Inês Sousa Real: "Ideologia de género não só é uma terminologia falaciosa como é um preconceito”

Inês Sousa Real: "Ideologia de género não só é uma terminologia falaciosa como é um preconceito”

A prioridade da líder do PAN é o combate à violência sexual, mas também não abdica de um SNS que inclua animais. Por isso, rejeita apoiar qualquer solução governativa que inclua PSD e CDS.
Publicado a
Atualizado a

A três semanas das eleições, o PAN ainda não apresentou o programa eleitoral. Vai manter a Agenda 24-28, que apresentou no ano passado?

O programa vai ser oficialmente apresentado no dia 3 de maio. Este período de campanha e pré-campanha foi muito curto, mas entendemos que devemos trabalhar no Parlamento com as pessoas, com as associações e com as suas preocupações. Por outro lado, também nestas duas últimas legislaturas o PAN foi a força política da oposição que mais medidas acabou por conseguir aprovar e, portanto, teria necessariamente de haver uma atualização do programa ao invés de estarmos a apresentar o mesmo programa de 2024. Temos até medidas que de alguma forma já estão a ser concretizadas. Por exemplo, permitir que as famílias de acolhimento possam adotar crianças, ou até mesmo a majoração do abono para as pessoas com deficiência, em 79 euros, que foi pela mão do PAN que se conseguiu essa aprovação, ou o fim da mineração em mar profundo até 2050 na costa portuguesa.

Pode antecipar um pouco do programa?

Vamos continuar a combater, na Assembleia da República, o negacionismo climático e pugnar para que se consiga garantir, por exemplo, sobre o fim das borlas fiscais que são dadas a quem mais polui, que o lucro seja canalizado - falamos de cerca de 300 milhões de euros - para passes sociais gratuitos, aliando a justiça climática à justiça social. Por outro lado, temos ouvido muito, sobretudo os grandes partidos, irem atrás de uma agenda populista e oportunista do Chega no que diz respeito à perceção de segurança, quando a grande crise de insegurança é a violência doméstica. São mais de 34 mil denúncias todos os anos, mas são casos reais de mulheres - em particular de mulheres -, mas também de idosos, crianças que sofrem abusos e que carecem de ter umas respostas por parte do Estado. Entregámos simbolicamente o eixo referente ao combate à violência doméstica e sexual em mãos à APAV [Associação Portuguesas de Apoio à Vítima]. É o compromisso Violeta, que o PAN faz de, após o dia 18 de maio, retomarmos os trabalhos, e dar entrada, com o grupo parlamentar que queremos conquistar, de um pacote de medidas para consagrarmos a violação como crime público. Portanto, precisamos de, enquanto coletivo, encontrar respostas para as vítimas, e temos propostas muito concretas neste sentido. Por exemplo, os órfãos, vítimas de violência doméstica, as crianças que ficam sem pai e sem mãe e cuja pensão, hoje em dia, são de escassos 179 euros. Isto é manifestamente indigno e condenar estas crianças e jovens à pobreza. Queremos que, pelo menos, a pensão tenha o valor mínimo do IAS (Indexante dos Apoios Sociais) para equipararmos às outras prestações sociais.

Já disse que, se fosse primeira-ministra, antes de acabar com as touradas tornaria a violência sexual um crime público. Como é que o faria, protegendo os interesses da vítima?

A proposta do PAN visa que, ao ser crime público, o Ministério Público possa logo investigar e preservar a produção da prova - o que não sendo crime público não é possível -, e que se a vítima pretender desistir da ação, que o possa fazer em qualquer momento, salvaguardando mecanismos que até já estão previstos na lei, que é não estar a desistir sob coação. Este mecanismo permitiria o alargamento dos prazos de prescrição dos crimes sexuais. Já fizemos um caminho importante para aumentar os prazos de prescrição, mas é preciso irmos mais longe porque sabemos que as vítimas chegam a demorar mais de 20 anos a denunciar e só na maioridade é que muitas vezes conseguem denunciar os crimes de que foram alvo. Por isso mesmo, entendemos que o quadro jurídico português tem que se adaptar e não compreendemos como é que PS e PSD, a maioria que tem governado o país, estão em contraciclo com a proteção das vítimas neste caso e olham com uma perspetiva tão conservadora para o Código Penal, porque, de facto, o regime que temos atualmente não está a ser suficientemente dissuasor para impedir este tipo de crimes. Temos neste momento uma guerra silenciosa entre sexos em que claramente está aberto o campo de batalha contra as mulheres com o ódio que tem sido até instalado nas redes sociais e que tem sido alimentado por algumas forças. Inclusive correntes políticas que, de forma oportunista, estão a aproveitar e alimentar isso nos jovens e até com influencers a voltarem a ter uma conduta que, em nosso entender, é completamente contrário aos objetivos da igualdade de género, seja da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, seja dos valores que quisemos conquistar com o 25 de Abril e com a Constituição da República Portuguesa.

O PAN tem sido acusado de vazio ideológico, mas já deu a mão ao PSD na Madeira em 2023 e já disse várias vezes que não é de esquerda nem de direita. Também já admitiu dialogar com o próximo Governo. Quem é que se aproxima mais do PAN?

O PAN é um partido profundamente ideológico e filosófico. Combater as touradas é algo ideológico, que nos separa de forças políticas como a própria AD, e é por isso que é difícil olharmos para uma futura solução governativa com este governo, por ter uma agenda de recuo nos direitos dos animais, e por privilegiar baixar o IVA das touradas ao invés de baixar o IVA da saúde animal, esquecendo-se que mais metade dos lares portugueses têm animais de companhia e que pedem melhores condições de vida, menos encargos, incluindo para tratar dos animais. Também é muito difícil podermos dar a mão a um governo que não só põe em causa a igualdade de género, como, por exemplo, corta 700 milhões de euros no combate à crise climática, mas continua a dar borlas fiscais a quem mais polui e lucra. Os portugueses sabem que contam com o PAN para lutar por estas causas, ou até mesmo quando defendemos que o acesso à habitação tem que ser feito não de forma dogmática ou espartilhada ideologicamente, mas precisamos de ter um equilíbrio para defender senhorios e arrendatários, para defender os pequenos proprietários. Ou para garantirmos que não temos medidas só para o arrendamento, mas também que as famílias e os jovens que sonham em ter casa própria tenham o direito à concretização da casa própria. Agora, aquilo que o PAN tem feito é colocar as causas que representa no centro da vida política, ao invés de ficarmos apenas a dialogar com a esquerda - seria muito fácil fazermos isso - ou a dialogar com a direita, como fazem algumas forças políticas, porque isso seria, na verdade, uma inutilidade para o país. Temos tido diferentes governos à frente do destino do país, e o pior serviço que poderíamos fazer em democracia a quem nos elegeu era deixarmos de lutar pelas causas que estamos a representar no Parlamento.

Quando vê a expressão “ideologia de género” nos programas de alguns partidos, como os da AD e o Chega, como é que a encara? A expressão não existe em mais nenhum programa.

A igualdade não pode ser tida como um preconceito ideológico e muito me espanta que alguém que se propõe governar o país, alguém que se propõe ser primeiro-ministro de Portugal, depois espartilhe ou crie divisões entre aquilo que é a luta pela igualdade. Nós não podemos ignorar que o direito de qualquer pessoa a viver uma vida livre de violência, a poder gostar de quem quiser, casar com quem quiser, assumir a identidade que quiser ter, é uma liberdade fundamental que a nossa própria Constituição consagra. Por isso mesmo, este governo tem sido um governo de recuo e é por isso que o PAN tem sido tão importante em ser um contraponto perante a agenda da AD que, lamentavelmente, foi até atrás não só do Chega, mas sabemos que o CDS tem tido uma influência lamentável no que diz respeito aos direitos das mulheres, mas também nos direitos dos animais e no combate às alterações climáticas e, portanto, lamentamos profundamente que a igualdade não esteja espelhada no programa da AD porque, de facto, a ideologia de género não só é uma terminologia falaciosa como acaba por ser um preconceito ideológico absolutamente inaceitável.

Como é que o PAN encararia um sistema de saúde que incluísse o setor privado e o público?

O PAN está ao lado da defesa do Serviço Nacional de Saúde público. Nós queremos garantir que todos os portugueses, inclusive aqueles mais invisíveis, que muitas vezes não têm acesso à saúde, seja porque estão numa situação extrema de vulnerabilidade, porque vivem em maior isolamento, como algumas pessoas idosas e mais pobres, ou até mesmo quem está em situação de sem-abrigo, ou até mulheres, muitas vezes vítimas de fenómenos como a mutilação genital feminina, e que acabam por não aceder a esses cuidados, existe um SNS forte, público, porque é um dos direitos consagrados e não faz assim tanto tempo que temos o SNS em democracia. Aquilo que defendemos é que não podemos ter tempos de espera como temos tido até aqui. Temos que melhorar na parte também preventiva e até no conceito e na visão de saúde, e por isso é que o PAN tem defendido o conceito de uma só saúde, prevenir na dimensão da saúde humana, à saúde do planeta e à saúde animal. Este conceito dá-nos uma abordagem mais preventiva e não apenas curativa, onde já estamos a correr contra o prejuízo. Por isso, temos que ter respostas através dos centros de saúde, para prevenir mais antes de termos um SNS sem capacidade de resposta. Aquilo que nós temos a consciência é onde não existir capacidade de resposta, ser complementado e não substituído pelo privado, para não termos nem doentes oncológicos em espera, nem grávidas a ter que percorrer quilómetros para poderem ter acesso a consultas, ou até mesmo em situação de emergência ou de nascimento da criança. Tem-se falado muito na cooperação em torno da questão da guerra e da defesa nacional dos Estados-membros. Também na saúde se calhar deveríamos olhar de uma perspetiva também mais europeia, até para uma maior capacidade concorrencial do ponto de vista da aquisição de medicamentos, em particular para doenças raras, ou até mesmo de tratamentos que sabemos que encarecem o Serviço Nacional de Saúde. Sabemos que esbarramos na dificuldade que muitas vezes existe, porque nem todos os Estados-membros têm o mesmo tipo de sistema de saúde, e nesse sentido tem sido mais difícil, mas é um desafio que os Estados-membros deveriam de enfrentar.

Os 18 milhões de euros que são destinados anualmente à tauromaquia iriam suprir todas as necessidades que refere no seu programa para o SNS?

Não são suficientes para suprir todas essas necessidades, mas é por isso que nós complementamos este valor, porque fizemos os cálculos, nós temos a noção daquilo que estamos a propor. Um SNS animal custaria cerca de 120 milhões de euros a 220 milhões de euros ano, mas colmatando, quer com os 18 milhões de euros da tauromaquia, que são apoios diretos do Estado, fora tudo o resto, por exemplo a isenção que a Praça de Touros do Campo Pequeno beneficia são 9 milhões de euros. Portanto, se somarmos esse valor do fim desta isenção, seria também mais um montante que poderia ir para este valor, mas nós não nos podemos esquecer que temos uma rede de faculdades de medicina veterinária públicas que efetivamente poderiam compor esta rede para prestar apoio aos animais, sejam os animais abandonados para termos uma campanha de esterilização massiva a nível nacional, sejam os que estão aos encargos e ao cuidado das associações ou das próprias famílias carenciadas em situação de sem-abrigo.

Sente-se preocupada por haver menos eleitores recenseados em Lisboa e, por isso, precisar de mais votos do que aqueles que teve em 2024 para poder ser eleita?

Em 2024, aumentámos mais de 50% dos votos em todos os distritos. Sabemos que esse fenómeno é precisamente porque as pessoas foram corridas das cidades e que o aumento do custo de vida e da habitação em cidades ou em distritos como Lisboa afastou as pessoas. Temos neste momento uma mudança do ponto de vista da população que reside nesse tipo de distrito. Mas também não posso deixar de apelar a quem depois vai estar sobretudo a ler-nos que, independentemente do partido onde tenham votado no passado, ou independentemente daquilo que possa ser as suas diferenças ideológicas, desta vez percebam que o PAN foi de facto o partido que mais trabalhou na Assembleia da República, com uma deputada única. Agora, temos a oportunidade de voltar a ter um grupo parlamentar e com isso fazer matematicamente muita diferença naquilo que são as causas que representamos, porque tenho a certeza absoluta de que as pessoas que moram também no distrito de Lisboa querem garantir que tenham acesso à habitação para si e para as gerações futuras. Querem também garantir que temos um território adaptado às alterações climáticas e que não temos todos os anos borlas fiscais dadas a quem mais polui e lucra ao invés de estarmos a apostar em transportes públicos gratuitos, numa rede mais eficiente da ferrovia e até mesmo mais tempo e qualidade de vida para viver. Também sabemos que foi o PS e PSD, por exemplo, que esbarrou contra uma iniciativa legislativa de cidadãos que cria a licença parental igualitária remunerada a seis meses a 100%, e é o PAN que tem estado ao lado destas famílias e que vai lutar por isso na próxima legislatura. Por isso mesmo, há também aqui uma oportunidade do distrito voltar a dar voz, e até com mais força, a estas causas, não deixando também para trás as preocupações com os direitos dos animais. Mas como é evidente nesta visão holística que o PAN tem e que tem feito representar na Assembleia da República.

Inês Sousa Real: "Ideologia de género não só é uma terminologia falaciosa como é um preconceito”
Paulo Raimundo: "Não tomamos posições para ver se elas são concretizadas. Não brincamos à política”
Inês Sousa Real: "Ideologia de género não só é uma terminologia falaciosa como é um preconceito”
Rui Rocha: "Há uma distância insuperável entre IL e Chega"

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt