Mais de cem militantes do BE deixam o partido e acusam a direção de afastar "vozes incómodas"
As críticas, subscritas por 103 militantes do Bloco de Esquerda, todos identificados pelo nome e pelo número de aderente, da distrital de Santarém, multiplicam-se num documento intitulado "Porque saímos do Bloco de Esquerda". Um deles é o antigo deputado do BE Carlos Matias.
Na lista de apreciações que os militantes fazem às opções da direção bloquista, surge a a referência a "funcionários do partido" que "são vítimas de práticas que envergonhariam muitos patrões (o caso das aleitantes não é único)".
Ainda assim, o primeiro argumento evocado vem a reboque da acusação de que o BE "há muito se afastou da opção de construir um forte polo à esquerda, alternativo ao rotativismo do bloco central".
Para estes militantes, "a geringonça, uma opção adequada numa conjuntura específica, impregnou irremediavelmente a linha estratégica do BE", o que levou, insistem, a que "as propostas políticas" sejam "sistemática e convenientemente buriladas, quando não metidas na gaveta, na esperança de virem a ser aceites pelo PS".
Com a garantia de que "estas críticas [...] foram apresentadas internamente", os dissidentes dizem que "a afirmação da luta dos trabalhadores [...] foi substituída por agendas identitárias e parciais, importantes sem dúvida, mas de limitado alcance".
Os subscritores desta missiva, com data de 2 de junho, asseguram que "ao longo de anos", estas críticas "foram levadas aos mais diversos níveis do partido, inclusivamente à mais elevada instância partidária, a Convenção Nacional. A maioria da direção do Bloco de Esquerda rejeita-as sistematicamente. Está no seu direito. Mas, depois, nunca assume a responsabilidade pelas sucessivas derrotas eleitorais, foge aos balanços, justifica-se sempre com as dificuldades da conjuntura", atiram.
Na sequência das mais recentes eleições legislativas, os bloquistas demissionários acusam a direção de faltar a princípios democráticos, afirmando que "a escolha dos candidatos a deputados pelo distrito, estatutariamente da competência das Assembleia Distrital, só é acatada quando o escolhido é de um dos grupos que dominam o partido; a constituição de núcleos é ferreamente controlada pelo aparelho", para além da "distribuição de recursos e funcionários pelas organizações distritais" depender "da fidelidade ao centro único", criticam.
Com a insistência de que o partido tem deslizado "placidamente para o velho centralismo democrático, castrador e sem democracia", os militantes que estão de saída dizem ter chegado "a um ponto em que" consideram "definitivamente bloqueado qualquer esforço regenerador".
"Por isso saímos", concluem.
Secretariado lamenta saídas e diz que "este é o tempo de juntar forças"
O secretariado do Bloco de Esquerda esclareceu entretanto que "dos 89 pedidos de desfiliação efetivamente recebidos, dois terços são oriundos da concelhia de Salvaterra de Magos", admitindo que estas saídas têm a ver com "um conjunto de desfiliações programado pela antiga corrente interna Convergência, no quadro da sua decisão de abandono do Bloco de Esquerda". "O primeiro anúncio como este ocorreu há três meses, lançado em nome de um conjunto de aderentes de Portalegre", sublinha.
"Este conjunto de desfiliações, como outros que se seguirão, foi programado e anunciado há muito pela corrente Convergência e mantém-se mesmo depois da decisão da Mesa Nacional de reiniciar o processo de Convenção para que, face ao novo quadro político, todas as opiniões e correntes internas se possam apresentar como alternativas", acrescenta o secretariado. Nesse sentido, remata que "o Bloco lamenta todas as saídas de aderentes", pois diz que "este é o tempo de juntar forças, de reforçar o debate e a cooperação, e não tempo do abandono, do sectarismo ou da fragmentação à esquerda".