número de queixas, e tem feito relatórios sobre o que ali encontra. É uma realidade chocante?

É. Para mim, subjetivamente, foi chocante. Mas é uma realidade com muitos problemas e complexos. Nós temos de ver os dois lados e a ação do provedor tem de ser equilibrada. O provedor não é um inimigo do Estado, não é um inimigo da administração, é o auxiliar de um Estado mais justo e de uma melhor administração. Ora, nós temos de ver as questões prisionais da seguinte maneira: há problemas, e daí que a realidade seja chocante, e temos de ter meios para os resolver. Num domínio em que o que está em causa é o equilíbrio entre os direitos das pessoas que estão presas, que não deixam de ser pessoas por estarem presas, e os objetivos de toda a comunidade em que a segurança de todos e cada um dos seus membros não deixe de ser garantida por parte do Estado. Há que encontrar o ponto de equilíbrio entre estas duas dimensões - porque se uma é prejudicada com a excessiva predominância da outra, o equilíbrio rompe-se e, aí, a justiça errou.

No Dia Mundial da Criança pediu mais atenção aos direitos dos filhos dos reclusos. Convenceu dessa urgência a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, a ministra da Justiça?

Convenceu-me dessa urgência o facto de ter ido visitar um estabelecimento prisional.

Mas não recebeu qualquer tipo de resposta?

Não, não, não.

O que acha que podia mudar já, por exemplo nesse caso concreto?

Não lhe posso dizer. Eu não sei.

Então o que é que está mal?

O que está mal é não haver suficiente atenção a esse lado das coisas. Haver tantas crianças, tantos filhos de reclusos, haver tantos reclusos com filhos. Como resolver a situação perante todas as constrições existentes, eu não sei. Sei que o que me chamou a atenção para esse ponto foi o facto de ter visitado uma prisão.

Mais um caso concreto para percebermos o papel da provedora: no início deste ano, defendia a proibição de concessionárias e seus trabalhadores receberem o produto das multas de estacionamento, e que esse princípio devia passar a ser aplicado às empresas municipais, nomeadamente à EMEL. O provedor-adjunto, a dada altura da exposição, admitia inclusive estar em causa a proteção do cidadão contra situações abusivas. Essa exposição foi entregue ao secretário de Estado das Infraestruturas que a enviou ao secretário de Estado adjunto e do Ambiente, que a enviou à Associação Nacional de Municípios. Alguém respondeu à provedora?

Essa questão foi colocada antes do início do meu mandato, foi um processo a que não prestei grande atenção, se alguém respondeu ou não, não sei. Agora, se me faz a pergunta para melhor compreender o papel, dir-lhe-ei que esse problema levantado no contexto do papel da provedora tem sentido. E essa é uma dimensão muito séria, se estivesse todos os dias na Rua do Pau da Bandeira a ouvir problemas concretos veria que é. Como eu disse, o provedor intervém perante poderes públicos, mas também em relações privadas, perante entidades privadas desde que sejam entidades que dispensam serviços públicos fundamentais. Como pode imaginar há cada vez mais entidades privadas concessionárias de prestação de serviços públicos fundamentais. Nesta revolução tecnológica que estamos a viver, recebemos muitas queixas de pessoas afetadas por isso. Portanto, também aí o papel do provedor é muito importante ainda na proteção dos mais vulneráveis.

Nasceu em Angola, passou lá parte da sua infância, como é que vê a evolução do país desde que João Lourenço assumiu os comandos?

O facto de ter nascido em Angola foi para mim uma grande riqueza, uma imensa riqueza. Como alguém disse, ter sido criança em África é um privilégio que se guarda para a vida toda, mas eu vejo como qualquer cidadão vai vendo, com muita expectativa, curiosidade, interesse. É um país extraordinário, com uma potencialidade única, que poderia ser autossuficiente; é um pouco como o Brasil, eu costumo dizer aos brasileiros que a única coisa que eles precisariam de importar seria neve, e mesmo assim não, porque no Rio Grande do Sul também neva. Podem alimentar-se todos com os recursos que aquela terra fabulosa dá. Angola também, é um país muito amável sob todos os pontos de vista, portanto vejo esta evolução como qualquer cidadão português vê, com muita curiosidade e muita expectativa.

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