O advogado José Luís Arnaut, managing partner da CMS Portugal, militante do PSD e antigo ministro dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes, é o convidado desta semana do podcast A Lei e a Prática, o programa de direito e advocacia do Diário de Notícias e do Dinheiro Vivo. Assista à entrevista na íntegra no vídeo nesta página ou ouça o podcast no Spotify. Tendo em conta as atuais previsões para a economia, em que se espera um crescimento mas com algum abrandamento, quais são as suas perspetivas para o mercado jurídico nacional e para a CMS em particular? Recordo que o mercado de fusões e aquisições (M&A) nos Estados Unidos tem vindo a cair, por exemplo.Vamos ver, é pergunta para bola de cristal. No entanto, há aqui três aspectos que é preciso ter em consideração. A questão do crescimento da economia nacional. Nós estamos a crescer, crescemos 1,6%, ou seja, houve uma desaceleração do crescimento relativamente ao crescimento do trimestre anterior, que foi 2,8%. E isso tem consequências, até poderá ter algumas consequências, mas também são explicáveis. Houve o novo enquadramento internacional que criou esta situação e houve uma situação de instabilidade política que também cria estas circunstâncias. Posto isto, há depois, num segundo plano, todo o enquadramento, digamos, da situação internacional, de geopolítica internacional, com a incerteza criada por Trump e todas as vicissitudes...Há tarifas, não há tarifas...Há tarifas, tira tarifas, põe tarifas, de manhã sai a tarifa, depois entra a tarifa. E depois há outro fator, que não podemos desvalorizar e que nos toca muito mais de perto, que é o problema da guerra na Europa. A guerra que está nas portas da Europa e que pode, de um dia para o outro, descambar. Já percebemos que o senhor Putin não está pelos ajustes da paz, o senhor Trump acho que já percebeu, acordou, e estamos numa escalada da guerra. A Alemanha, pela primeira vez, mandou, há poucos dias, armas de longo alcance para Kiev. E deslocou tropas também para a Lituânia. E, portanto, a guerra está a entrar numa nova etapa. E estas coisas quando começam, sabe-se como começam, mas nunca se sabe como acabam. E isso tem consequências na decisão do empresário, do investidor, dos private equity e das transações, das fusões e aquisições. E, portanto, este é o enquadramento em que vivemos. E, portanto, é dentro deste puzzle internacional e nacional que temos de viver. A nível nacional, contudo, há sinais muito positivos, que resultam de haver uma estabilidade política resultante de um Governo que foi um Governo de sucesso nos últimos 11 meses e que vai continuar. Os riscos, digamos, dos partidos antieconomia e antiliberdade empresarial estão completamente esbatidos com a morte, em boa hora, do Bloco de Esquerda e da situação que o PCP está hoje a viver. E, portanto, acho que há sinais positivos para aqueles que querem continuar a investir em Portugal e que querem ter espaço de crescimento em Portugal, no sentido do investimento nacional e internacional nos setores fundamentais, como as infraestruturas, a saúde e os setores, digamos, da produtividade e da exportação. Há condições para a economia portuguesa continuar a crescer e para a atratividade do país.O facto de a esquerda ter caído para mínimos históricos nestas eleições é algo que os investidores estrangeiros têm em conta?É evidente que um investidor estrangeiro, que não conhece a realidade portuguesa, olha para as notícias e vê tetos nas rendas, taxar os ricos, impostos sobre a fortuna... é verdade que as pessoas assustam-se e vão-se embora. Mas, graças a Deus, quem o bom senso dos portugueses mandou embora foram esses que tinham essas veleidades, digamos, de criar essas medidas. Foram para casa e fizeram má figura. E, portanto, acho que isso é um sinal muito positivo.Esse resultado surpreendeu-o?Não, quer dizer, quando um partido chega ao nível a que estava o Bloco de Esquerda, já não me surpreendeu. Era um partido de duas irmãs e depois mais uns tios avós que foram buscar não sei onde.E o resultado do Chega?Obviamente, sabíamos que o Chega estava forte e determinado. Ninguém via o Chega como segundo partido, mas é a vontade dos portugueses.É um voto de protesto ou reflete um suporte popular genuíno?Acho que há duas coisas nessa matéria. De um lado é um voto, digamos, objetivamente de protesto, porque basta ver a transferência dos votos, muito da zona do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista e do Partido Socialista, digamos, em zonas tradicionalmente de esquerda. Houve uma transferência direta. Agora, há uma nova realidade e acho que o próprio Chega vai ter consciência dela e, portanto, vai entrar numa nova fase. O Chega que conhecemos até agora entrará numa nova fase, porque é a única forma de ter um partido mais institucionalizado e com outra atitude. Que eu acho que é o que os portugueses que votaram neles esperam.E o Governo da AD deve manter o “não é não” a uma aliança com o Chega?Não quero entrar em política partidária. Acho que o Governo tem as posições claras. Os portugueses sabiam no que estavam a votar e votaram bem.Os juízes do Constitucional são, tradicionalmente, escolhidos pelos dois maiores partidos, o PSD e o PS. Mas com este resultado o PS deixou de ser determinante...São escolhidos pela Assembleia da República.Mas sempre houve um papel determinante desses dois partidos.Era a maioria que resultava da Assembleia da República.E, pela primeira vez, temos um cenário em que o PS pode nem ser tido, nem achado nisso. Acha que é positivo ou não?Acho que a Assembleia da República vai ter de refletir e os órgãos que dela emanam a representatividade a tudo. Vão ter de ter em consideração aquela que é a representação da atual Assembleia da República. Mas o Partido Socialista não está fora dessa representação.Só fica de fora se quiser?Acho que, digamos, os partidos do arco constitucional vão ter de ter um papel, vão ter de ser chamados e vão ter de ser ouvidos.E esses partidos - a AD e o PS - são os parceiros naturais uns dos outros?É evidente que são. Reparemos que até o próprio doutor António Costa, quando teve a geringonça, nos órgãos de soberania, nunca na vida deixou o Bloco de Esquerda, nem o Partido Comunista, digamos, partilharem de qualquer responsabilidade a esse nível, não é verdade? E, portanto, por alguma razão o fez, e fez sabiamente, porque sabia bem...Qual deve ser a grande prioridade do novo Governo?Este Governo tem de continuar o caminho que estava a fazer. O que fez em 11 meses foi muito. Nós tivemos oito anos de Governo do Partido Socialista e não foi feita nenhuma reforma estrutural, por exemplo em áreas como a habitação. O Governo da AD tem de criar condições para que haja uma imigração digna, controlada. Depois temos problemas como a burocracia e a situação da Justiça. Vivemos um momento histórico para resolver os problemas crónicos da Justiça portuguesa, que se arrastam há anos e anos...E a revisão da Constituição, é, de facto, um tema ou é algo que não é prioritário?A Justiça faz parte da Constituição e não se pode mexer nela sem mexer na Constituição. A Justiça é um dos grandes nós górdios que temos já há muitos anos. Já houve vários pactos para a Justiça, já houve tentativas, mas agora acho que há condições objetivas, como nunca houve, de criar uma reforma. Temos uma muito boa ministra da Justiça, que era uma excelente advogada, que conhece a realidade, e acho que o Governo vai ter condições objetivas de poder olhar para a Justiça. A Ordem dos Advogados também entrou no bom caminho, com a eleição do novo bastonário, corrigiu a sua deriva populista. As condições, agora, são positivas e temos que aproveitar."Estarmos na CMS dá-nos acesso à melhor tecnologia"A CMS Portugal pretende reforçar a equipa este ano?Deixe-me fazer um enquadramento. Há 10 anos, decidimos, o dr. Rui Pena, eu e os outros sócios da então Rui Pena & Arnaut, integrar a CMS, uma organização internacional. Somos o quinto maior escritório de advogados da Europa e o 18.º a nível mundial, com 85 escritórios em 49 países e uma faturação de dois mil milhões de euros. Tenho o privilégio de estar no board do comité executivo desta organização. E, portanto, de ter um papel ativo no que respeita à internacionalização da CMS, o que permite a Portugal ter um papel ativo na gestão. Sendo um escritório internacional, temos uma clientela muito resultante dos nossos escritórios da CMS nos países, digamos, que são os motores da economia europeia. Somos o número um na Alemanha, estamos nos top-5 da Inglaterra, somos o número dois no mercado francês e número um no mercado austríaco, para termos uma ideia. Portanto, isso permite-nos ter aqui uma clientela internacional muito relevante, que vem ter connosco pelo facto de sermos um escritório de uma estrutura internacional. O nosso objetivo não é o tamanho, mas sim a agilidade. Com 114 advogados, temos o objetivo, digamos, de servir, e a minha política no escritório como managing partner é a qualidade. Qualidade e disponibilidade para o cliente. Portanto, são os dois fatores fundamentais e acho que é aí que está a diferenciação. O mercado está muito competitivo.E a tecnologia vai permitir fazer mais e melhor com menos?Nós aí temos um papel importante. O facto de sermos um grande escritório internacional, permite-nos ter acesso à melhor tecnologia com custos mais baixos. Por exemplo, fomos uma das 60 empresas mundiais escolhidas por um projeto da Microsoft para a Inteligência Artificial, o Copilot. Quando nos sentamos à mesa com essas empresas, representamos quatro ou cinco mil licenças de utilizador. Não vamos comprar 30 ou 40 licenças.A mudança de nome do escritório, de CMS Rui Pena & Arnaut, para CMS Portugal, tem a ver com esse processo de integração que se tem vindo a aprofundar?Sim, é um caminho de integração, que acontece também nos outros países. Somos CMS. Se você for a Inglaterra, já não encontra a Cameron McKenna, apenas a CMS. É o branding predominante, e, portanto, nós achamos que a instituição está antes do nome das pessoas. A mim, o que me orgulha. deste crescimento e desta fase da minha gestão no escritório, é deixar um escritório que tem futuro e que tem futuro internacional e que é um escritório atrativo. E esse é o meu objetivo e por isso acho que mais importante que o nome das pessoas, é o nome internacional.E a nível de áreas com maior potencial este ano, o que vê então?Temos áreas muito relevantes, e essa tem sido... nós vimos de uma boutique, essencialmente de direito público, energia e propriedade industrial, que era o meu ponto de partida na minha carreira. Hoje temos uma área muito importante, digamos, de energia, de M&A, de laboral e, também, mantivemos a nossa predominância no direito público e temos, obviamente, áreas como a proteção de dados e tudo o que diz respeito aos direitos das novas realidades resultantes da evolução tecnológica. E, portanto, mantivemos este equilíbrio. E mantivemos a liderança do setor da energia, com uma estrutura societária muito robusta.É uma área que vai continuar a crescer este ano, apesar da incerteza a nível geopolítico e macroeconómico?Continua. Acho que as coisas continuam. Porque, por exemplo, são clientes que já estão com processos em curso. Portugal continua a ter uma aposta. E depois temos áreas em que estamos a desenvolver, de futuro, como uma área nova de ESG e da sustentabilidade. Temos hoje, na área da inteligência artificial, toda uma nova tecnologia e, portanto, beneficiamos do know-how internacional muito vasto que o escritório tem nessa área, que representa o futuro. E, portanto, mantemos as áreas tradicionais, procurando aproveitar os ensinamentos e a experiência internacional para chegarmos ao mercado com novas áreas, com novas experiências aos nossos clientes, eventualmente devido a essa experiência internacional, antes de outros que têm experiência nacional.O facto de estarem integrados num escritório internacional permite-vos competir, por exemplo, com novos players na área jurídica, como as grandes consultoras, as chamadas Big Four? Nomeadamente a nível de capacidade de investimento em tecnologia.Sim, mas para nós não é novidade. Nos países de onde vimos, essencialmente a Inglaterra, a Alemanha e a França, elas já existiam no mercado jurídico. Aceda ao podcast aqui:.Podcast. José Luís Arnaut: "A morte do Bloco de Esquerda é um sinal positivo para a economia"."O dinheiro para a Defesa vai ter de vir dos nossos impostos", diz fiscalista Rogério Fernandes Ferreira.João Massano: "a minha prioridade como bastonário vai ser unir os advogados".Martim Krupenski: "Preocupa-me que 30% da banca já seja espanhola"