O ”como”, o “quando” e o “quanto custa” estão praticamente ausentes dos programas eleitorais. No residual de promessas feitas com prazo é quase sempre tudo apontado para daqui a três, quatro, cinco anos, daqui a uma “década” ou até “em 2040”.É assim nas 823 páginas de AD, PS e Chega, os três principais partidos, e nos restantes com menor expressão eleitoral.Sem que se explique, na maioria das promessas, como se vai fazer, quando se vai fazer e quanto está previsto investir no “Novo impulso” socialista ou no “Portugal não pode parar” da AD, por exemplo, os partidos optam pela eloquência do verbo - e são dezenas, os que se repetem página a página.“Reduzir”, “Adotar”, “Criar”, “Alargar”, “Reforçar”, “Prosseguir”, “Aprofundar”, “Aumentar”, “Identificar”, “Acompanhar”, “Retomar”, “Simplificar”, “Promover”, “Continuar”, “Garantir”, “Prevenir”, “Fortalecer”, “Alcançar”, “Elevar”, “Construir”, “Adequar”, “Melhorar”, “Integrar”, “Desenvolver”, “Reestruturar”, “Redefinir” e “Avaliar” são os verbos mais comuns e usados para anunciar medidas sem que mais se diga.Exemplos? “Avaliar o Estatuto dos Profissionais da área da cultura, monitorizando a adesão ao respetivo Registo dos Profissionais e a efetiva proteção social aos trabalhadores do setor”; “Revisitar a missão dos Laboratórios de Estado, dos Laboratórios Associados e Colaborativos visando clarificar a sua missão”; e ainda, como exemplo, “tornar os processos de planeamento urbanístico mais eficazes, aumentando a transparência e acesso, e reduzindo custos de contexto e prazos”.Depois, há medidas, poucas, que apontam o “quando”, mas somente isso.“Aumentar a capacidade instalada de energias renováveis com vista a alcançar a meta de 51% de renováveis no consumo final bruto de energia até 2030”; “Colocar o sistema de saúde português entre os dez melhores do mundo, em 2040”; e “reduzir de forma gradual a propina de licenciatura, até à sua extinção no prazo de uma década” são alguns exemplos das poucas promessas com data.E depois, há as, também poucas, que explicam quase tudo e que, por isso, surgiram como argumentos verbalizados na pré-campanha eleitoral.. “Aumentar o salário mínimo em pelo menos 60 euros por ano, atingindo um aumento de, no mínimo, 240 euros para 1110 euros em 2029”; “Reduzir o IRS em 2000 milhões de euros, dos quais 500 milhões já em 2025, baixando a carga fiscal sobre os rendimentos, em especial para a classe média”; e “Salário Mínimo de 1100 euros e salário médio 2000 euros, e nenhum pensionista com rendimento abaixo de 870€” são mensagens que AD e PS têm procurado fixar no eleitorado - para além das repetidas dúvidas de “confiança”, “idoneidade” e “credibilidade” de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.Nos programas dos dois principais adversários políticos surgem, naturalmente, os autoelogios que PSD e CDS fazem da sua governação e as virtudes que o PS de Pedro Nuno Santos diz encontrar na governação de António Costa.“Nos oito anos em que o PS foi Governo, a economia portuguesa registou um crescimento sustentado que reforçou a convergência com a UE. Entre 2016 e 2019, o PIB real cresceu, em média, 2,8% ao ano, superando a média da UE (2,2%) e da Zona Euro (1,9%)”, sustentam os socialistas.“O Governo decidiu e executou, resolveu problemas concretos da vida das pessoas e imprimiu um novo rumo de transformações no país, que lhe assegurou prosperidade e estabilidade económica, financeira e política”, contrapõe a AD.Sem que as sondagens indiquem um claro favorito e sem que o debate esteja focado nas propostas eleitorais, o que podemos esperar desta campanha eleitoral? “É expectável que seja uma campanha com uma fraca mobilização dos eleitores, pela indeterminação do desfecho eleitoral, a falta de novidade nas propostas apresentadas e nos protagonistas da competição eleitoral”, considera Marco Lisi, investigador em Ciências Políticas, que em 2019 publicou, em livro, o estudo Campanhas eleitorais e decisão de voto em Portugal”. O que é provável, projeta, é que “as sondagens e os cenários pós-eleitorais irão ganhar relevância durante a campanha, bem como a questão da estabilidade política. A competência dos líderes e as qualidades éticas/profissionais também irão ser muito debatidas durante a campanha”.O autor do livro Partidos em tempos de crise considera, por isso, que os “partidos do governo” se irão centrar na “obra feita e na necessidade de continuar as reformas, sobretudo a nível da economia (PRR)”, enquanto que “o PS continuará a fazer o apelo ao voto útil para chegar à frente da AD ”.“Os partidos mais extremos”, defende, “irão tentar defender” como arma eleitoral “a convergência entre os dois partidos moderados” - argumentos que PCP e Chega, por exemplo, já usaram.Paula do Espírito Santo, professora no ISCSP-UL, aponta quatro razões para que esta campanha das Legislativas não possa ser vista como “histórica”.“Pela pouco espaço de percurso político do Governo; pela fraca história narrativa das oposições; pelo desgaste e fadiga eleitoral que se vai instalando” e ainda, considera a investigadora, que analisou a “Sociologia política e eleitoral - Modelos e explicações de voto”, “pelos desafios colocados à qualidade das democracias, onde Portugal se inclui, e onde as metas do aprofundamento, transparência, liberdade, igualdade ainda permanecem em patamares superiores, alcançáveis e que manifestamente renovam Abril a cada conquista feita”.Numa frase, Riccardo Marchi, investigador em Ciências Políticas, resume o que se pode esperar: “Não será uma campanha particularmente enobrecedora para a elite política parlamentar.”E, para além do caso Spinumviva, “reavivado diariamente por notícias da última hora” que “marginaliza qualquer outro tema de debate”, Riccardo Marchi sublinha que “os líderes políticos demonstraram não ter grandes novidades e soluções para apresentar ao eleitorado”.Tendo sido a última campanha há um ano, “não há grandes sucessos por parte do Governo para conquistar um aumento significativo de eleitorado”, nem a oposição “tem muitas novidades comparativamente” ao que prometeu em 2024.Capitalizando a AD “a preferência do eleitorado pela estabilidade política”, a “única mudança assinalável na campanha do PS é o novo registo institucional e moderado de Pedro Nuno Santos que abandonou o estilo agressivo que o caracterizou em 2024.Se o líder do PS, “sem dúvida por sugestão dos spin doctors da comunicação”, mudou o “registo”, já André Ventura “não modificou em nada o seu discurso” mantendo “uma estratégia de campanha antissistema” afastando o Chega de propostas que “promovam” o “Partido de protesto para Partido de proposta/governação”. Conclusão? “Esta incapacidade de todos os partidos de protagonizarem positivamente a campanha pode até levar a um aumento da abstenção, que tinha caído graças principalmente ao papel de protesto do Chega. Creio que a campanha terminará bastante morna e no desinteresse de cada vez mais eleitores”, considera o investigador, que tem estudado a direita em Portugal.