O PCP tem estado, ininterruptamente, representado em Lisboa desde que há democracia. João Ferreira, vereador na capital desde 2013, explica ao DN porque o partido não aceitou fazer parte da coligação com o PS, Livre, Bloco de Esquerda e PAN à Câmara Municipal. Além das críticas à política de Moedas, aponta a mira aos socialistas, estranhando a aprovação de orçamentos e apoio ao programa do PSD-CDS.O PS, o Livre, o Bloco e também o PAN tentaram um acordo com o PCP. Confirma essa tentativa por parte destes partidos? O PCP integra uma coligação desde há alguns anos, há muitos anos, que, além do PCP tem o Partido Ecologista Os Verdes e a Associação Intervenção Democrática e muitos milhares de independentes, também em Lisboa, gente sem partido, que se revê no projeto autárquico da CDU. Desde 2013, sucessivamente, tenho vindo a ser eleito nas listas da CDU como vereador. Neste momento, temos outra vereadora. É uma coligação que não apareceu hoje, tem ao longo dos últimos 12 anos, a partir de uma posição que é de oposição, tentado construir a cidade. Temos sido uma oposição sempre muito crítica, atenta e construtiva também, que não abdica de denunciar o que está mal, mas procura propor soluções para resolver os problemas que a cidade enfrenta. Há uma coligação que é, digamos, liderada pelo Partido Socialista, o qual nos últimos 24 anos teve durante 14 anos o governo da cidade nas suas mãos. E mesmo nos últimos quatro anos, o Partido Socialista viabilizou todas as principais opções de gestão da coligação PSD-CDS em Lisboa. Carlos Moedas não teve um número de vereadores que lhe permita tomar, de forma maioritária, decisões cruciais, orçamentos, grandes opções do plano, algumas questões em matéria de fiscalidade, como a devolução do IRS, licenciamentos urbanísticos, grandes opções no domínio do urbanismo. Ao longo dos últimos quatro anos, o PSD e o CDS e Carlos Moedas contaram sempre com o apoio do Partido Socialista. Não se pode dizer que a responsabilidade da degradação do serviço de higiene e limpeza urbana, da gestão de espaços verdes, sejam problemas que começaram nos últimos quatro anos. PS e PSD estiveram juntos a aprovar o Plano Diretor Municipal, que tem viabilizado, em grande parte, a especulação imobiliária. Ora, nós não podemos esperar que se mude alguma coisa nestas áreas da vida na cidade com os mesmos protagonistas que nos trouxeram até aqui. Se alguns acreditam nisso, é problema deles. Mesmo alguns dos que nos últimos quatro anos se habituaram a votar diferente daquilo que votou o Partido Socialista. .Pelas suas palavras depreendo que sente que o PS nunca foi uma força de oposição e que, por isso, mesmo com um novo nome, o de Alexandre Leitão, não era viável aproximarem-se?Repare, Carlos Moedas queixa-se muitas vezes dos bloqueios da oposição. Era importante que lhe perguntassem, de uma vez por todas, a que bloqueios se refere. Ele não tem, verdadeiramente, razões de queixa. Bloqueou, sim, algumas das nossas medidas, tão importantes como o ordenamento e regulação do turismo, a Carta Municipal do Turismo, medidas no domínio da promoção da segurança rodoviária, da promoção de modos de mobilidade suave, a criação de um serviço de transporte escolar na cidade, intervenções nas escolas do ensino básico. Aqui à volta, na área metropolitana de Lisboa, o Partido Socialista faz uma oposição, por vezes, diametralmente oposta à que escolheu ter em Lisboa. A Moedas não colocou entraves, sem pedir condições, viabilizar orçamentos. Ora, é justo que se peça contas ao Partido Socialista. Se hoje temos muitos mais hotéis em Lisboa do que tínhamos há quatro anos, hotéis que estão em edifícios que antes eram de habitação, também o devemos ao Partido Socialista, que decidiu viabilizar essa conversão de usos do solo. Vamos fingir que está tudo bem? Ou, pelo contrário, reconhecer que convergiram?Existiu uma aliança com Jorge Sampaio nos anos 90 e levou, inclusivamente, a CDU a estar sempre representada na Câmara. É um cenário irrepetível?Essa experiência foi positiva, que nós valorizamos. Mudou a face da cidade sob vários pontos de vista, para melhor. Contudo, recordo-lhe que antes dessa coligação o PCP tinha mais vereadores na Câmara Municipal de Lisboa do que o Partido Socialista. Aquilo que correu bem resultou em grande medida de um programa que o PCP teve força para impor e que mudou a face da cidade. Estamos sempre disponíveis, seja com quem for, para medidas que respondam aos problemas da mobilidade, da habitação, da degradação da qualidade ambiental, da qualificação ao nível da cultura, do desporto. Estamos disponíveis para isso. Agora, antes de perguntarmos com quem, temos que perguntar para quê? E se calhar alguns não se deram ao trabalho de fazer esta pergunta. Sabemos o que vamos fazer de diferente. E vamos fazer muita coisa diferente daquilo que fez o Partido Socialista nos últimos quatro anos: melhorar serviços municipais de higiene e recolha do lixo, de gestão dos espaços verdes, de equipamentos de uso coletivo, de qualificação do espaço público, melhoria da iluminação pública, redução do ruído, da poluição atmosférica.Por tudo o que diz, e até olhando ideologicamente à esquerda, estranhou a aliança entre Livre, Bloco de Esquerda, PAN e PS?Se alguns entendem que é por aqui que vamos encontrar uma alternativa de governo na cidade, não temos mais do que respeitar essa posição. Embora possa haver aí também outro tipo de motivações, nomeadamente preservar algum tipo de lugares. Não trocamos princípios por lugares. Os lugares são uma forma de concretizar princípios e um programa e um projeto e uma visão para a cidade que temos. Essa visão e esse projeto confronta-se com o que foram os últimos quatro anos de Moedas, mas também com o que foi a atuação do Partido Socialista antes disso. Algumas dessas forças, em áreas importantes na vida da cidade, votaram de forma antagónica na Câmara Municipal ao longo dos últimos anos, de forma recorrente. Só lhe posso dizer que mantemos a nossa coerência. Precisamos de recuperar a cidade para aquilo que a população necessita, não para o que o promotor imobiliário acha que é a melhor forma de extrair mais-valias. Essa inversão tem de se operar com aqueles que pensam no interesse público. Não foi até hoje o caso nem do PSD, CDS, nem do PS.Percentualmente, o que seria necessário para manter o cargo de vereador?A CDU tem neste momento dois vereadores. Em 17 vereadores, dois vereadores da CDU fizeram muito trabalho, mas não chegou para aprovar tudo aquilo que gostaríamos. Precisamos de mais. E é com essa disposição que vamos para esta batalha. Não aceitamos à partida que nos subordinem a objetivos menores. Estamos preparados para disputar e assumir todas as responsabilidades em Lisboa, incluindo a presidência da Câmara Municipal. O poder local tem uma natureza muito especial e as pessoas, mais do que noutras eleições, olham ao seu bairro, à sua rua e a quem demonstrou não ser capaz de lhes garantir ruas limpas, um trânsito funcional, uma regulação do ruído. A CDU, pelo conhecimento que tem da cidade, pela experiência que tem no poder local, na gestão não só da Câmara de Lisboa, mas de outras câmaras espalhadas pelo país, tem condições de fazer muito melhor do que aquilo que se fez nos últimos anos em Lisboa. O apelo que fazemos às pessoas é que nestas eleições se afastem do que são opções eleitorais que têm noutras eleições. Uma pessoa, seja de esquerda ou de direita, não gosta de ter lixo à porta, de passar horas num engarrafamento.Historicamente, sempre que existem coligações o voto tende a ser canalizado para essas. Teme perder o cargo?Insisto no que lhe disse no início, fazemos parte também de uma coligação e, portanto, se se concentrarem votos nesta coligação, ótimo, é tudo o que precisamos. Quanto ao cargo de vereador, não reduzimos o nosso objetivo nestas eleições a eleger um vereador, até porque temos dois neste momento e a cidade precisa de mais, não de menos..Anualmente, o orçamento anual de Lisboa esteve acima dos 1.300 milhões de euros. Consegue descortinar onde foram investidos?Foram, sistematicamente, os maiores orçamentos de sempre. Para onde foi o dinheiro? É a pergunta que se tem de fazer neste momento. Sabemos que na habitação houve mais propaganda do que concretização. Temos a grande maioria dos bairros municipais da cidade sem intervenção ou com intervenção de fachada, ignorando problemas estruturais que persistem. Temos um nível de investimento muito insuficiente na Carris. Sabemos que se gastou muito em propaganda.Foram canalizados fundos públicos para isso?Fundos públicos, certamente, sim [para a propaganda]. Houve opções por serviços externos: por exemplo, da gestão pública das refeições escolares, cuja qualidade deixa muito a desejar, até à gestão dos espaços verdes. Depois, tivemos a devolução do IRS. A Câmara Municipal de Lisboa prescindiu de quase 300 milhões de euros, uma opção que foi viabilizada pelo Partido Socialista também. Mais de metade desse dinheiro vai para os 10% de sujeitos passivos mais ricos da cidade. No total, esta devolução do IRS foi mais do que se gastou, ou vai gastar, nos túneis do plano de drenagem. Foi mais do que se gastou na requalificação de todos os bairros municipais em cinco anos. Dinheiro que a Câmara prescindiu a favor dos que menos precisam e que podia ser utilizado a favor de todos. Para requalificar o parque escolar da cidade, que está num estado desgraçado.O investimento de 25 milhões de euros no Beato e a defesa do interesse dos nómadas digitais... como avalia estas opções?É património público atribuído para exploração a uma construtora privada em condições extremamente favoráveis para aquela construtora. Sabemos que este tipo de população tem um poder aquisitivo muito superior à média do poder aquisitivo da população residente na cidade. Este património público, que é escasso, podia e devia ser utilizado para a produção de habitação a renda acessível para aqueles que tendo um rendimento médio não conseguem chegar à habitação aos preços a que ela está hoje. Há medidas que têm de ser tomadas ao nível do governo. Por exemplo, alterar a atual Lei do Arrendamento, que abriu a porta a renda sem limite e a despejo sem limite também. Temos de regular o valor das rendas, construir mais habitação pública, combater a especulação imobiliária e Lisboa tem meios e deve dar um contributo, colocando habitações a arrendamento acessível e fazer com que muitas das 48 mil casas devolutas possam ser intervencionadas e arrendadas. Deve limitar-se a conversão para usos de alojamento local: neste mandato foram aprovadas 3.500 camas. Temos de reconduzir o uso prioritário das casas para a função habitacional..Política nacionalAlargando a entrevista à política nacional, o PCP ganhou 19 câmaras municipais nas últimas autárquicas, mas 11 destes presidentes terminam mandato. Teme que isso afete os resultados a nível nacional?Claro que as pessoas têm importância, os resultados desses projetos são atribuídos às pessoas. Isso representa um desafio extra. Mas Carnide, uma freguesia de Lisboa, está há 40 anos com a CDU e a população reconhece, ao olhar para o lado, que ali há um trabalho que é melhor. A verdade é que se conseguiu com mudanças na freguesia que o trabalho fosse feito, independentemente da pessoa. Espero que a CDU leve a bom porto e que daqui a uns anos se estejam a lamentar o final de mandatos de quem agora concorre pela CDU.Foi candidato presidencial. Que conselhos dá a António Filipe, numa fase em que há tantos nomes, alguns que se dizem independentes, a ponderarem avanços para a luta por Belém?António Filipe não precisa de conselhos. É parte de um projeto coletivo, foi parte da força coletiva quando fui eu à batalha e vou ser parte dessa caminhada com ele. A independência vai além de estar filiado num partido ou não. Quem defende o poder económico, tenha ou não partido, está a tomar parte a favor de certos interesses. O candidato António Filipe tem a coragem de se assumir pela Constituição, de defender trabalhadores e a sobreposição do poder político ao económico. Toma a parte que interessa.Entende que o atual Presidente da República deveria enviar ao Tribunal Constitucional as medidas de restrição à imigração?No passado, essas leis foram consideradas inconstitucionais. O Presidente da República jura fazer cumprir a Constituição, logo tem de ser consequente e agir em conformidade.A esquerda tem apontado um tratamento díspar de Aguiar-Branco, falou até em “medo” do Chega. Os deputados do PCP relatam-lhe essa frustração?As preocupações e frustração dos meus camaradas vão além disso. Temos uma Assembleia que abriu portas a retrocessos no plano social e económico, a confrontos com ideais que o 25 de Abril nos trouxe. Os portugueses podem contar connosco para os defender..Carlos Moedas diz que Lisboa vai escolher entre a “moderação assertiva que faz e o radicalismo do contra”.Alexandra Leitão reafirma meta de 20% de habitação pública em Lisboa