"Preciso de si. Vá para Macau e veja se põe aquilo na ordem.” A frase dita por Mário Soares, então Presidente da República, em 1991, a Rocha Vieira tinha um significado: “Pôr ordem em Macau” era transpor política e diplomaticamente tudo o que tinha sido criado pelo caso do “fax de Macau”, que envolvia o anterior governador - as suspeitas de corrupção que o Supremo Tribunal de Justiça, em 2002, acabou por considerar insuficientes, ilibando Carlos Melancia .Este episódio e outros, como as supostas dificuldades criadas por Jorge Sampaio, na biografia Todos os Portos a Que Cheguei, escrita por Pedro Vieira, publicada em 2010, foi lido por alguns como sendo “ajustes de contas perfeitamente escusados”, como dele disse na altura Francisco Seixas da Costa, e criou noutros, como em Helena Sacadura Cabral, dúvidas de sentido: “porquê” e “para quê”. Rocha Vieira, que desempenhava as funções de ministro da República dos Açores desde 1986, recorda, nesse livro, o que respondeu a Mário Soares: “Não lhe perguntei nada, nem lhe pus condições”. Militar de carreira, tinha sido Chefe de Estado do Exército entre 1976 e 1978 e, por inerência, membro do Conselho da Revolução, Rocha Vieira resume tudo a uma frase curta: “Fui para Macau com o mesmo espírito com que fui para os Açores. Não era um cargo político inerente a uma carreira. Era, de facto, uma missão”.O processo de transferência de Macau para a China, decidido na Declaração Conjunta assinada entre Portugal e China em 1987, esteve para não ser concluído por Rocha Vieira, que após a eleição de Jorge Sampaio colocou o lugar à disposição do novo Presidente, mas ficou porque “a sua substituição iria afetar a regular sequência do processo”.Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota publicada ontem no site da Presidência, sublinhou “o simbolismo do momento da transferência da administração portuguesa para a chinesa” que “permanecerá na memória de muitos portugueses como um exemplo de sentido de Estado, sentido de serviço da causa pública e de marcado patriotismo”. “Um dos mais ilustres oficiais do Exército Português na transição para a Democracia e nas primeiras décadas da sua afirmação (…) muito próximo do Presidente António Ramalho Eanes” e “designado Chanceler das Antigas Ordens Militares pelo Presidente Aníbal Cavaco Silva”, escreveu Marcelo Rebelo de Sousa. Ramalho Eanes lamentou a morte de “um homem de exceção” que pela sua ação de excelência e pela sua responsabilidade social assumida” merece ser “justamente considerado um dos melhores dos nossos maiores”.“Foi um dos militares mais distintos da sua geração, prestando, ao Exército, serviços relevantes, em tempos difíceis, nomeadamente, no estertor do regime político anterior ao 25 de Abril, no decurso do 25 de Abril e, mesmo, no 25 de Novembro, tendo, ainda, desempenhado um importante papel enquanto representante das Forças Armadas portuguesas junto da NATO” e “um homem extraordinário” também pelos “serviços prestados ao País a nível político”. Cavaco Silva elogiou a “figura marcante” e a “importância das altas funções militares que desempenhou, como chefe do Estado-Maior do Exército, num período crítico de consolidação” da democracia portuguesa.“Guardamos do general Rocha Vieira a imagem solene e digna do arriar da Bandeira Nacional em Macau, fez agora 25 anos. Mais importante do que essa imagem, é o trabalho de Rocha Vieira como último Governador de Macau, dignificando os últimos anos da nossa presença no Oriente, permitindo-nos deixar o território reconciliados com a nossa História e orgulhosos da obra que deixámos”, lembra Cavaco Silva.O PS, em comunicado, sublinha uma ” vida inteiramente dedicada ao serviço de Portugal, quer na sua carreira militar, quer na participação política a seguir ao 25 de Abril, como membro do Conselho da Revolução (por inerência de funções enquanto Chefe de Estado Maior do Exército), ministro da República nos Açores, Secretário Adjunto do Governo de Macau e Governador de Macau”. O Exército, numa nota divulgada nas redes sociais, elogia “um dos seus mais notáveis soldados” desejando que “o seu legado de serviço e patriotismo continue a inspirar gerações futuras".Em 2015, Rocha foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada pelo ex-Presidente Cavaco Silva. Anteriormente, tinha sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (1986), atribuída pelo general Ramalho Eanes, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo (1996), conferida por Mário Soares, e com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique (2001), atribuída por Jorge Sampaio, uma condecoração atribuída excecionalmente, já que é normalmente destinada a chefes de Estado.