Marcou uma série de gerações, incluindo a minha, a dizer poesia um pouco por todo o lado. Porque isso era mais ou menos livre”, revelou ao DN João Soares, sobre a mãe, Maria Barroso, depois de explicar que “ela era de uma família de gente muito comprometida com o combate à ditadura”. De igual modo, nunca viveu à sombra do marido.Maria de Jesus Barroso nasceu na Fuzeta, em Olhão, no dia 2 de maio de 1925. A sua formação académica passou pelo Conservatório Nacional, em Lisboa, onde estudou Arte Dramática, e pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde concluiu o curso de Histórico-Filosóficas, em 1951. Foi nesse contexto revolucionário, e enquanto membro da Associação Feminina para a Paz, do Movimento de Unidade Democrática (MUD), que Maria Barroso conheceu Mário Soares, com quem casou, em 1949. Tiveram dois filhos: João e Isabel.“Ela, de facto, faz um percurso por ela, não é tanto à volta do meu pai, embora o meu pai tenha tido um papel imenso nisso”, explica João Soares, deixando transparecer também que Maria Barroso “gostava muito” de Mário Soares, daí toda a dedicação que demonstrou ao marido ao longo da vida.Apontando a autonomia política que a mãe acabou por assumir, João Soares sublinha que “isso é uma coisa que a distingue um bocado do que havia nessa altura, porque as mulheres tinham um papel completamente subalterno na vida pública e sobretudo na vida política. Não é só ter estado no congresso de fundação do Partido Socialista [em Bad Münstereifel, na Alemanha, em 1973], também foi a única mulher que falou da sessão de abertura do Congresso Republicano de Aveiro.”Em 1973, foi candidata à Assembleia Constituinte e assumiu mandatos na Assembleia da República entre 1976 e 1983.Em 1994, fundou a Pro Dignitate - Fundação para os Direitos Humanos e contra a Violência, e entre 1997 e 2003 foi presidente da Cruz Vermelha Portuguesa. Dirigiu ainda o Colégio Moderno, estando atualmente a cargo da filha, Isabel Soares.Pelo meio, teve uma vida dedicada à cultura, ainda que o Estado Novo lhe tenha ceifado maiores ambições como atriz.No entanto, no drama, ainda em ditadura, fez o filme de Paulo Rocha Mudar de Vida, em 1966. “Foi o único” nesse período, explica João Soares, para além de peças de teatro Também nesse ano, subiu ao palco do Teatro S. Luíz, em Lisboa, onde interpretou o monólogo A Voz Humana, de Jean Cocteau. Já em democracia, fez o Benilde ou a Virgem Mãe, de Manoel de Oliveira, em 1975.Lembrando a vertente revolucionária da mãe, João Soares conta que o seu próprio nascimento é disso revelador.“Ela casou com o meu pai a 22 de fevereiro de 49. Eu nasci a 29 de agosto de 49. É só fazer as contas”, propõe, acrescentando que “isso tem que se valorizar, porque é um lado revolucionário. Em 49 não era, provavelmente, muito fácil.”Porém, “era, sobretudo, declamadora de poesia”, exaltando “poemas que puxavam pelos valores da liberdade”, conclui João Soares.Também a antiga ministra para a Igualdade Maria de Belém Roseira conta que Maria Barroso é exemplo de que “o talento das mulheres não retira nenhuma importância aos homens. Pelo contrário.”Com emoção, Maria de Belém descreve, ao DN, Maria Barroso como uma “voz que colocava na agenda temas que eram muito importantes para as mulheres”, para além de ter sido “uma extraordinária transmissora do espírito da poesia. Fosse de Antero, de Sophia, de Pessoa. Ela dizia poemas com uma força que a sua própria carreira no teatro também a ajudou a construir”, completa.Em tudo o que fez, insiste a antiga governante, Maria Barroso “trabalhou de uma forma coerente desde que nasceu até que desapareceu. Foi sempre uma mulher em atividade.”A coerência surge também na afinação dos relatos das pessoas que eram próximas a Maria Barroso.“Foi sempre uma pedagoga e uma educadora, que achou que a cultura e que a educação eram fundamentais”, relata Isabel Soares, sobre a mãe, acrescentando que era uma “lutadora pela liberdade, pela democracia, mas também pela cultura”.“Foi uma mulher doce e muito tranquila, mas sempre muito firme nas suas convicções e naquilo que pensava”, continua Isabel Soares, revelando outro lado, mais recente de Maria Barroso: o de católica.“Converteu-se mais tardiamente, por causa do desastre do meu irmão [na África do Sul]. Foi uma pessoa que manteve a sua fé inabalável, principalmente sendo oriunda de uma família que não era propriamente crente. Portanto, muito tranquila, muito doce e muito serena.”============2024 - TIT 5 Col (4613527)============Revolucionária e “sempre coerente”. Maria Barroso faria hoje 100 anos ============2024 - Postit 1 (4613534)============Liberdade Foi a única mulher presente na fundação do PS, em 1973, e foi deputada, entre 76 e 83. Segundo a antiga ministra socialista Maria de Belém, foi uma transmissora “do espírito da poesia de Antero, Sophia ou Pessoa”. Para os filhos, Isabel e João Soares, foi sempre “uma mulher de cultura”, “dedicada aos problemas sociais”, uma “pedagoga” e uma católica serena. ============2024 - ASSINATURA (4613535)============texto Vítor Moita Cordeiro