O momento não podia ser mais oportuno, com a Defesa Europeia na ordem do dia, para a apresentação de um novo livro do Grupo de Reflexão Estratégica Independente (GREI), que integra um vasto conjunto de generais na reserva e na reforma, entre os quais ex-chefes de Estado-Maior do Exército, Força Aérea e Marinha. Desafios para a Segurança e Defesa Nacional - Uma reflexão, sintetiza o debate do seminário realizado em abril de 2023, mas o diagnóstico ao setor, às suas fragilidades e necessidades, continua atual. Os oficiais generais reforçam os alertas que têm vindo a fazer, pelo menos, há cinco anos, quando enviaram uma carta ao Presidente da República a descrever um cenário de “pré-falência das Forças Armadas”.O retrato “atualizado e adaptado” será apresentado amanhã num novo seminário e, de acordo com o texto a que o DN teve acesso, pode ter mudado o Governo, mas os mesmos problemas persistem ainda e o GREI não receia palavras de combate. “A Defesa Nacional está efetivamente confrontada com uma crise muito difícil que resulta da combinação rara de circunstâncias desfavoráveis: externas e internas, estruturais e conjunturais, materiais e imateriais, dinâmicas e estáticas, objetivas e subjetivas, controláveis e incontroláveis. E tudo isto coloca a Defesa Nacional perante o ‘pior cenário possível’ dos últimos 50 anos”, é referido na “reflexão” inicial do livro. Continua, sublinhando que “alguns observadores falam mesmo em ‘tempestade perfeita’ para descrever o atual estado de coisas. Outros preferem a imagem do ‘castelo de cartas’ ou a metáfora do ‘dominó’, uma vez que o enfraquecimento de um dos segmentos ou a perda do equilíbrio dinâmico do conjunto pode conduzir ao colapso do sistema. Perante o estado de coisas que se observa há quase duas décadas, era inevitável que tarde ou cedo surgiria uma crise na Defesa Nacional. No entanto, ela não teria a gravidade a que chegou se certos desenvolvimentos tivessem sido antecipados e minorados os seus efeitos. Não foi isso que aconteceu e, deste modo, vários Governos tiveram a sua parte de responsabilidade na atual situação. Devemos acrescentar, prudentemente, que, se não houver uma reforma profunda no setor, a irrelevância militar das Forças Armadas (FFAA) é uma certeza matemática”. . Fernando Melo Gomes, ex-chefe de Estado-Maior da Armada e um dos porta-vozes do GREI, reconhece a oportunidade conjuntural da análise destes oficiais superiores, bem como o facto de as conclusões e avisos de 2023 estarem ainda atuais: “Desde o último seminário não mudou nada, zero. O que aconteceu, nesta última semana, com Donald Trump a ditar um aparente afastamento dos Estados Unidos da Europa, vai ter um custo enorme para a União Europeia, em geral, e para nós, Portugal, em particular. Não nos podemos esquecer de que somos uma nação atlântica e o nosso espaço estratégico está no Atlântico”, assevera.O Almirante assinala que “esta modificação de política era previsível” e que “o desprezo de Portugal e da Europa pela Defesa vai ter consequências gravíssimas”.De facto, desde o “estado de pré-falência” que, em 2020, identificou “dificuldades inéditas”, “mínimos” de efetivo “nunca verificados”, “situação em geral grave, mas, no caso do Exército, de emergência institucional”, “dificuldades de sustentação e manutenção”, Melo Gomes vê “melhorias muito tímidas sobre os vencimentos, como equiparar Suplemento da Condição Militar ao Suplemento de Risco e Serviço nas forças de segurança, e em relação a alguns sistemas”.Vários “problemas” são elencados no texto (ver 10 exemplos em baixo), insistindo, mais uma vez, nas “insuficiências quantitativas e qualitativas na área dos recursos humanos”, as quais, adverte o GREI “têm efeitos negativos na Defesa Nacional, quer no presente, quer a prazo” pois “degradam o normal funcionamento do Ministério da Defesa Nacional e das FFAA” e “comprometem a regeneração ou a modernização do próprio sistema”.Segundo os generais, “o funcionamento das FFAA encontra-se dependente de um número reduzido de militares que asseguram a operação e a sustentação do Sistema de Forças em condições de crescente carga laboral devida à rarefação de efetivos”. Deixam um novo aviso: “Casos existem, até, em que se verificam situações que se aproximam perigosamente de patamares de risco pessoal e material inaceitáveis.”10 problemas identificados1- Portugal falhou compromisso assumido em 2014 na Cimeira de Gales da NATO, de até 2024 atingir a meta de 2% do PIB na despesa com a defesa2- Conceito Estratégico de Defesa Nacional desatualizado (é de 2013), considera a Rússia um “parceiro estratégico”3- “Enviesamentos, lacunas e informalidades” nos arquivos administrativos da defesa nacional4- Crónicas dificuldades de execução da Lei de Programação Militar5- Planeamento estratégico e de forças marcado por abordagens de natureza essencialmente financeira 6- Financiamento da defesa nacional e das FFAA resulta frequentemente de decisões casuísticas, ditadas pela oportunidade política do curto prazo7- Reforma da Estrutura Superior das Forças Armadas sem noção de história e cultura militar8- Insuficiências quantitativas e qualitativas de recursos humanos9- Crescentes dificuldades de recrutamento e retenção nas FFAA10- Desde a década de 1990, as políticas públicas de defesa têm redundado num desinvestimento sistemático no setor