A 12 de outubro, muito do balanço de vitória das autárquicas será feito a partir da capital, que é, especialmente agora, um reflexo do país. Entre os que criticam o excesso de imigração não qualificada e a ocupação de mercearias ou cabeleireiros, que, dizem, terão aumentado a criminalidade da cidade. Ou entre os que apelam ao fim do turismo massivo e ao bloqueio de um tipo de imigração endinheirada que ocupa prédios que os portugueses não têm forma de comprar. A imigração vinda da Ásia, Médio Oriente e Leste da Europa leva a direita a mencionar que a proteção é tema central desta eleição em Lisboa; quem está à esquerda no parlamento critica a prioridade dada aos nómadas digitais. Os dois temas fundiram-se: falar de habitação é falar de imigração e vice-versa, com uma polarização pouco antes vista na sociedade portuguesa, já influente nas últimas legislativas. Por isso mesmo, a urgência surgiu da direita à esquerda: Lisboa é um espelho do que acontece, autarquicamente, de norte a sul, pois avançam alianças liberais à direita e apoios ao socialismo vindos do Livre, na maioria das vezes, e mais ocasionalmente do Bloco de Esquerda e PAN. O Diário de Notícias acompanhou iniciativas de campanha dos quatro candidatos à presidência da Câmara Municipal de Lisboa que se apresentam a eleições como representantes de partidos com assento parlamentar. À capital chegam os mesmos discursos de convicto isolamento, que se alastra por todo o país, do Chega e a única junção que o PCP considera possível, com os Verdes e Associação Intervenção Democrática, consolidando a habitual CDU. O primeiro, pela voz de Bruno Mascarenhas, diz ao Diário de Notícias que o partido “vai ganhar Lisboa”, partindo do mesmo pressuposto para os concelhos limítrofes da capital; os comunistas, que angariaram dois vereadores e que pretendem manter João Ferreira como força de oposição, procuram ter mais do que as 19 câmaras que ganharam em 2021. Os dois partidos concordam que o PS “não foi força de bloqueio a Moedas” e isso justifica-se pela aprovação sem condicionamentos dos orçamentos para a cidade, mesmo tendo os socialistas arrecadado tantos vereadores quanto Moedas (7). Os 10% do PCP em Lisboa em 2021 são números que sustentam que João Ferreira acredite num bom resultado. Bruno Mascarenhas agarra-se aos mais de 14% de votantes do Chega em Lisboa nas últimas Legislativas para poder ter um papel na capital. .A entrada da Iniciativa Liberal era determinante para legitimar a aliança em torno do atual presidente da câmara, que se diz orgulhoso dos “16 unicórnios e 82 empresas de tecnologia”, que criarão “16 mil empregos.”. Menos de 2.500 votos fizeram a diferença em 2021 e, por isso, o PS privilegiou ir além do Livre como parceiro de coligação, convencendo um Bloco de Esquerda mais fragilizado pelas últimas Legislativas e angariando o PAN que tem procurado acordos diferentes em todo o território. Historicamente, quando existem coligações à esquerda ou à direita, o voto útil tende a imperar. Por mais que conte cada um dos 17 vereadores, é inequívoco que a batalha dos próximos dois meses será entre Moedas e Alexandra Leitão e a divisão programática também contará.Habitação: os devolutos, a especulação e a sobrelotaçãoCarlos Moedas tem insistido que a Europa deve comunicar diretamente com as cidades, sem passar pelo governo do país. O mercado aberto, mais liberal, funciona para o edil lisboeta, que vinca ter ajudado nas rendas de 1.200 famílias e também entregado 2.700 casas. Um número curto olhando para os dados do Instituto Nacional de Estatística, o qual colocava 48 mil fogos disponíveis para habitação, mas em situação devoluta, a precisar de reabilitação. Carlos Moedas fala sempre da habitação, mas é o candidato que menos minutos dedica ao tema. “Vamos construir novos bairros no vale de Chelas (2.400 casas), Santo António (2.000 casas), Casal do Pinto e Quinta do Ferro”, prometeu, a 31 de julho, no Páteo Alfacinha, na Ajuda. No mesmo local onde teve o primeiro encontro imediato com a candidata socialista, ambos à procura de espaços para fazerem ações de campanha. Moedas prometeu a isenção do IMT e IMI em imóveis que realizem obras de reabilitação para futuro arrendamento, mas os prédios devolutos são marca indelével da cidade neste momento. Daí que a esquerda peça regulação e políticas públicas. Alexandra Leitão contestou o discurso de entrega de novas chaves. “Destas, metade eram projetos ou já em obra. O resto é rotatividade normal, por exemplo, nos bairros municipais quando um agregado muda é-lhe distribuída outra casa. Logo, ali entrega duas chaves. De casas novas, estamos a falar de muito poucas, não sei se na casa das centenas”, disse ao DN após uma ação de consciencialização dos problemas em Arroios, um dos quais os 3.800 fogos devolutos, avançando depois com a promessa de alcançar 20% de habitação pública. “Precisamos de projetos grandes, porque, de facto, o nível de carência habitacional em Lisboa é emergente. Estou a incluir nesses 20% a habitação municipal, mas utilizando também prédios devolutos, sobretudo aqueles que sejam públicos”, projetou a ex-ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública. A tripartição é um problema: o município tem edifícios próprios, mas a maioria ou foi ao Estado, através da concessão à Estamo, ou é, por e simplesmente, privado. “Olha, mais um que já foi”, aponta a candidata do PS e apoiada por Livre, Bloco e PAN, sinalizando um espaço convertido em parque de estacionamento do qual a câmara municipal já perdera o rasto, vendendo-o a um investidor não-nominal. “Se for possível, numa negociação com o privado, adquirir esses terrenos, vamos tentar. Mesmo os edifícios que são do Estado, não espero menos do que alguma lealdade institucional do Governo”, prometeu. João Ferreira corrobora o agravamento do IMI defendido por Leitão, mas tem menos ilusões. “A câmara tem forma de agravar o IMI para colocar casas no mercado de arrendamento. Desses 48 mil fogos, a maioria será já privada. A cidade tem privilegiado o interesse do promotor e especulador e precisamos de políticas públicas, de saber o que vamos fazer com os terrenos do aeroporto, de como vamos urbanizar o que é de urbanizar”, respondeu ao DN após reunir com uma centena de pessoas na Praça Paiva Couceiro. “Foi vendido muito património ao desbarato, não neste mandato [salvaguarda Moedas neste capítulo], mas a partir do momento em que já passou para o Estado, a solução passa pelo investimento privado. Queremos reduzir o património municipal, é impossível este grau de dependência. Gastámos 560 milhões de euros para obras de fachada”, considerou, de modo antagónico, Bruno Mascarenhas, que, depois de deputado municipal, quer garantir vereadores para o Chega, embora assevere: “Não estou a lutar para ser vereador. O Chega vai ser a primeira força política da cidade.” O homem que esteve filiado no CDS-PP mais de 30 anos ataca a meta da socialista nos 20% de habitação pública: “Só com expropriação ou rendas coercivas se chega a esse valor. Há pessoas que vão trabalhar para fora de Portugal e têm de ter direito ao recuo. Essa casa que deixam não está abandonada.”. Para combater a especulação, o Chega puxa da imigração como justificação. “Não é preciso existirem tetos ou rendas máximas. Isso é a política Mortágua. É impossível que um jovem compita com 20 pessoas que vivam num só apartamento. Temos de criar uma fórmula para evitar a sobrelotação, arranjar coimas sérias e fiscalizar. Assim, regulamos o mercado”, advogou ao DN após um percurso pelas artérias de Arroios, reconhecendo, porém, que tem “um modelo de renda de T2 de 4.500 casas com um máximo de 700 euros de renda”, fazível, diz, porque controlaria “o processo de construção para dar margem ao investidor.” À esquerda, a crítica à permissão e incentivo aos nómadas digitais com maior poder de compra, é generalizada. “Radical, num mau sentido, é as pessoas trabalharem em Lisboa e não terem onde viver, por não conseguirem pagar uma renda. Moedas quis uma cidade para elites”, disse Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco, no momento de apoio a Alexandra Leitão no miradouro São Pedro de Alcântara. “Em Lisboa, tem de se viver, os lisboetas não têm de ser forçados a sair da cidade. Não precisamos de mais unicórnios, mas de políticas para pessoas reais”, considerou nesse 19 de julho, Inês Sousa Real, do PAN. “Deve limitar-se a conversão de habitações para usos de alojamento local. Foram aprovadas 3.500 camas para alojamento local neste mandato. São precisas habitações a arrendamento acessível”, defendeu João Ferreira, associando o problema do trânsito ao da habitação: “É pela circunstância de muita gente ter sido empurrada para fora de Lisboa que, quotidianamente, entram mais de 400 mil carros e se faz uma enorme pressão sobre o espaço público.”Proteção, mobilidade e limpeza urbanaEnquanto o DN acompanhava a comitiva de Alexandra Leitão pela Praça do Chile, Liceu Camões e Morais Soares, a candidata a possível presidente da freguesia do Areeiro, do Livre, Joana Alves Pereira revelava sonhar com uma ciclovia que atravessasse o Campo Grande e chegasse ao aeroporto. Bruno Mascarenhas, dias depois, dizia-nos que gostaria de eliminar as ciclovias existentes. A divisão não se fica por aí. “Temos de garantir que a imigração, que aposta em fruta e legumes de fornecedores portugueses, fica e nos permite ter comércio local”, disse a representante do Livre à nossa equipa de reportagem, valorizando lojas ocupadas. Para o Chega a imigração é culpada pela especulação nas rendas, pelo aumento da criminalidade e pelo lixo. Em Arroios, o DN ouviu moradores e comerciantes, que se associaram ao candidato do Chega para mencionar o que Bloco, PCP e PS também disseram, que a sujidade é um problema, culpando o desinvestimento municipal. A diferença é que para o partido de direita está identificado o alvo. “Há um determinado tipo de imigração que não interessa a Lisboa nem acrescenta valor à economia. Porque são negócios, muitas vezes paralelos, para as próprias comunidades e que, portanto, não trazem acrescento aos portugueses”, atirou Mascarenhas, apoiando com mais facilidade “pessoas dos nossos países de Língua Portuguesa, que têm outra capacidade de empregabilidade para a construção e turismo”, comentou depois de ouvir lamentos de comerciantes locais, mais inseguros, dizem, e agastados por não conseguirem competir com os preços dos estrangeiros que conseguem arrendar espaços. Onde também dormem, advogam. O discurso securitário subiu de tom na coligação entre PSD-CDS-PP e Iniciativa Liberal. “Temos de combater as lojas fictícias que cada vez mais servem para dormitório ilegal”, afirmou Moedas aquando da apresentação da recandidatura, contestando a falta de “política de imigração” dos governos socialistas, garantindo ter retirado “400 tendas da cidade”, repetindo a palavra “dignidade” também usada no parlamento por Luís Montenegro. “O número geral de crimes diminuiu, mas os crimes de abuso sexual aumentaram 17%, precisamos de mais elementos da PSP nas ruas e videovigilância”, mencionou sem precisar as datas de comparação, deixando a alusão de que estes crimes derivariam de imigrantes, prometendo ainda guardas noturnos. Apesar da aproximação a algumas linhas defendidas pelo Chega, Bruno Mascarenhas garante que vai descartar qualquer convite do ‘Por ti, Lisboa’: “Nunca admitiríamos uma bandeira da Palestina no Castelo de São Jorge. Esta coligação não é de direita, só o Chega representa a verdadeira direita. Não há qualquer tipo de aproximação a Moedas, que diz mas não faz. Baixou o número de polícias municipais, estamos hoje abaixo dos 400, quando devíamos ter no mínimo 800 e com poder para atuar como um PSP em casos de fragrante delito.”Eixo central decisivoNão foi ao acaso a escolha da zona centro lisboeta para os primeiros contactos com as populações. É, naturalmente, onde os discursos contra os imigrantes mais ganham palco porque a concentração territorial agudiza problemas e assimetrias. Assim, a ida de todos os partidos às freguesias de Arroios e Areeiro, com passagens seguintes pela Penha de França ou Avenidas Novas, é estratégica. O PS ganhou Arroios desde 2012, mas a polémica incursão de Margarida Martins com um carro da junta para fazer compras que não pagou teve peso decisivo na viragem à direita em 2021. Apesar de ter chegado à presidência de 13 freguesias, mais três do que o PSD, acumulou cerca de menos 2.300 votos do que a AD, 500 desses justamente em Arroios. A sondagem de 31 de julho do ISCTE a pedido do Grupo Impresa dava conta de uma diferença de 2% entre Moedas e Leitão, com avanço para o presidente atual. É justo dizer, portanto, que a batalha poderá ser apertada. E se na margem mais ocidental da cidade, o PSD apenas conta com vitória em Belém, até nas freguesias junto ao Tejo só pôde festejar ainda no Parque das Nações; no lado de Oriente o crescimento do Chega tem sinal de registo. Ainda assim, é o eixo central Alvalade, Avenidas Novas e Areeiro, no qual o PS acumulou uma derrota de mais de 6.000 votos para a AD que a eleição se poderá decidir, fundamentalmente por serem dos círculos mais populosos. Propaganda e acordosNo discurso, é evidente que Moedas, aproveita a presença de Mortágua ao lado de Alexandra Leitão para falar de uma oposição do “Bloco da Esquerda”. “A nossa coligação tem um posicionamento político. Não somos candidatos contra ninguém”, asseverou na quinta-feira. Os partidos de esquerda vincaram que Moedas insistia na “propaganda”, criticando a publicidade nas redes sociais. João Ferreira, ao DN, afirmou que eram gastos “fundos públicos” para o efeito. Alexandra Leitão, em duas semanas de campanha, já mencionou por três vezes ataques ao “caráter”, repetindo a expressão de que “Lisboa teve quatro anos de inação”, recuando aos tempos da parceria de Jorge Sampaio nos anos 90. O problema é que esse acordo fora feito com o PCP, que recusou todas as aproximações. João Ferreira, deixou farpas a Bloco e Livre. “Algumas dessas forças, em áreas importantes na vida da cidade, votaram de forma antagónica na câmara ao longo dos últimos anos, de forma recorrente”, recordou em entrevista ao DN. Sem reconhecer o baque que pode ter no fim da noite de 12 de outubro por não constar o PCP da aliança, Alexandra Leitão vinca o programa “unido nos objetivos”, rejeitando a “uniformização de pensamento”. . O PS autárquico valoriza os independentes e os acordos. Também o resultado eleitoral ditará se a estratégia se deve manter nas Legislativas. Lisboa é, também por isso, um barómetro ao pulso dos portugueses. Entre as duas coligações uma será líder dos destinos da capital. Dificilmente, se pode cantar vitória sem ganhar Lisboa. A afirmação do Chega a nível legislativo, sob a figura de André Ventura, irá a teste. “Os portugueses querem, certamente, reequilibrar a política portuguesa, que tem um parlamento muito à direita. E isso começa em Lisboa”, lançou o repto Rui Tavares, porta-voz do Livre. Livre e CDS-PP têm força nas aliançasO papel negocial do Livre em busca dos consensos à esquerda teve papel determinante nas listas às freguesias. Correspondendo à subida eleitoral nas últimas Legislativas, com 9,4%, o PS concede a possibilidade de o partido ter três presidentes: Avenidas Novas, Areeiro e Alvalade, o tal centro da cidade onde o PS não convenceu eleitores, apostando numa tábua rasa. “O mais importante eram as ideias no acordo político, mais do que estarmos a negociar lugares”, respondeu Mariana Mortágua ao DN, desvalorizando que o Bloco não tenha qualquer candidato a líder de freguesia. “Entendemos que havia sítios onde se justificava ter uma pessoa melhor, que emergisse do território. Não tem nenhum significado especial”, considerou Alexandra Leitão. À direita, apesar de a Iniciativa Liberal ter chegado a uma votação acima dos 9% nas Legislativas, Moedas entrega ao partido três cabeças de lista, metade dos dados ao CDS-PP. Para os liberais, em Alcântara, Campolide e nos Olivais será difícil a eleição. No CDS-PP, Madalena Natividade, em Arroios, e Carlos Ardisson, do Parque das Nações, recandidatam-se.