Apesar de todos os lugares no hemiciclo já estarem atribuídos, ainda haverá mexidas na configuração parlamentar que saiu das eleições do dia 18 de maio, com alguns dos deputados eleitos neste momento a transitarem para o Governo, o que implicará um número diferente de mulheres no hemiciclo. Por agora, em 230 mandatos (226 já atribuídos), 78 - mais um do que no ano passado - estão nas mãos de mulheres, o que corresponde a 33,9% dos lugares da Assembleia da República. “Se não houvesse lei, nem sequer havia este número, porque as mulheres são sempre colocadas no último lugar daquilo que a lei obriga”, explicou ao DN a deputada do PS Elza Pais, presidente das Mulheres Socialistas - Igualdade e Direitos.Elza Pais refere-se à lei orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto, mais conhecida como lei da paridade, que, através da sua segunda alteração, de 2019, define o conceito de paridade como uma “representação mínima de 40 % de cada um dos sexos, arredondada, sempre que necessário, para a unidade mais próxima”. É assim que o Parlamento surge com apenas um terço de representação feminina, porque, acrescenta Elza Pais, os partidos “cumprem a lei pelos mínimos”, e é quando a cumprem.A propósito das mais recentes legislativas, e sobre os círculos da Europa e Fora da Europa, o Chega não cumpriu a lei da paridade, colocando apenas duas mulheres entre os oito candidatos nas duas listas (com um total de quatro mandatos, dois para cada um destes círculos eleitorais). Isto corresponde a 25% de mulheres. No entanto, o tribunal cível de Lisboa terá tido um entendimento diferente da lei, aceitando as listas, ainda que o diploma legal indique que “a não correção da lista de candidatura no prazo previsto na respetiva lei eleitoral determina a rejeição de toda a lista”.É preciso regressar a 2019 para encontrar o número de mulheres que mais se aproximou da paridade prevista na lei, com uma representação de 38,7%.“A lei, mais do que nunca, é necessária, é útil e devia ser ainda melhorada”, sustenta Elza Pais, acrescentando que deveriam ser introduzidos mecanismos que assegurassem que a lei é cumprida. E, continua a deputada socialista, “as mulheres são importantes na Assembleia da República, são uma voz ativa e uma voz competente”. Este é o argumento que levou o PS a incluir no programa eleitoral “a alternância de géneros nos dois primeiros lugares”.“E não sei se não avançaremos”, antevê a deputada, lembrando que “em 2019, quando o PS fez uma proposta idêntica, não passou porque o PSD não acompanhou”. Mais tarde, com a maioria absoluta de António Costa, em 2022, as coisas também não mudaram.No entanto, “com o avanço dos partidos de extrema-direita”, avisa Elza Pais, “os direitos das mulheres estão ameaçados, não só em Portugal, a vários níveis, na saúde sexual e reprodutiva, na participação na política e também nas lideranças económicas, na paridade, na conciliação entre as vidas familiares, profissionais e pessoais”.“Estou em querer que, no quadro da configuração parlamentar, a lei não vai regredir”, conclui a deputada, com esperança, aludindo à maioria de dois terços de direita.Coragem de afirmação“Não acho que seja a condição do género que vai ditar a capacidade parlamentar, seja de quem for”, afirma a deputada do PSD Dulcineia Moura, que diz conhecer “excelentes” homens e mulheres no Parlamento. No entanto, lembra também que, “se não fosse a lei da paridade, se calhar estaríamos muito pior” em termos de representação, “porque o machismo continua a imperar”.“Eu sinto as máculas todas do machismo, no dia a dia. Já as sentia na minha profissão, no acesso ao mercado de trabalho, senti sempre tudo isso, e não quero contribuir para uma sociedade em que o facto de ser mulher é uma condição para estar na política”, argumenta, explicando que, neste momento, a lei da paridade também permite que as mulheres estejam no Parlamento não “pelas competências, pelo valor, pelo mérito, pelo que é a construção e edificação de todo um percurso”.Dulcineia Moura classifica esta perspetiva que tem sobre a paridade como “um mecanismo de defesa” que convoca “para não interpretar certas atitudes na política como puro machismo”. Além disso, recorre a esta “armadura” também na qualidade de “mãe de duas filhas”, “para que elas nunca deixem de acreditar que é importante construirmos o nosso percurso, tentarmos ser o melhor possível no exercício das funções que assumimos, e que não olhem à condição de género, nem nunca se deixem subjugar pelo facto de serem mulheres”.Dulcineia Moura foi eleita pelo círculo da Guarda, onde era cabeça de lista. Este distrito só atribui três mandatos, e nas eleições do passado domingo estes foram entregues, tal como acontecera no ano passado, à AD, ao PS e ao Chega.“Ódio” no ParlamentoA investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa (CIS-ISCTE) Maria Helena Santos, uma das proponentes de uma petição lançada há cerca de um ano que exige um “limiar de paridade” fixado nos 50%, também alerta para um cumprimento mínimo da lei, tendo em conta que esta, por só se aplicar “às listas e não aos resultados, muitas vezes fica aquém dos 40%” legalmente previstos.Em relação às Legislativas mais recentes, a investigadora não vê um sinal positivo no facto de haver, por agora, mais duas mulheres no hemiciclo, até porque “as coisas continuam exatamente na mesma, com a agravante de que agora há um partido de extrema-direita com discursos de ódio”, aponta, alertando para um “retrocesso”.Em relação à ideia de paridade por oposição a outros mecanismos de participação das mulheres na política, Maria Helena Santos lembra que, “na política, as pessoas não entram pelo mérito. Não fazem um teste como fazem num curso em que entram com 18, 19 de média. Na política as pessoas entram por convite”, afirma, elevando a sua crítica: “A política é um mundo de homens. Nós sabemos que as mulheres foram impedidas de votar e de ser eleitas. Só no 25 de Abril é que puderam totalmente fazê-lo.”Mudanças previstasSe o líder demissionário do PS, Pedro Nuno Santos, renunciar ao mandato de deputado, eleito por Aveiro, pode entrar a deputada Lia Ferreira, que ocupa a quinta posição naquele círculo. Para já, entre os 58 deputados do PS, 21 são mulheres, podendo vir a ser 22, se esta alteração ocorrer. Porém, o cabeça de lista pelo Porto, Fernando Araújo, já disse que não assumirá o mandato, pelo que é expectável que haja 23 mulheres socialista no Parlamento, com a entrada da número 12 daquele círculo, Sofia Andrade.Na AD, em 90 mandatos, 29 pertencem a mulheres, mas há mexidas inevitáveis, a começar por Aveiro, com Luís Montenegro a assumir o cargo de primeiro-ministro. Mas também o número dois, Emídio Sousa, pode voltar a ocupar o cargo de secretário de Estado do Ambiente, o que, a concretizar-se, permite a entrada de Paulo Cavaleiro e de Joana Malta, elevando para 30 o número de mulheres. Por outro lado, a saída do cabeça de lista de Castelo Branco, Pedro Reis, para voltar a ser ministro da Economia, pode fazer entrar Leonor Cipriano, o que eleva para 31 o número de mulheres na AD.Mas os pratos da balança parlamentar podem ainda equilibrar-se mais com o círculo de Lisboa, através das saídas, para o Governo, de Joaquim Miranda Sarmento, Miguel Pinto Luz e Alexandre Homem Cristo, para dar lugar a Eva Brás Pinho e Andreia Bernardo, que, na verdade, só elevam para 32 o número de mulheres na bancada social-democrata porque é expectável que também Cristina Tomé e Ana Isabel Xavier voltem a integrar o Executivo de Luís Montenegro. Isto acontece porque, no Porto, podem sair Paulo Rangel, Carlos Abreu Amorim e Alberto Santos para dar lugar na bancada a Gonçalo Capitão, Ana Isabel Ferreira e Alberto Fonseca, sugerindo que haverá 33 mulheres na AD..vitor.cordeiro@dn.pt.Derrota da esquerda leva partidos a perder nomes experientes no Parlamento.Rui Cardoso: “Se não quiserem fazer o que o país exige, nas próximas eleições o Chega vencerá”