Derrota da esquerda leva partidos a perder nomes experientes no Parlamento
435 dias depois de ter voltado a ser eleito como deputado, António Filipe, histórico nome comunista, falhou a reeleição enquanto número 2 da lista por Lisboa. Chegou assim ao fim mais um ano de vida parlamentar para o comunista, que se iniciou na V Legislatura (1987) e que, entre 2022 e 2024, teve um breve hiato.
Tal como há três anos, isto representa o fim da geração de deputados eleitos pela primeira vez na década de 1980 - que já em 2022 tinha sofrido uma ‘limpeza’, tornando António Filipe e Jerónimo de Sousa, ex-secretário-geral do PCP, nos únicos resistentes dessa geração. O Partido Comunista tem, aliás, uma tradição de manter os seus deputados por mais tempo na Assembleia da República, como identificou Jorge Fraqueiro na sua investigação de pós-doutoramento (onde analisou a renovação e estagnação de deputados até 2019).
Segundo o investigador, entre 1976 e 2011, o PCP tinha “valores percentuais médios de estagnação na ordem dos 60%, tendo chegado mesmo a atingir os 78% em 1985 (...) em 2015 a percentagem foi de 60% e em 2019 baixou para 45% (...)”. Renovação considerável aconteceu apenas em 1999, quando apenas 33% dos deputados se mantiveram. Quando António Filipe falhou a eleição em 2022, a “estagnação” nos parlamentares comunistas era de 43%.
Também em 2022, José Cesário, outro nome da velha guarda parlamentar, e que foi eleito pela primeira vez em 1983, não entrou no Parlamento por nem ter estado nas listas. No entanto, voltaria a ser reeleito deputado em 2024, enquanto cabeça de lista por Fora da Europa (onde consta desde 2005). Ainda com os votos da emigração por contabilizar (algo que acontecerá na próxima segunda-feira e terminará no dia seguinte), José Cesário poderá assim ser eleito outra vez.
Há um ano, isso aconteceu, mas José Cesário acabou por sair por o Governo, sendo secretário de Estado das Comunidades, algo que é expectável de acontecer agora.
PS tinha o não-eleito mais experiente além do PCP
De resto, os 'históricos' no Parlamento já são todos mais recentes, com bastante menos tempo acumulado - e quase todos do PS.
Entre os parlamentares socialistas que falharam a reeleição mesmo estando na listas, Luís Graça é o que mais tempo ocupou no Parlamento, tendo sido eleito pela primeira vez em 2015.
Todos os outros deputados estiveram, no máximo, três legislaturas no Parlamento, como o caso de Sérgio Ávila. O açoriano foi eleito pela primeira vez há 30 anos, em 1995. No entanto, o socialista sairia em 1997 para presidir à autarquia de Angra do Heroísmo e, anos mais tarde, foi vice-presidente do Governo Regional.
O regresso às lides parlamentares aconteceu em 2022, quando foi eleito como número dois pelo círculo dos Açores. Em 2024, manter-se-ia como deputado, mas, este ano (onde também estava como número dois da lista), a perda de votos do PS acabou por se fazer sentir e o açoriano não continuará como deputado.
As mesmas três eleições conseguiram vários outros nomes socialistas, como Maria Begonha ou Mara Lagriminha (2019, 2022 e 2024). João Paulo Rebelo, ex-secretário de Estado, foi eleito em 2019, mas entrou nesse ano para o Governo como secretário de Estado da Juventude e do Desporto - cargo que já tinha ocupado antes de ser deputado, em 2015.
Caso semelhante é o de Ricardo Pinheiro, que, sendo número dois por Portalegre, também falhou a eleição este ano. O ex-autarca de Campo Maior (entre 2009 e 2019) foi eleito pela primeira vez como deputado em 2019, e entrou para o Governo em 2020, como secretário de Estado do Planeamento, onde ficou até 2022. Nesse ano, voltou a ser deputado, tal como em 2024. Agora, o parlamentar socialista em representação do distrito alentejano será Luís Moreira Testa, que já foi deputado, eleito em 2015 e 2019.
Apesar de não terem sido eleitos, alguns destes nomes podem no entanto voltar a ser deputados caso seja necessária alguma substituição na bancada do PS. Mas, para isso, terão de ser o primeiro nome não eleito - algo que acontece em todos.
Além destes, há ainda outros casos, como os de Fernando Medina ou Sérgio Sousa Pinto, que não entraram nas listas do PS e nem tentaram a reeleição.
Apesar das mudanças nas listas em relação a 2024 (que envolveram, em muitos casos, mexidas na ordem dos nomes, aumentando ou diminuindo assim a probabilidade de eleição), o PS costuma ter “níveis mais altos de estagnação nas legislaturas em que assume o papel de oposição”, como indicava o estudo de Jorge Fraqueiro. Os socialistas têm também “oscilações diversas” entre 1976 e 2019. As legislativas de 1987, ano da primeira maioria de Cavaco Silva, foram aquelas em que o PS menos mexeu nas listas para a Assembleia da República: perto de 60% dos nomes desse ano foram deputados eleitos três ou mais vezes.
O impacto da perda de votos à esquerda é também refletido no BE, que depois de ter ficado reduzido a cinco deputados em 2022 (tinha 19), passou agora a ter apenas a sua coordenadora, Mariana Mortágua, como representante na Assembleia da República.
Dos quatro mandatos que os bloquistas perderam, Joana Mortágua era, a par de Isabel Pires, o nome mais experiente no Parlamento, tendo ambas sido eleitas pela primeira vez em 2015. No entanto, no caso de Isabel Pires, houve um ano (2022) em que falhou a eleição. Entraria depois como deputada para substituir José Soeiro - situação que se repetiria em 2024.
Este ano, Isabel Pires repetiu o terceiro lugar na lista pelo Porto, mas o BE só elegeu por Lisboa.
A restante bancada bloquista era composta por Fabian Figueiredo (que já tinha sido deputado em substituição durante apenas um mês em 2019) e por Marisa Matias, que, apesar da experiência acumulada no Parlamento Europeu, era uma estreante na Assembleia da República e foi eleita pela primeira vez em 2024.
Nomes fora das listas também obrigaram a renovação
Com vários nomes experientes a falharem a (re)eleição, houve saídas das listas de deputados que foram ‘forçadas’ mesmo antes das eleições.
Palmira Maciel (eleita pela primeira vez em 2015 pelo PS), por exemplo, não entrou nas listas, tal como Rosário Gamboa, que foi eleita em 2019 pelo Porto.
A bancada socialista soube ainda que não podia contar com Sérgio Sousa Pinto, que foi eleito pela primeira vez em 1995 e que, agora, se autoexcluiu das listas de deputados. Situação semelhante aconteceu com o ex-ministro das Finanças Fernando Medina (cuja primeira eleição como deputado aconteceu em 2009).
Houve também mexidas em relação a 2024 que foram forçadas pelas eleições europeias, o que obrigou o PS a pensar em substitutos para Marta Temido, Francisco Assis e Ana Catarina Mendes.