Forças Armadas. Os alertas dos generais em 10 pontos
O Grupo de Reflexão Estratégica Independente (GREI), que integra um vasto conjunto de generais na reserva e na reforma, entre os quais ex-chefes de Estado-Maior do Exército, Força Aérea e Marinha, sintetiza o debate do seminário realizado em abril de 2023, mas o diagnóstico ao setor, às suas fragilidades e necessidades, continua atual. Os oficiais generais reforçam os alertas que têm vindo a fazer, pelo menos, há cinco anos, quando enviaram uma carta ao Presidente da República a descrever um cenário de “pré-falência das Forças Armadas”.
Destacamos 10 pontos do texto que vai ser apresentado esta quinta-feira, que podem sustentar a tese dos generais de que !a Defesa Nacional está perante o pior cenário possível dos últimos 50 anos” e "se não houver uma reforma profunda no setor, a irrelevância militar das Forças Armadas (FFAA) é uma certeza matemática” .
1- Meta de 2% do PIB na despesa com a defesa
Portugal falhou o compromisso assumido em 2014 na Cimeira da NATO, em Gales, de até 2024 atingir a meta de 2% do PIB na despesa com a defesa. Embora haja outros países igualmente em falta (menos de um terço), a situação criada justifica atenção por várias razões:
• O escrutínio sobre os gastos de cada país irá provavelmente aumentar, em particular no que se refere ao quanto e ao como gastam;
• A situação internacional continua a agravar-se e a determinar uma maior exigência e empenho por parte dos aliados;
• A defesa nacional decaiu a um ponto tal que os 2% do PIB assumidos poderão vir a ser escassos para recuperar o muito que se perdeu na última década.
2- Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) desatualizado
O CEDN é um documento relevante porque «faz a ponte entre o planeamento de defesa – em que se situa – e o planeamento de forças – que se lhe segue».considera a Rússia um “parceiro estratégico”.
A revisão do CEDN, que data de 2013, pressupõe que se disponha de uma visão clara e de um sentido de direção para o País e para a defesa nacional, assim como de uma ideia precisa sobre:
- objetivos e prioridades;
- potencial efetivo (e resiliência) do sistema de defesa nacional;
- situação atual das FFAA;
- nível de ambição estratégico a constituir;
- os recursos que previsivelmente estarão disponíveis para a Defesa no decurso de um prazo alargado, porventura dez anos, tendo em vista a concretização dos compromissos estabelecidos no período de vigência do documento.
3- Lacunas nos arquivos administrativos
Até finais da década de 1990, a base informativa dos arquivos administrativos da defesa nacional melhorou significativamente no que toca à documentação de reuniões de conselhos, de processos de tomada de decisão na área do equipamento e das infraestruturas, e de uma variedade de outros assuntos.
Essa evolução positiva inverteu-se no início da década de 2000, começando a surgir sinais de enviesamentos, lacunas e informalidades nos arquivos. A par de uma rarefação dos documentos em papel, aumentou o «dilúvio» de publicações digitais, como mensagens de correio eletrónico, ficheiros de processamento de texto e folhas de cálculo.
Esta tendência reavivou a questão da preservação dos arquivos, porque os documentos em papel podem ser «rasurados, adulterados, ocultos, extraviados por acaso ou eliminados intencionalmente», mas os ficheiros digitais podem ter uma «existência ainda mais efémera».
4- Execução da Lei de Programação Militar (LPM)
A causa das limitações e lacunas existentes no sistema tem sido atribuída por diversos observadores a dois fatores: ao padrão (generalista, estereotipado, vago, teórico, retórico, …) das sucessivas versões do CEDN; e às crónicas dificuldades de execução da LPM.
Os orçamentos de investimento têm normalmente taxas de execução abaixo do previsto. No caso da LPM, isso resulta de cativações ou da dedução de parcelas significativas de verbas afetas à Lei; à morosidade dos concursos, por razões processuais ou de conflitualidade; e ao facto de a inscrição de um programa na LPM apenas indicar «a validação pela Assembleia da República, sob proposta do Governo, de uma intenção de aquisição de uma determinada capacidade militar»
5- Planeamento estratégico
O planeamento estratégico e de forças tem sido muito marcado por abordagens de natureza essencialmente financeira, que acabam por ser mais decisivas na escolha das opções do que a análise da envolvente estratégica.
6- Decisões casuísticas
O financiamento da defesa nacional e das Forças Armadas tem frequentemente resultado de decisões casuísticas, ditadas pela oportunidade política do curto prazo e, quase nunca, como devia, por linhas de ação orientadas por um pensamento e racional estratégico de longo prazo.
Além disso, os orçamentos de funcionamento têm sido definidos por objetivos imediatos, não obstante essa decisão poder vir a ter consequências comprometedoras mais tarde: o adiamento das ações de manutenção planeada é um exemplo elucidativo dos inconvenientes dessa opção, no plano operacional e no da racionalidade económica.
7- Reforma da Estrutura Superior das Forças Armadas
Esta reforma, realizada em 2021, foi iniciada sem qualquer estudo de apoio ou consulta prévia. Esta reforma foi fundamentalmente afetada por quatro erros de cálculo:
O primeiro foi ter adotado uma metodologia e um estilo desajustados da estrutura e cultura organizacional existente;
O segundo foi ter ignorado que as FFAA são um elemento orgânico da estrutura da defesa nacional, mas também uma Instituição militar com muitos anos, valores e princípios próprios;
O terceiro foi não ter considerado que a sociedade portuguesa não estava preparada para aceitar uma eventual «partidarização» das FFAA ou a «governamentalização» das suas hierarquias.
O quarto foi ter estabelecido determinações impossíveis de realizar, como a prática tem vindo a demonstrar.
Em suma, terá faltado a esta reforma uma noção de história e cultura militar.
8- Insuficiências recursos humanos
As insuficiências quantitativas e qualitativas na área dos recursos humanos têm efeitos negativos na defesa nacional, quer no presente, quer a prazo. Desde logo, degradam o normal funcionamento do MDN e das FFAA, depois, comprometem a regeneração ou a modernização do próprio sistema.
9- Crescentes dificuldades de recrutamento e retenção
As crescentes dificuldades de recrutamento e retenção nas FFAA devem-se a um conjunto de fatores que estão em permanente evolução: profissionais, sociais, económicos, anímicos e outros.
O MDN terá elaborado vários diagnósticos sobre a situação, mas sucessivos governos não resolveram ou suavizaram os problemas neles identificados.
Atualmente, o funcionamento das FFAA encontra-se dependente de um número reduzido de militares que asseguram a operação e a sustentação do Sistema de Forças (SF), em condições de crescente carga laboral devida à rarefação de efetivos.
Casos existem até, em que se verificam situações que se aproximam perigosamente de patamares de risco pessoal e material inaceitáveis.
10- Desinvestimento sistemático
Desde a década de 1990, as políticas públicas de defesa, têm redundado, na prática, num desinvestimento sistemático no setor, primeiro na área do material e, posteriormente, na do pessoal.
Até 2015, as reduções incidiram nos recursos materiais, nos programas de reequipamento das FFAA e na rubrica de “capital e investimento”, com reflexos na edificação do SF.