Protagonistas de um miniciclo parlamentar
Foram 279 os eleitos que participaram na XVI Legislatura, por larga margem a mais breve da Assembleia da República. Além dos 230 deputados em funções, há sete que renunciaram ao mandato e 42 que o suspenderam ou substituíram temporariamente quem tomou essa decisão, incluindo os membros do Governo de Luís Montenegro, derrubado a 11 de março, na sequência do chumbo da moção de confiança.
Sendo incerto quando será a primeira sessão da próxima legislatura, resultante das eleições antecipadas, marcadas para 18 de maio por Marcelo Rebelo de Sousa, a que decorre terá pouco mais do que 419 dias, aquém dos 613 dias da XI Legislatura (2009-2011), interrompida pela demissão do primeiro-ministro socialista José Sócrates, com o chumbo do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que antecedeu a chegada da troika, e dos 646 da V Legislatura (1985-1987), por a moção de censura do Partido Renovador Democrático ter derrubado o Executivo minoritário de Cavaco Silva.
Nesses dois casos seguiram-se legislaturas completas, com governos suportados por maiorias absolutas, fossem monopartidárias (a do PSD de Cavaco Silva em 1987) ou em coligação pós-eleitoral (entre o PSD de Passos Coelho e o CDS de Paulo Portas, em 2011). Agora, a menos de dois meses da próxima ida dos portugueses às urnas de voto, nenhuma sondagem permite antever um caminho eleitoral para a estabilidade governativa, sobretudo se permanecer a impossibilidade de entendimento à direita.
A repetição da inexistência de maioria na Assembleia da República tornará muito provável a repetição de um miniciclo parlamentar, como o que se vive desde as legislativas de 10 de março de 2024, dificultando todas as decisões que têm de ser tomadas pelos deputados.
Na legislatura que está a terminar, com a derradeira sessão plenária, dedicada ao debate preparatório do Conselho Europeu, marcada para a tarde desta quarta-feira, a eleição de 80 deputados da Aliança Democrática (78 do PSD e dois do CDS-PP, que recuperou a representação parlamentar depois de dois anos de ausência), 78 do PS, 50 do Chega, oito da Iniciativa Liberal, cinco do Bloco de Esquerda, quatro do PCP, quatro do Livre e uma do PAN, traduziu-se numa sucessão de geometrias variáveis em plenário e comissões parlamentares.
Com o muito reforçado grupo parlamentar do partido de André Ventura a garantir a aprovação de iniciativas e a eleição de candidatos a órgãos dependentes da Assembleia da República apresentados por qualquer uma das duas maiores forças, mas também a ter a possibilidade de ser minoria de bloqueio em caso de impasse, os menos de 12 meses que decorreram desde a primeira sessão plenária, a 26 de março de 2024, ficaram marcados por entendimentos difíceis, com AD e PS a chegarem a acordo para a eleição do presidente da Assembleia da República, o social-democrata José Pedro Aguiar-Branco, no compromisso de o PS indicar Francisco Assis para ser a segunda figura do Estado numa segunda metade da legislatura que já parecia improvável antes de o socialista renunciar ao mandato para se candidatar ao Parlamento Europeu.
Coube a Aguiar-Branco fazer gestão de equilíbrios num hemiciclo que guinou para a direita, distinguindo-se dos antecessores socialistas Ferro Rodrigues e Augusto Santos Silva pela tolerância para com as intervenções de todos os deputados, nomeadamente os do Chega, o que gerou protestos à esquerda. Numa legislatura com 138 deputados à direita do PS, Pacheco de Amorim (Chega) e Rodrigo Saraiva (Iniciativa Liberal) foram eleitos vice-presidentes da Assembleia da República, e houve a inédita sessão comemorativa do 25 de Novembro, na qual o PCP se recusou a participar.
Pelo contrário, o Orçamento do Estado para 2025 só foi aprovado, adiando a crise política que se concretizou agora, graças ao entendimento entre AD e PS. Negociações entre as principais forças políticas, com recuos do Governo na redução da carga fiscal, permitiram a abstenção socialista, com voto contra dos outros partidos. Para trás, muito antes de o PS e o Chega se juntarem no chumbo da moção de confiança do Governo de Luís Montenegro, que antes sobrevivera a moções de censura do Chega e do PCP - motivadas por alegadas incompatibilidades entre o cargo de primeiro-ministro e a sua vida empresarial -, os maiores partidos da oposição convergiram em iniciativas como a abolição das portagens em autoestradas Scut.
Neste quadro, grande parte do trabalho dos deputados passou por tentarem assumir-se como alternativa a um Governo que se antevia vir a ser efémero. Assim foi feito à direita, tanto pelo Chega como pela Iniciativa Liberal, que espera aumentar o seu peso eleitoral, mas também à esquerda. Com o núcleo duro parlamentar do PS em gestão de expectativas e o partido muito concentrado nas próximas eleições autárquicas, que ainda não foram marcadas, mas irão decorrer no final de setembro ou início de outubro, Bloco de Esquerda, Livre e PCP procuraram afirmar-se como soluções para o eleitorado de esquerda.
Figuras da legislatura que não chegou a durar um ano
José Pedro Aguiar-Branco
O presidente da Assembleia da República despediu-se dos deputados na sexta-feira, pois não pode estar presente nesta quarta-feira, recebendo elogios de todas as bancadas. Algo que não apaga as críticas da esquerda quanto à interpretação do regimento parlamentar que fez ao longo da legislatura, alargando o limite do que pode ser dito em plenário, agravadas por acusar Pedro Nuno Santos de fazer “pior à democracia em seis dias do que André Ventura em seis anos”, sobre o modo como o secretário-geral do PS lidou com o caso da Spinumviva.
Hugo Soares
Regressou a São Bento, cinco anos mais tarde, para uma liderança de “combate” no grupo parlamentar do PSD. Como 78 deputados (mais dois do CDS-PP) eram insuficientes para uma legislatura estável, fez o possível para que houvesse condições de governabilidade.
Alexandra Leitão
A diferença no estilo de liderança manifesta-se mesmo no facto de raramente abandonar o lugar na fila da frente do hemiciclo, mas os resultados estão à vista. O PS tanto aprovou o Orçamento do Estado do Governo como fez passar a sua legislação com votos do Chega.
Mariana Leitão
A transição de chefe de gabinete para líder do grupo parlamentar da Iniciativa Liberal foi bem-sucedida ao ponto de ser apontada como candidata presidencial. Ao longo desta efémera legislatura fez por levar o partido a afirmar-se como uma alternativa para o eleitorado da AD.
Isabel Mendes Lopes
Sem ser uma absoluta estreante parlamentar, pois foi assessora de Rui Tavares na anterior legislatura, liderou a bancada do Livre com foco e iniciativas que procuram manter o crescimento do partido. E com uma perspetiva marcadamente feminista.
André Ventura
Quadruplicou o grupo parlamentar e retribuiu o “não é não” de Luís Montenegro recusando a moção de confiança. Mas problemas internos e convergência com PS afetaram o Chega.
António Filipe
Escolhido para conduzir o arranque da legislatura, antes da difícil eleição de Aguiar-Branco, o veterano do PCP mostrou continuar a ser um dos melhores tribunos do Parlamento.
Joana Mortágua
Reforçou protagonismo nas intervenções em plenário, como a sessão comemorativa do 25 de Novembro, sendo a mais combativa (e não só nos apartes) da curta bancada bloquista.
João Almeida
De volta ao hemiciclo, num grupo parlamentar centrista presidido por Paulo Núncio, assumiu a defesa de alternativas moderadas ao discurso do Chega nas áreas da justiça e segurança.
Investigados
Miguel Arruda
O eleito do Chega pelos Açores saiu do anonimato quando foi constituído arguido por suspeita de furto qualificado de malas de viagem em aeroportos. Pressionado a renunciar, preferiu passar a deputado não inscrito. Pelo contrário, Carlos Eduardo Reis e Luís Newton, do PSD, suspenderam os respetivos mandatos após serem acusados no âmbito da Operação Tutti Frutti.
Temporários
Marta Temido
Colocados em lugares destacados nas listas de deputados do PS, os antigos ministros dos governos de António Costa tiveram quase todos desempenhos discretas nesta legislatura. Para Marta Temido e Ana Catarina Mendes não foi preciso ficar muito tempo, visto que foram eleitas para o Parlamento Europeu, e se não houvesse a dissolução da Assembleia da República teriam também renunciado candidatos autárquicos como Manuel Pizarro.
Polémicos
Filipe Melo
O Chega não foi o único responsável pelo que muitos dizem ser degradação do debate político, mas no incidente mais grave desta legislatura o seu deputado Filipe Melo foi acusado de chamar “aberração” e “drogada” à deputada do PS Ana Sofia Antunes, que é invisual. O líder parlamentar Pedro Pinto esclareceu que os insultos de Melo foram dirigidos a Isabel Moreira, após ela lhe dizer “paga a pensão aos teus filhos”.