O programa do Governo, que começa esta terça-feira a ser discutido no Parlamento, fala em “espírito reformista”, uma ideia que é sublinhada com um capítulo dedicado às dez prioridades do Executivo de Luís Montenegro, que surge sob o título agenda transformadora para Portugal, com uma aplicabilidade prevista para quatro anos. Nada disto convenceu a oposição, a começar pelo Chega, que, nas palavras do líder do partido, é um programa que “não é bom”, além de vir de um Governo que, defende, não vai resolver “os mesmos problemas de insegurança, de estagnação económica, de corrupção e de imigração que tivemos nos últimos anos”. Porém, André Ventura lembra que o Chega se comprometeu a não contribuir para o “caos político”, motivo pelo qual “não viabilizará a moção de rejeição” que o PCP avançou. Por seu turno, a bancada comunista mantém-se firme face à ideia que já tinha antes de conhecer o conteúdo do documento, ao afirmar que o programa é “uma verdadeira declaração de guerra aos trabalhadores com a intenção de rever a legislação laboral, não para reforçar os direitos dos trabalhadores, mas para a conformar ainda mais com os interesses patronais”, sublinhou a líder parlamentar do PCP, Paula Santos.As palavras da deputada comunista foram ersta segunda-feira proferidas na Assembleia da República e criticaram o Governo por, através do programa, contribuir para “aumentar ritmos de trabalho e desregular horários de trabalho e assim agravar a exploração, utilizando mais uma vez a concertação social para esse objetivo”.Paula Santos referia-se ao terceiro de dez eixos prioritários destacados pelo Governo na “agenda transformadora”. Este em concreto promete “criar riqueza, acelerar a economia e aumentar o valor acrescentado”.Para perseguir esse desígnio, o Governo tem como principais medidas a “redução transversal do IRC, com diminuição gradual até 17%”, a “simplificação fiscal” que vem acompanhada de uma “aceleração da justiça tributária”, que envolve uma “relação com a Segurança Social”, e uma “revisão da legislação laboral”.Neste último ponto, o Governo diz que a fará “desejavelmente no contexto da concertação social”, com os objetivos de melhorar a adequação do regime legal aos desafios do trabalho na era digital”. Para além disto, diz querer “equilibrar a proteção dos trabalhadores com uma maior flexibilidade dos regimes laborais, que é essencial para aumentar a produtividade e competitividade das empresas”. A esta estratégia acrescenta vontade de aumentar o “desempenho dos trabalhadores, o diálogo social na empresa, e o equilíbrio de interesses sociais na legislação da greve”.O Governo também acena no programa com a vontade de “impulsionar a concertação social, procurando a convergência entre empresários e trabalhadores a favor de medidas de aumento da produtividade”.“A intenção de alterar a lei da greve, assume particular gravidade, porque pretende dificultar a resistência e a luta dos trabalhadores face à ação patronal que quer esmagar os seus direitos e condições de vida, para se apropriar de uma parte ainda maior da riqueza criada pelos trabalhadores”, vincou Paula Santos, antes de contestar aquilo que considera ser um “ataque” ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), através da transformação de “direitos em negócio”, ao trazer para a equação “parcerias público privadas”.Com esta crítica, Paula Santos evocava o eixo prioritário do Governo intitulado “serviços essenciais a funcionar para todos e com qualidade, com complementaridade entre oferta pública, privada e social”, que inclui medidas para a educação, saúde e transportes coletivos.A perspetiva do PS sobre estas matérias está ligada ao processo eleitoral. O candidato à liderança socialista, José Luís Carneiro, disse ontem estar “preocupado” pelo facto de o “Governo ter trazido propostas para o programa”que não integravam o “programa eleitoral nem estavam na discussão eleitoral, nomeadamente em relação às questões laborais, o direito à greve”.Para o também antigo ministro da Administração Interna, quando os partidos, durante uma campanha, “apresentam os seus programas eleitorais e não se fala nesses assuntos , e agora no programa do Governo aparecem esses temas”, isto “significa esconder dos eleitores aspetos, dimensões, que se os eleitores tivessem conhecimento delas poderiam ter tido um sentido de voto diferente”.Com esta observação, José Luís Carneiro deixou um aviso ao Governo: “A confiança é um gelo muito fino.”No programa eleitoral, a AD prometia medidas para “valorizar o trabalho e o emprego e combater a pobreza dos trabalhadores”, que passavam por “substituir um conjunto alargado de apoios sociais, sem perdas para ninguém, por um Suplemento Remunerativo Solidário”, ou “continuar o processo de convergência dos direitos à proteção social dos trabalhadores independentes, cuidadores informais e ainda novas formas de emprego (trabalhadores nas plataformas digitais e em trabalho remoto para empresas externas) com regime dos trabalhadores por conta de outrem, no que diz respeito à proteção no desemprego, doença, parentalidade ou reforma”.Apesar destas medidas não constarem na “agenda transformadora”, o programa da AD já previa outras que aparecem agora no programa do Governo, como o aumento do salário mínimo “para cerca de 1100 euros até 2029”, “criar condições para que o salário médio na economia portuguesa atinja pelo menos 2000 euros até 2029”, e “prosseguir com o novo impulso que foi dado à concertação social, procurando a convergência entre empresários e trabalhadores em torno do objetivo de aumentar a produtividade”.Sobre o direito à greve, no programa da AD não havia qualquer referência ao tema..O que esperar das 10 prioridades no programa do Governo: do salário mínimo de 1100 euros ao "turismo militar". Programa será aprovadoAdvertindo que o programa do Governo “deixará o país praticamente na mesma”, e apesar de considerar que “não é um bom programa de Governo”, estendendo essa análise ao próprio Executivo, André Ventura garantiu que o seu partido “não viabilizará a moção de rejeição” apresentada pelo PCP. Para o líder do Chega “não há nenhuma alternativa proposta por esses partidos ao Governo”.“E mesmo que houvesse seria uma má alternativa política”, afirmou o líder do Chega, acusando os partidos de esquerda de serem “irresponsáveis” e de representarem “nichos de radicalismo que querem destruir por destruir, atirar abaixo por atirar abaixo”.“O país queria outro governo mas deu o voto de confiança a Luís Montenegro”, rematou André Ventura, justificando a posição do Chega para viabilizar o programa do Governo.Sem garantir um voto favorável à moção de rejeição apresentada pelo PCP, o Livre também não se mostrou satisfeito com o programa do Governo. De acordo com o deputado Jorge Pinto, trata-se de um programa “que deveria olhar para o futuro, mas, na verdade, o que faz é olhar para o passado e para o passado de má memória, que nos faz lembrar os tempos da troika”. “Olhando para os programas do Governo e para o programa da troika, as semelhanças são claras e estão alicerçadas no enfraquecimento daquilo que são as responsabilidades do Estado em áreas essenciais do SNS, a educação, a habitação”, rematou o deputado do Livre, apontando também um “ataque claro aos direitos laborais, desde logo o direito à greve, mas também muito pouca atenção no que diz respeito a coisas essenciais como o salário mínimo nacional, e também um enfraquecimento daquilo que deveria ser a resposta do Estado”.O programa do Governo, de acordo com o Lexionário do Diário da República, “não tem de ser aprovado e nem sequer necessariamente votado pelos deputados”, no entanto, se qualquer grupo parlamentar propuser a sua rejeição ou se o Governo quiser apresentar uma moção de confiança, a aprovação da primeira ou a não aprovação da segunda podem levar à queda do Executivo.Neste caso, PS e Chega, que têm respetivamente 58 e 60 deputados, já consideraram que não iriam acompanhar a iniciativa do PCP, pelo que o programa deverá passar.O Governo, no documento que começa hoje a ser discutido, incluiu 80 medidas de todos os partidos com assento parlamentar, mas o Chega é o que, com 27 medidas, é o mais representado nas opções da AD. O PS, com 25 medidas, é o segundo. Segue-se a IL, com 16. O Livre conta com seis propostas aprovadas, e PCP e PAN têm duas cada. BE e JPP conseguiram, cada um, que um das suas medidas fosse incluída..PCP considera que programa do Governo é uma “declaração de guerra aos trabalhadores”