“Isto não vai durar”. Os 365 dias de uma crise anunciada “por tudo e por nada”

“Isto não vai durar”. Os 365 dias de uma crise anunciada “por tudo e por nada”

Primeiro aviso foi a 10 de março de 2024. Cálculos para derrube do Governo apontavam uma data: outubro, no OE2025. Contas políticas falharam por 4 meses. AD soma onze governantes colocados em causa.
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A “estabilidade” do Governo de Luís Montenegro sofreu os primeiros avisos logo na noite de 10 de março de 2024. Pedro Nuno Santos garantiu, nesse dia, que não colocaria em causa “a formação do Governo”, mas foi claro na advertência: “Não aprovaremos moções de rejeição e agradecemos, também, que não sejam apresentadas moções de confiança porque também não as aprovaríamos”.

O prenúncio de um Governo a prazo foi quase imediato: sentiu-se 16 dias depois das eleições, no primeiro dia da nova legislatura. Logo a 26 de março já era admitido que “isto não vai durar até final do ano”. Nessa altura o “receio democrático” apontava a um alvo: o Chega. E adivinhava-se uma data “muito provavelmente em outubro”, por alturas do OE2025, para a queda do Governo.

“Até lá”, diziam deputados socialistas ao DN, “vamos ter uma trituradora [ou seja, o Chega] a pressionar o PSD até aos limites e a tentar colar-nos ao PSD”. “Vai ser um constante braço de ferro”, admitia-se nos sociais-democratas, que previam “manifestações de força” dos “50 deputados que podiam bloquear muita coisa” e um “apontar de culpas por tudo e por nada a PSD e PS”.

O “por tudo e por nada”, porém, surgiu com as suspeitas apontadas aos ministros Castro Almeida, Maria do Rosário Palma Ramalho, Rita Júdice e aos secretários de Estado Patrícia Gonçalves da Costa, Cláudia Aguiar e Hernâni Dias – todos relacionadas com empresas; com os casos e polémicas que envolveram Ana Paula Martins, nomeadamente os do INEM; com as “constantes” polémicas criadas por declarações de Margarida Blasco; com os números errados de Fernando Alexandre sobre alunos sem professor; com a redução “ambiciosa” de Miranda Sarmento no IRS que afinal era de 200 milhões; e por fim, com Montenegro.

No lado socialista, a liderança de Pedro Nuno Santos, eleito secretário-geral em dezembro de 2024, começou internamente a ser questionada pouco tempo depois da noite eleitoral de 10 de março de 2024 com o “incómodo” de o partido se ter comprometido “cedo demais “ com um Orçamento Retificativo que “nem o governo pediu ou sugeriu” e com “a aprovação do Programa do Governo”.

Por esses dias, era dito por dirigentes do PS ao DN, que “não fazia sentido” aprovar “o programa da AD, que era o mesmo o programa eleitoral” e “não aprovar o Orçamento que traria essas medidas”.

Pedro Nuno Santos ensaiou um “praticamente impossível”, que foi tendo variantes , apesar de no jornal do partido, ter sido garantido que “se [os do Governo] persistirem em políticas que acreditamos serem prejudiciais, não hesitaremos em votar contra”.

Pressionado por autarcas, por Marcelo, por deputados e dirigentes do partido, o secretário-geral socialista recuou alegando que “um eventual chumbo do Orçamento poderia conduzir o país e os portugueses para as terceiras eleições legislativas em menos de três anos, sem que se perspetive que delas resultasse uma maioria estável”.

A “clarificação”, que só deveria acontecer na votação do OE2026 “deixando o Governo em gestão de duodécimos” e com eleições só “lá para maio ou junho” do próximo ano – permitindo o foco” nas autárquicas, nos “Estados Gerais” do PS e na preparação de “uma alternativa” – foi precipitada pelo caso da Spinumviva, por denúncias anónimas na PGR, por duas moções de censura chumbadas, pela ameaça de uma comissão de inquérito e, por fim, pela moção de confiança que vai amanhã a votos.

Ainda que não haja “conversações” entre PS e PSD, tal como não houve no OE2025, o Governo, que insiste na narrativa de que “o que está em causa é saber se a oposição confia, aceita que há condições de governabilidade ou não”, abriu uma nova hipótese de “estabilidade” que evite o “arrastar no lamaçal”.

Solução? Luís Montenegro vai responder por escrito a todas as perguntas enviadas pelos partidos e remeter as respostas ao Parlamento antes da discussão e votação da moção de confiança.

Consequência? Se o PS quer “esclarecimentos” e “não quer eleições”, após “todas as respostas” do primeiro-ministro, o “razoável” é que retire a comissão de inquérito e o Governo a moção de confiança.

O lapso? O ministro Castro Almeida revelou um plano possível “cedo demais” permitindo “leituras” de “troca por troca”, o que obrigou António Leitão Amaro a “relativizar” e a “recentrar” a questão “principal”.

O exame

Ao DN, a direção do PS critica “um Governo que evita o escrutínio e que usa o Estado para distribuir cargos entre os seus” e aponta como exemplo que “mais de um em três dos autarcas do PSD impedidos de se recandidatar já encontrou lugar no Estado”, o que contraria Montenegro que “garantiu que o PSD não tomaria de assalto a máquina pública”.

“Quanto ao caso da empresa do Primeiro-Ministro, a falta de esclarecimentos é reveladora. As responsabilidades políticas não se resolvem com silêncios. O PS continuará a exigir respostas e transparência”, avisam.

Para os socialistas, o Governo “tem demonstrado uma gestão errática, assente em anúncios vazios, promessas incumpridas e na mera distribuição do excedente orçamental que herdou”.

Exemplos? “Na Saúde, assistimos a uma greve do INEM para a qual o Governo não assegurou serviços mínimos nem alertou atempadamente a instituição. A gestão das urgências continua caótica, o diálogo com os profissionais é inexistente e a crescente abertura à gestão privada fragiliza o SNS, sem que a ministra assuma qualquer responsabilidade; na Educação, o ministério nem sequer consegue apresentar dados fiáveis sobre o número de alunos sem aulas; na habitação, o Governo não investe na construção pública, aliena património do Estado e empurra os portugueses para um mercado inflacionado. Longe de resolver a crise, agrava-a, com o Porta 65 parado e os apoios à renda atrasados; na fiscalidade, prometeram aliviar a carga fiscal, mas as reduções ficaram reservadas a grandes empresas e a uma minoria de jovens, enquanto a garantia pública na habitação beneficia apenas alguns, nomeadamente jovens estrangeiros”.

Para o Chega, que apresentou a primeira moção de censura, este é “um Governo que desde o dia Zero sabia que estava a prazo! (…) que agora se vai vitimizar, mas que levou o país para uma crise política! Esta crise tem um rosto, Luís Montenegro e o governo da AD!”.

Ao DN, o partido de André Ventura, para além de sublinhar que “as promessas feitas a todas as classes foram poucas ou nenhuma cumprida”, aponta o que classifica de “pouca transparência” já que há “arguidos no caso Tutti Fruti ainda se sentam na bancada do PSD e um primeiro-ministro que pensa que não tem de dar explicações ao país sobre a sua vida, sobre as suas empresas, sobre que negócios estavam ligados ao estado e pasme-se, não assume e diz que a empresa é da mulher com quem está casado em comunhão de adquiridos, apenas para tapar os olhos aos portugueses!”.

Da governação são apontadas oito promessas que ficaram por cumprir: “Falharam com a equiparação do suplemento de missão da PJ à PSP e GNR; falharam na saúde, onde a tão prometida reforma não existiu; falharam com os bombeiros, que faleceram em combate aos incêndios e onde as suas famílias continuam à espera de ajuda; falharam no combate à criminalidade, quando cada vez os crimes são mais e mais violentos; falharam no controlo à imigração ilegal, pois continuam a legalizar toda a gente; falharam na justiça, com processos a continuarem a arrastar-se e a quase a prescrever, como tem acontecido com os processos que envolvem José Sócrates”; e ainda, dizem “falhou o combate à corrupção, estando envolvidos vários membros do governo em negócios menos transparentes”.

O PCP, que apresentou a segunda moção de censura, considera que “para lá da gravidade de factos e acontecimentos deploráveis que continuam por esclarecer [referência a Montenegro], a questão essencial que marca a ação deste Governo é a sua política de agravamento da exploração, das injustiças e da crescente situação de vulnerabilidade dos trabalhadores, da juventude e dos reformados e pensionistas”.

Os comunistas, ao DN, concluem que a política do Governo é fazer “de cada problema uma oportunidade de negócio para os grupos económicos” condicionando “salários e pensões”.

Em síntese, um “ataque aos direitos dos trabalhadores e ao sistema de Segurança Social público, o ataque e desmantelamento dos serviços públicos, designadamente com a estratégia de destruição do SNS e de negação a todos do direito à saúde, do direito à habitação, privatizações, favorecimento da especulação imobiliária, comprometimento da soberania nacional”.

Os liberais, que vão votar ao lado de PSD e CDS, dizem que “podíamos ter tido um Governo de direita liberal, mas tivemos um Governo que usou a mesma cartilha do partido socialista, sem qualquer coragem ou ambição em fazer reformas relevantes no país”.

E este, sustentam, “foi o principal erro” da AD que foi “transversal na sua filosofia de governação, que em boa parte tornou o seu ano de governação inconsequente no futuro do país”. Ou seja: “adotou um estilo de governação semelhante ao do partido socialista”.

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