Há dois anos, Gerald, de 24 anos, natural dos Países Baixos, explicava no jornal The Guardian por que votara na extrema-direita de Geert Wilders. “Não quero viver com os meus pais para sempre. Quero a minha própria casa e poder sustentar a minha família no futuro. Estes são os temas mais importantes para mim.” Junho de 2025, no Porto: Pedro G., de 24 anos, diz ao DN por que votou no Chega nas últimas legislativas. “Ainda vivo com os meus pais. Não consigo comprar uma casa, nem sequer alugar um T0. Se nada mudar, nem aos 40 anos vou ter uma casa.”O mundo está definitivamente perigoso. Mas está mais perigoso para os jovens. Na adolescência e no início da idade adulta, quando ainda se formam redes neuronais e a pressão de grupo é uma marca do quotidiano — muitos psicólogos e sociólogos consideram o período do Ensino Secundário como o território etário formador de caráter —, as ideias perigosas encontram o público de eleição. Tanto ideólogos ao extremo da esquerda (Zlavoj Zizek) como ao extremo da direita (Jordan Peterson) falam dessa zona fértil ao radicalismo, mencionando a juventude como um caldeirão de experiências, escolhas e, logo, de risco acentuado.Ainda assim, ser jovem no Ocidente de inícios do século XXI era, classicamente, sinónimo de felicidade, com um forte decréscimo na meia-idade e uma recuperação substantiva no início da velhice. Desde 2006-2010, os estudos de opinião e as estatísticas indicam que já não é assim. Dados do Relatório da Felicidade de 2024 dizem-nos que na América do Norte, por exemplo, os índices de felicidade nos indivíduos de ambos os sexos entre os 15 e 24 anos caíram de forma drástica, a um ponto em que os idosos são, agora, mais felizes do que os jovens. E que a felicidade dos jovens também caiu, embora de forma menos acentuada, na Europa Ocidental. Porquê? Ao estremecimento estruturante da adolescência a Ocidente, juntaram-se sucessivas conjunturas adversas: o 11 de Setembro e o inexorável desgaste de liberdades e garantias sob o pretexto da guerra ao terrorismo; a crise imobiliária e o crash financeiro de 2006 nos EUA, com ondas de choque a sentirem-se por todo o mundo; o drama das dívidas soberanas europeias, que quase engoliu alguns países (Grécia) e abalou as fundações de outros (Espanha, Portugal); a maior pandemia do último século, que travou a fundo os ritmos, os hábitos e a aprendizagem de uma geração de jovens ocidentais; a guerra da Ucrânia, que continua a pressionar os alicerces de frágeis democracias no Leste europeu e tem forçado os Estados-Nações, ou o que resta deles, da União Europeia a decisões sucessivamente mais tensas e militarizadas; por fim, a incapacidade das forças moderadas de esquerda de resolverem os problemas do cidadão comum ocidental — na habitação, setor que afeta particularmente os jovens em início de vida e carreira; Saúde, com golpes sucessivos, muitas vezes autoinfligidos, no modelo social europeu; salários, com o vencimento médio cada vez mais encostado ao salário mínimo —, reféns com frequência, nas últimas três décadas, de lutas de grupos sociais importantíssimos, mas minoritários (comunidade LGBT+, wokismo, algumas políticas de identidade).Nesta proletarização da classe média, que mastiga os rapazes e raparigas que terminam o Ensino Secundário, os jovens licenciados e mesmo muitos que obtêm doutoramentos, a ansiedade torna-se regra, e cada vez mais adolescentes e jovens adultos do Ocidente sentem-se o que, em grande medida, já são: danos colaterais da globalização. Daí ao radicalismo é um passo que não requer demasiado esforço. E pensar, refletir e tomar decisões sensatas, mas difíceis, requer tempo e esforço. Na velocidade alucinante da vida digital, o tempo está pela hora da morte. Resta o esforço. Para quantos, até quando? Como descreviam os jornalistas do diário The Guardian Jon Henley e Pjotr Sauer, há ano e meio, a partir do coração outrora progressista da Europa Ocidental — a Holanda, mais precisamente em Volendam —, muitos jovens europeus não são xenófobos, racistas ou de extrema-direita, mas a precariedade do seu presente e, sobretudo, do futuro que antecipam, causa-lhes dúvidas e angústias que, nas condições certas (ou seja, nas condições erradas ideais), determinarão o seu voto. Voltando a Pedro. Aluno universitário de Informática, trabalha como operador de um hipermercado. A namorada, licenciada em Farmácia, é também eleitora do Chega. “Antes de haver Chega, não votava. Não voto em quem me engana, em quem engana os meus pais”, diz Pedro. É racista, xenófobo, defende a pena de morte? “Não sou, não defendo, e a minha namorada tão pouco. Apenas acredito que o Chega pode dar-nos uma vida melhor. Para termos uma vida melhor, basta acabar com o dinheiro mal gasto e colocar ordem no Estado.” Se todos os que votaram nas eleições gerais holandesas de 2023 tivessem menos de 35 anos, o líder populista anti-islâmico teria conquistado ainda mais lugares parlamentares. Em Portugal, onde o fenómeno chegou há menos tempo, seis anos bastaram para que o partido de Ventura passasse de um para 60 deputados. Insurreição populista dos jovens ou Economia? Especialistas recomendam cuidado com a presunção de que há um “alinhamento cultural ou ideológico entre os eleitores jovens e a extrema-direita”, defendendo que a ansiedade e o medo provocados pela precariedade têm força para se sobrepôr a valores e à afirmação de princípios. Perguntam: se assim não fosse, o que justificaria, por exemplo, que eleitores jovens, tradicionalmente apoiantes e votantes de partidos verdes, tivessem transferido o voto, nas eleições europeias de 2024, para partidos que combatem o pacto verde? Francisca Aguiar, 20 anos, estudante universitária, nascida numa família da classe média-alta. Não votou no Chega. Mas, “cansada de ver a esquerda no poder sem fazer nada”, transferiu o voto no Bloco de Esquerda para a Iniciativa Liberal. Francisca quer ser clara: não se moveu para a direita em relação à imigração, ao aborto e aos direitos das minorias. “Continuo a defender essas causas”, diz a jovem portuense, agora seduzida “pela maneira como a direita olha para a economia”. E com cada vez mais amigos votantes “orgulhosos” do Chega, jovens que com ela partilham uma classe social “privilegiada”.“Não escondem que votam, pelo contrário, mas também dizem que não são racistas, ou machistas.” Faz parte do argumentário dos amigos ‘cheganos’, aliás, defender que machistas “são os imigrantes muçulmanos que entram em Portugal”, que é um traço forte destes movimentos: a defesa de “um modo de vida europeu”. Esquerda e direita, conceitos saídos da Revolução Francesa, são reduzidos por Francisca a uma linha. “A esquerda preocupa-se com os trabalhadores, a direita com a classe média e os serviços privados.”Daniel Oliveira encontra na declaração da jovem, “um dos grandes equívocos que tramou o discurso da esquerda”. Para o especialista em sociopolítica, “a classe média é um buraco negro, uma terra de ninguém e, por isso, quando se fala de trabalhadores e do povo, os trabalhadores e o povo acham que estão de fora. Entendem que as políticas laborais se dirigem ao povo e que as outras são para a classe média, ou seja, para os que podem vir a ser ricos”, diz, sublinhando “a grande vitória do discurso da direita”: ter conseguido incutir, junto dos mais despolitizados, a ideia de que não pertencem às classes populares. “As classes populares de agora são os pobres que votam tendencialmente à esquerda.”A noção de meritocracia entra diretamente na equação. Quem não chega ao topo fracassa. “E se se fracassa é porque alguém nos cortou as pernas, já que ninguém gosta de achar que falhou por culpa própria.”Por que não a esquerda? Se as sondagens indicam que os temas característicos da esquerda — a justiça social e económica —, são agora mais importantes para os eleitores jovens, por que razão estão estes a abandonar os partidos de esquerda? Jaime Nogueira Pinto encontra uma justificação: “O discurso da esquerda envelheceu. Em Portugal viveu muito à conta da 'esquerda antifascista' resistente ao Estado Novo. Ora o Estado Novo acabou há meio século. A esquerda e o centrão perpetuaram-se no poder, sem alternativa, e agora muita gente está farta deles. E o Chega aparece como protesto e alternativa.”Para o politólogo “os jovens, como toda a gente, são capazes de estar fartos de um discurso e de governos que, além de proporem ideais e conceções do mundo desligadas da realidade, criaram sociedades marcadas pelo materialismo consumista em que, ao contrário dos princípios proclamados, o destino e o estatuto, acabam por ser determinados pela família e pela condição social”, afirma Nogueira Pinto, antecipando a conclusão: ”Para um jovem que tenha a noção da vida como descoberta e liberdade, a esquerda e o centrão têm hoje muito pouco a oferecer.”Daniel Oliveira não foge à evidência. “Os jovens votam contra quem está. E os oito anos do PS contam muito. Para os jovens, o PS está lá desde sempre. Desde que se lembram. E votam na extrema-direita.”Por outro lado, acrescenta, “em sociedades profundamente marcadas pela desregulação liberal dos mercados, só os mais velhos têm resquícios do Estado Social e da social-democracia. Os mais jovens não têm essas memórias. O que sabem é isto: 'Quero safar-me nesta incerteza total.' E votam na extrema-direita."Para esses eleitores o Estado Social não existe? “É verdade. Estão fora da proteção laboral, vivem com os pais em precariedade, usam pouco o SNS, não valorizam a escola pública, as reformas longínquas dizem-lhes pouco. Quando falamos do Estado Social, os jovens não sabem do que estamos a falar.” A habitação e os imigrantes. Pedro Guimarães não é contra os migrantes. Considera mesmo que “merecem uma vida melhor” em Portugal. “Mas não pode ser à custa dos portugueses.” Sente que um imigrante tem de lutar menos do que ele, como sente que vive pior do que os pais. Sem habitação, com mais insegurança laboral. Para Pedro, a culpa é da “esquerda, oito anos no poder”. “A habitação é uma bomba política de dimensões astronómicas, e não apenas em Portugal, mas a extrema-direita passa ao largo disso porque não é poder.” Ao contrário da IL, a quem prevê um destino parecido ao do Bloco de Esquerda — um envelhecimento na exata medida dos seus eleitores —, Oliveira considera que o Chega está para ficar. Para Jaime Nogueira Pinto, “a Iniciativa Liberal, pelo seu ideário, é um partido de classe média e média-alta; e tirando a liberdade económica, os seus valores em matéria de nação e de família estão mais perto da esquerda do que da direita. Por isso, o voto no Chega é mais transversal socialmente, é interclassista. E como o sistema diaboliza o Chega, os jovens aproximam-se”. Sendo que, para muitos deles, os partidos de extrema-direita fizeram parte do panorama político durante toda a vida. Cresceram com eles. Tomás Aguiar, tem 24 anos. E olha desconfiado para a imigração. “É um problema complicado. Os brasileiros trazem mais-valia, mas os indianos deixam a desejar.” A carga fiscal, “enorme”, é um dos males que levam o jovem a ser “liberal na economia”, apesar de conservador nos costumes. Justifica: andou num colégio privado, recorre a médico privado, “então porquê pagar tantos impostos?” Tiago e Francisca são irmãos. E espelham o gender gap de que dão conta as estatísticas: tendencialmente, as raparigas votam mais na esquerda-radical; os rapazes na direita-radical. Para Daniel Oliveira, o voto da extrema-direita "é um voto de bloqueio.” Para Jaime Nogueira Pinto é de esperança. “O mundo euroamericano atravessa um tempo de renovação ideológica e política, em que a religião, a nação, a família, a identidade, voltam a ter importância”. As redes sociais Os jovens atuais pertencem à primeira geração que se informa quase exclusivamente nas redes sociais e a forma como nos informamos, organizamos, comunicamos é central na política. Ora, a extrema-direita tem uma capacidade de penetração brutal nas redes sociais. “As redes, não devendo ser uma escapatória, são muito mais que o TikTok. São um olhar sobre o mundo. Nunca a esquerda ou o centro serão influentes nas redes sociais. A economia da atenção funciona com coisas chocantes e simples”, lembra Daniel Oliveira. Francisca dá conta de movimentos neoconservadores e machistas entre os jovens. “O TikTok está cheio de influencers que dizem isso. Que as namoradas devem ficar em casa quando os namorados não podem acompanhá-las." Mensagens "assustadoras e altamente manipuladoras", diz a jovem. “Ainda estamos no princípio”, acrescenta Daniel Oliveira. Voltando à pergunta inicial: a juventude europeia tornou-se reacionária? Vale a pena citar de um fôlego Albena Azmanova, autora de Capitalismo no Limite: Como Combater a Precariedade Pode Alcançar Mudanças Radicais Sem Crise ou Utopia: “Não nos precipitemos já nesta conclusão. Por enquanto, tudo o que podemos deduzir da revolta populista dos jovens é que a corrente política dominante não está a fornecer respostas satisfatórias às suas queixas. As promessas da esquerda, de prosperidade inclusiva, não são tão convincentes quando comparadas com o custo social da transição verde. As promessas da direita moderada, de vidas plenas, com realização profissional e conforto económico, são menos credíveis quando comparadas com um mercado de trabalho precário. É o populismo do centro político, com as suas respostas fáceis e inverosímeis, que pode estar a alimentar a fúria justificada dos jovens. Fica claro, então, o que os adultos precisam de fazer — alcançar a quadratura do círculo dos meios de subsistência estáveis, da sustentabilidade ecológica e das liberdades culturais para todos. Enquanto tal plano não existir, os jovens na Europa votarão na melhor opção seguinte — em forças que lhes digam como preservar o que já têm, correndo o risco de perder quem gostariam de ser.”