Foi com uma sucessão de apelos de “encostem-nos à parede!”, proferidos por André Ventura, que encerrou nesta terça-feira o debate de urgência sobre segurança, agendado pelo grupo parlamentar do Chega, na primeira sessão plenária do ano. O líder partidário, que pouco antes garantira que, “da nossa parte, a etnia cigana não terá impunidade”, aproveitou o título da manifestação “Não nos Encostem à Parede”, que decorrerá na zona lisboeta do Martim Moniz neste sábado, para atacar “pedófilos que atacam crianças” e “gandulos que incendeiam autocarros”, tal como imigrantes ilegais e gangues de ladrões: “Até ao crime acabar neste país, encostem-nos à parede, até acabarmos com eles e sermos um país de justiça e segurança para todos.” Para trás ficara uma hora de debate centrado no arremesso de perceções e estatísticas, escolhidas com afinco pelos vários partidos, enquanto a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, fez sobretudo a defesa dos esforços do Governo para melhorar as condições das forças de segurança. Depois da intervenção inicial em que o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, acusou os jornalistas, o primeiro-ministro “e até o Presidente da República” de passarem a ideia de que a insegurança “são apenas perceções da extrema-direita”, apontando “números que envergonham” em crimes como o tráfico de seres humanos e auxílio à imigração ilegal, falou pelo PS o antigo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, que apresentou Portugal como “um dos países mais seguros e pacíficos do Mundo”. O agora deputado realçou que houve mais 45 mil participações de crimes em 2003 do que em 2023, acrescentando que a entrada de 26,5 milhões de turistas nesse ano “trouxe exigência acrescida”ao trabalho das forças policiais. A escolha de José Luís Carneiro gerou reações à direita. Primeiro de Ventura, que considerou “irónico” ouvir o ministro “que desmantelou o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e permitiu a bandalheira na imigração que temos hoje”. Mais tarde, do líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, que destacou a sua “posição sensata, moderada e muito diferente daquela que temos ouvido do PS ao longo das últimas semanas”, atacando um extremismo e radicalismo “muito parecido com o Bloco de Esquerda”. Soares recorreu ao Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023, ano em que a criminalidade aumentou, e “telejornais que abrem, dia sim, dia não, com casos policiais.”Da esquerda vieram ataques ao PSD e Chega, com o porta-voz do Livre, Rui Tavares, a dizer que o “não é não” de Luís Montenegro a Ventura “deixou de ser um pressuposto válido”. A coordenadora bloquista Mariana Mortágua criticou “uma direita que combate entre si no campo do extremismo”, acusando os dois partidos de fazerem “propaganda fácil, suja e manipuladora de medos antigos e de novos desafios”. E o comunista António Filipe disse que o PCP não “alinha num discurso que procura exacerbar um sentimento de insegurança nos cidadãos”, no qual “não falta culpabilização dos imigrantes”, apontando a “convergência enorme entre o CDS e o Chega”.O centrista João Almeida também mencionara o acréscimo de criminalidade no último RASI, dizendo que “o PS vende a teoria de que deixou um país seguro”. Já a líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão, disparou nas duas direções, criticando o “discurso sectário” da esquerda e a opção do Governo “pelo populismo das soluções fáceis e ineficazes”. .Margarida Blasco centrou-se na melhoria das condições para as forças de segurança.O combate ideológico entre os grupos parlamentares que participaram no debate de urgência (no qual a deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, não chegou a intervir) levou a que a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, ficasse em segundo plano. Ainda assim, a representante do Governo distanciou-se da dicotomia entre estatísticas e perceções, preferindo centrar-se na “dignificação das forças de segurança”.Margarida Blasco realçou o “aumento histórico” no suplemento de risco dos polícias, que acarretou um aumento de 200 euros mensais em 2024, acrescido de mais 50 euros no início deste ano. E o “esforço do Governo para desbloquear a progressão na carreira” e o investimento de 20 milhões de euros em “mais e melhores viaturas”.Apesar de dizer que Portugal “é um dos países mais seguros e mais pacíficos do Mundo”, a ministra contrapôs que “a segurança é um direito que tem de ser assegurado no dia-a-dia”, pelo que “não podemos permitir o crescimento de fenómenos criminais graves”. Assim, o Governo tem na segurança “uma prioridade inabalável”, focando-se na criminalidade violenta, tráfico de droga e tráfico de pessoas. Quanto às críticas à intervenção policial no Martim Moniz, disse que se oporá “a quem tenta condicionar a independência operacional da polícia”..Casos que puseram em causa a noção de país seguro.Morte de Odair MonizO cabo-verdiano Odair Moniz, de 43 anos, foi morto por um agente da PSP, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, na madrugada de 21 de outubro de 2024. A viver em Portugal há mais de duas décadas, o cozinheiro foi vítima de uma bala que o atingiu no peito, junto à axila, na sequência de uma perseguição policial. Estava a conduzir quando foi mandado parar pela PSP. Tentou escapar, acabando por se despistar nas ruas da Cova da Moura, mas continuou a fuga, agora a pé. Os agentes que o seguiam terão disparado quatro tiros, um dos quais fatal, embora Odair Moniz ainda tenha sido levado para o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa. O primeiro comunicado sobre a ocorrência referia uma tentativa de agressão com uma faca por parte do imigrante, sendo a arma branca encontrada junto ao local. Após uma investigação da Polícia Judiciária, o agente que fez o disparo foi constituído arguido por homicídio. Caos na Grande LisboaAs circunstâncias em que Odair Moniz foi morto geraram protestos no Bairro do Zambujal, na Amadora, onde o imigrante residia e tinha um café. Logo na noite de 21 de Outubro houve contentores de lixo incendiados e um autocarro apedrejado, levando a que equipas de intervenção rápida da PSP fossem chamadas. Nos dias seguintes, a violência espalhou-se por outros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, com casos de vandalismo de mobiliário urbano. Mas também foram incendiados automóveis e autocarros da Carris Metropolitana. No incidente mais grave, na madrugada de 24 de outubro, em Santo António dos Cavaleiros (Loures), atiraram um cocktail molotov ao motorista Tiago Cacais, que sofreu queimaduras graves. Os tumultos foram diminuindo e a 26 de outubro ocorreu uma manifestação pacífica em Lisboa, organizada pela associação Vida Justa, com moradores desses bairros.Martim MonizA “operação especial de prevenção criminal” realizada pela PSP, no dia 19 de dezembro, na rua do Benformoso, no Martim Moniz, abriu uma nova frente de contestação ao Governo. A fotografia de dezenas de pessoas de mãos na parede levou o líder do PS a dizer-se “envergonhado enquanto político e revoltado com o Governo do nosso país, mas também com a direção nacional da PSP”. Montenegro, em entrevista ao DN, admitiu não ter gostado de ver as imagens. Dias antes, dizia-se “atónito” com as acusações da esquerda. A PSP, acusada de estar a ser “instrumentalizada” pelo Governo, negou e disse ter registo de 53 crimes naquela zona entre 2023 e este ano, dando conta de um homicídio a 31 de maio com recurso a arma branca. Na segunda-feira foi entregue na Provedoria de Justiça uma queixa, apoiada pelos partidos da oposição, contra a operação policial. Tiroteio em ViseuNo dia 27 de dezembro do ano passado, na sequência de um tiroteio no centro comercial Palácio do Gelo, em Viseu, uma mulher de 44 anos foi atingida, acabando por morrer no Hospital de S. Teotónio. O confronto acabou por ter como consequência ferimentos numa outra mulher, com 23 anos, e num homem de 46 anos. Os suspeitos dos disparos não foram capturados pelas autoridades, que, na altura, numa nota de imprensa confirmaram que “foram realizados todos os procedimentos de preservação e de gestão do local do crime e seguir-se-ão outras diligências investigatórias junto das testemunhas, para apurar as circunstâncias que originaram esta ocorrência em coordenação com a Polícia Judiciária”. O presidente da Câmara de Viseu, Fernando Ruas, afirmou à SIC Notícias que os disparos resultaram de uma discussão familiar no local.