Contagem do tempo congelado terá ritmo de acordo com os meios orçamentais existentes

O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, defende que a questão da contagem do tempo em que as carreiras dos professores estiveram congeladas é uma questão nova e complexa.
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Afirma, em entrevista ao DN e à TSF, que o ritmo em esse tempo será contabilizado terá de ter em conta as disponibilidades orçamentais. Por isso, a negociação será muito longa. E deixa um aviso: "temos de criar as condições para que no dia 31 de dezembro de 2018, de 2019, de 2020 ou a 31 de dezembro de 2025 não tenhamos de proceder, como país, novamente a um congelamento das carreiras".

O seu estado de saúde foi notícia num momento em que estavam difíceis as negociações com os sindicatos dos professores; síndrome vestibular agudo é o nome da doença que os portugueses agora conhecem, embora muitos não saibam o que é, necessitando de cuidados especiais. Já está tudo bem consigo?

Está muito melhor do que esteve naqueles dias, naturalmente, foram dias difíceis em termos clínicos. Claramente, aos médicos não se diz que não e depois de ter tido um episódio de síndrome vertiginosa ou síndrome vestibular aguda, porque foi mais forte do que uma simples síndrome vertiginosa, segui os conselhos deles, que me disseram que era preciso parar e estar pelo menos durante três, quatro dias a tentar entender o que estava a acontecer para depois poder voltar à atividade, o que aconteceu na semana seguinte.

Ainda bem que está tudo bem consigo, vamos às perguntas difíceis sobre a gestão do seu Ministério. As negociações com os sindicatos vão ser retomadas no dia 15 de dezembro; parte para essas negociações com tudo em aberto ou é de facto impossível, como disse o primeiro-ministro, dar tudo a todos ao mesmo tempo?

Não, as negociações com os sindicatos acontecem muitas vezes no Ministério da Educação e essa é uma grande diferença em relação ao que. Durante quatro anos a tutela esteve basicamente de costas voltadas para as organizações sindicais, para muitas das associações que representavam os professores, não só as organizações sindicais, mas também as organizações de professores, falou pouco com os profissionais do Ministério da Educação, falou pouco com alunos e com todo o mundo da Educação, o que voltou a acontecer naturalmente quando nós voltámos ao Ministério da Educação, quando eu e a minha equipa entrámos.

Disse que eu vim de Cambridge para ir para a 5 de Outubro, mas o caminho foi mais longo: eu tive oportunidade de voltar ao meu Alto Minho, de fazer campanha pelo Partido Socialista, ser eleito deputado, ter um mês com muitas vicissitudes, empolgante, diria, no Parlamento.

O mês de transição em que esteve como deputado.

Estive como deputado e com muitas coisas novas...

Mas sabia, nessa altura, que se houvesse um Governo do Partido Socialista poderia ir ao Governo?

Essas são decisões do senhor primeiro-ministro, foi uma decisão do primeiro-ministro com a qual me senti muito honrado, mas foi uma boa altura no Parlamento porque se desenharam novas configurações no que é o Parlamento e que ainda hoje subsistem - podemos falar disso daqui a pouco -, mas foi um mês, como eu disse, absolutamente empolgante, em que existiu um Governo mais pequeno, o XX Governo Constitucional e em que uma nova solução governativa, umas novas pontes parlamentares permitiram o XXI Governo Constitucional que eu integrei.

E está tudo em aberto?

A partir do momento em que nós entrámos no Ministério da Educação, em que eu e a minha equipa entrámos, a normalidade e a tranquilidade também voltaram, por um lado, às nossas escolas e, por outro lado, à nossa relação com as organizações que defendem, que reivindicam e que constroem caminho com o Ministério da Educação defendendo profissionais absolutamente fundamentais nesta dialética que existe no Ministério com os atores da Educação, neste caso, os docentes.

Nós sabemos bem que a anterior tutela teve um discurso reiterado quase de condenação, em que os alunos eram muito preguiçosos e os docentes pareciam quase estruturalmente incompetentes. Nós não pensamos isso e acreditamos que eles, docentes, alunos, famílias, comunidades educativas alargadas com um papel importante das autarquias, são fatores principais do processo educativo; com duas medidas absolutamente fundamentais ao longo destes dois anos em que já governámos: por um lado, poder ter a promoção do sucesso escolar como pilar importante e, por outro lado, dar sentido a estes 12 anos em que todos, como sociedade, obrigamos os nossos estudantes a estar na escola. Quando digo obrigamos, não ponho um peso negativo nesta obrigação, digo obrigamos porque é uma escolaridade obrigatória.

E, aí, recomeçámos, até periodicamente - o que fez confusão a muitos setores da sociedade portuguesa -, um diálogo com as estruturas sindicais. Temo-lo feito, e também o fizemos e estamos a fazer inclusivamente estas semanas em que vários pacotes estão em cima da mesa para discutir várias questões que são absolutamente fundamentais para podermos restituir alguma da normalidade que estava perdida nas nossas escolas e também para que alguns dos processos onde os docentes são absolutamente fundamentais possam ver esse diálogo com o Ministério da Educação.

Agora, o que é que aconteceu verdadeiramente? Tivemos o Orçamento do Estado e tivemos um importante conjunto de medidas também na Educação relativas ao Orçamento do Estado. Obviamente que os docentes, assim como outros profissionais do Ministério da Educação, viram uma das mais importantes medidas do Orçamento do Estado consagrada no Orçamento de 2018: o descongelamento das carreiras. Algo que foi discutido, algo que era um direito destes trabalhadores, porque, infelizmente, entre 2011 e 2017 viram as suas carreiras congeladas.

A questão é saber se o tempo que ficou congelado vai ou não contar para efeito de carreira.

A questão é saber que no dia 1 de janeiro de 2018 todos os professores, todos os docentes que são aproximadamente 100 000, vão ver o cronómetro, como disse o senhor primeiro-ministro, a voltar a contar. No dia 2 de janeiro de 2018 todos os docentes terão mais um dia contabilizado nas suas carreiras.

Isso, eles sabem, mas pediram mais, senhor ministro.

Relativamente a essa questão, nós soubemos também ouvir os professores, soubemos trabalhar também parlamentarmente e soubemos entender que tínhamos, porque era importante fazê-lo, de construir pontes e reunir com eles. Nessa reunião ficámos - e eu disse-o numa visita a uma escola no fim de semana -, com um compromisso assinado pela minha secretária de estado, pela secretária de estado da administração e do emprego público, uma vez que também tem tutela direta nestas questões, e por 11 organizações sindicais diferentes. O que está nesse compromisso, como é sabido de todos, são balizas, balizas importantes. Todos sabemos que esta é uma questão complexa, se não teria sido imediatamente resolvida, sabemos que não é possível resolvê-la imediatamente, sabemos que existem balizas, que existem compromissos e existem compromissos também que vão muito além de 2018, financeiros, orçamentais, questões importantes e restrições também elas relevantes. Neste contexto temos no dia 15 de dezembro uma importante reunião e eu não posso, porque não quero também, antecipar aqui o que vai ser o caminho, o qual se vai fazer na concertação.

Mas considera possível devolver aos professores, em vencimento, a totalidade dos anos de serviço que estão em causa, ou seja, os anos de serviço em que eles tiveram as carreiras congeladas, acha que isso é efetivamente possível ou não?

A questão do descongelamento foi possível e esta é uma nova questão que foi levantada. É efetivamente uma outra questão, esta reconstituição destes sete anos em que as carreiras estiveram interrompidas.

Os sindicatos falam em nove, porque contam também os meses, dias, eles até gostam de dizer o número de dias, nove anos, quatro meses e dois dias, qualquer coisa como isto.

Independentemente disso, e eu queria-me balizar nestes sete anos porque é especificamente aquilo que nós estamos neste momento a conversar, queria dizer algo importante: essa outra questão terá o seu tiro de partida, digamos assim, no dia 15 de dezembro nessa reunião. Será certamente um processo longo, um processo onde estarão envolvidos o Ministério da Educação, o Ministério das Finanças, todo o Governo, também as organizações sindicais, e o que nós sabemos é que existem constrangimentos por um lado, mas sabemos que há pretensões de várias ordens e são elas também várias por parte das organizações sindicais.

Sabemos também que existem várias questões que estão em cima da mesa, todas essas questões o estarão porque são balizas importantes que foram inscritas no compromisso. Agora, o que nós sabemos é que esta é uma questão nova, que surgiu agora, que não estava no programa do Governo e, por outro lado, que tem questões associadas em termos financeiros e orçamentais. A responsabilidade, a gestão séria das finanças públicas é algo que nos chama a todos, a todos os portugueses, inclusivamente aos professores sendo cidadãos, porque o que nós sabemos é que temos de criar as condições para podermos descongelar efetivamente no dia 1 de janeiro e não corrermos nenhum risco de que no dia 31 de dezembro de 2018, de 2019, de 2020 ou a 31 de dezembro de 2025 tenhamos de proceder, como país, novamente a um congelamento das carreiras. Ninguém entenderia se isso fosse acontecer. Dito isto, não estou a dizer o que vai acontecer nas negociações do dia 15 de dezembro, o que estou a dizer é que há um compromisso assinado, essas são as premissas do caminho a fazer e essas premissas darão origem a um caminho que se iniciará no dia 15 de dezembro e cujo destino final será, a priori, necessariamente diferente. Trabalharemos para que a concertação exista e para que possamos fazer caminho entre os professores, as organizações sindicais dos professores e o Governo.

Percebo que não queira assumir desde já a posição que o Governo vai levar para as reuniões no dia 15 de dezembro mas, do ponto de vista do princípio, acha justo devolver a totalidade dos anos de carreira que estiveram congelados aos professores ou não?

Relativamente a isso queria dizer que o que acho justo e o que tem de acontecer, conciliando o ritmo e os meios existentes, é que este Governo está obrigado, porque assim foi aprovado e ratificado na Assembleia da República, a cumprir o seu programa de governo.

Como o senhor já disse, isso não está no programa do Governo.

Por isso temos de fazer caminho relativamente às condições - eu disse aqui claramente - conciliando o ritmo e os meios existentes cumprindo o programa do Governo. Nestes dois anos já muito fizemos em relação ao que estava inscrito no programa do Governo, mas também já muito fizemos relativamente a outras questões que não estavam inscritas no programa do Governo. Dito isto, volto a dizer: temos de conciliar ritmos, temos de conciliar, acima de tudo, a carta magna que temos e que é o nosso documento de trabalho, que é o programa do Governo que estamos obrigados a cumprir e, por outro lado, os meios existentes. Isso obriga-nos também a pensar sobre o que é uma legislatura. Uma legislatura passa relativamente depressa.

Nós, no Ministério da Educação, começámos a trabalhar logo no primeiro dia, sendo inclusivamente muitas vezes acusados - a palavra é mesmo esta -, com o dedo apontado de fazermos um conjunto de reversões e aparece um grande movimento quando nós voltámos ao paradigma do que era a Educação durante décadas em Portugal. Foi isso que nós fizemos e que aparentemente soou a reversões. A direita, reiteradamente, foi apelidando isso de reversões, e para quem praticamente extinguiu a educação de adultos retomar parece necessariamente uma reversão. Se alguém estigmatizou durante anos o ensino profissional, quando nós os valorizamos parece-lhe necessariamente uma reversão. Se alguém segregou os que tinham mais dificuldades, como tínhamos no ensino vocacional, quando alguém resgata esses mesmos alunos, isso obviamente parece uma reversão.

Existe um programa para a educação de adultos, mas não se vê onde está o dinheiro para fazer um programa com a ambição que tem o Governo do Partido Socialista nessa matéria. Mas para fechar este ponto sobre a negociação com os sindicatos sobre as carreiras dos professores, o que o senhor ministro nos está a dizer é que a porta vai ser aberta agora para contar este tempo que ficou congelado na carreira dos professores, mas necessariamente não tem de ficar fechada até ao final da legislatura, ou seja, alguma parte da recuperação desse tempo pode passar para a legislatura seguinte?

Não, o que eu disse foram coisas muito claras. Disse que existiu um conjunto de reuniões entre o Governo e os representantes dos professores, aí foi assinado um compromisso e, nesse compromisso estão premissas importantes para a negociação que começará no dia 15 de dezembro. Esta é uma nova questão que em nada está relacionada diretamente, ainda que esteja associada, com a questão do descongelamento. Nós vamos para esta negociação e para estas reuniões de boa-fé. Sabemos que será um período longo de negociação, mas sabemos que nós, como as organizações sindicais, porque acreditamos que sim, entraremos nessas reuniões de boa-fé. Agora, temos de conciliar em todas as decisões e todo o caminho que fizermos, naquele conjunto de questões que estão inscritas no nosso compromisso, duas coisas: por um lado o ritmo e, por outro lado, os meios existentes no país em termos orçamentais e financeiros, não pondo em risco algo que todos, inclusivamente os professores, conseguimos, que é descongelar carreiras, retomar uma política diferente relativamente àquilo que tínhamos há quatro anos, podendo restituir um conjunto de benefícios e rendimentos aos portugueses, e, com isto queria dizer que essas são obviamente as balizas.

Agora, existe aqui outra questão, nós continuaremos a articular, a tentar concertar, porque essa concertação temo-la vindo a fazer com os professores que são absolutamente fundamentais para o trabalho que o Governo, mas também a sociedade portuguesa e o Ministério da Educação fazem todos os dias. Foi muito estranho o que aconteceu nesta cronologia de 15 dias, em determinado momento o Ministério da Educação não ouvia os professores e, por isso, a direita dizia que nós não ouvíamos os professores e, em determinado momento, nós ouvimos os professores e parece que cedemos tudo aos professores. Há aqui um pingue-pongue de não entendimento do que é que querem verdadeiramente.

Os sindicatos festejaram quando se fez esse memorando de acordo e deu a ideia de que eles tinham obtido o que queriam.

Sempre que há um compromisso ambas as partes festejam. A concertação é mesmo isso. Ninguém se viu obrigado a assinar aquele compromisso.

Desde o princípio que temos dito que nós valorizamos a condição de docente e para valorizar isso temos de valorizar os docentes. Eles são artífices essenciais para as políticas públicas de Educação, para que cada uma das nossas crianças, cada um dos nossos jovens, cada um dos filhos de cada uma das famílias portuguesas possa ter o tal percurso de sucesso escolar de que eu falava. O ministro da Educação, que tem tutela direta sobre o trabalho dos professores, sobre o trabalho das escolas, que não é o ministro dos professores, mas também é o ministro dos professores, nunca admitirá algum discurso público de demonização, diabolização relativamente aos professores como classe profissional. Não é correto fazê-lo porque há excelentes profissionais e são artífices sérios de tudo o que acontece de bom nas nossas escolas no dia-a-dia.

Quando falava há pouco em ritmo quer dizer que admite um acordo faseado no que ao recuperar das carreiras dos professores nos últimos nove anos diz respeito?

Poderia responder a essa pergunta se calhar subindo o volume da voz o que não vou fazer, mas não poderia ser mais claro. Já fui absolutamente claro, as negociações e a concertação começarão no dia 15 de dezembro com balizas claras e com compromissos previamente assinados. Estar a definir agora, aprioristicamente, o que vai acontecer naquelas reuniões seria desde já condicionar que aquelas reuniões possam chegar a um acordo.

Como o Governo tem dito, e já o disse nesta entrevista, o ritmo também estará dependente da capacidade financeira do próprio Estado para poder honrar os compromissos que vier a assumir.

E da boa-fé e da boa vontade das partes.

LEIA A SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA

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