"O que aconteceu em 2014, não ficou em 2014. O que aconteceu nas eleições internas, não ficou nas eleições internas. O que aconteceu nas Europeias, não ficou nas Europeias. O que aconteceu no Orçamento, não ficou no Orçamento. O que está a acontecer nas presidenciais, não vai ficar nas presidenciais. E renegar o passado do governo socialista é também arrependimento de ter anunciado um aeroporto à revelia do Costa?”.A análise, que este dirigente socialista diz ser “constatação”, reflete 416 dias de liderança de Pedro Nuno Santos a 7 meses das Eleições Autárquicas e a 11 das Eleições Presidenciais e com o “reacender de um rastilho” que deixou marcas “internas” que se prolongam desde 2014 - o “poucochinho” de António Costa que derrubou o secretário-geral António José Seguro, em eleições primárias, que tinha ganho as autárquicas em 2013 e as Europeias de 2014 com 31,46% dos votos contra os 27,71% do PSD e CDS.É sublinhado, apesar de Pedro Nuno Santos ter dito que as Europeias de junho 2024 transformaram o PS na “primeira força política em Portugal (…) tivemos mais votos e mais mandatos”, que o resultado ficou abaixo do que António Costa conseguiu em 2019 (9 eleitos) e foi igual ao de António José Seguro em 2014 (8 eleitos).Acentuado, porque a “esquerda tem memória”, é a tradução de que “mais mandatos” só significou um eurodeputado a mais e toda “uma equipa bem vista em Bruxelas e com trabalho reconhecido” afastada “porque sim”. E ficaram marcas de saída? Fonte próxima de antigos eurodeputados garante que “mágoas destas não se esquecem”..João Soares declara apoio a Seguro, que considera ser alvo de 'bullying' no PS. Porém, é dos que foram escolhidos - ou “afastados de Lisboa”, na leitura de um antigo eurodeputado - que têm surgido críticas à atuação de Pedro Nuno Santos. Marta Temido, Francisco Assis e Ana Catarina Mendes, por exemplo - “talvez por estarem soltos de Lisboa”, refere fonte parlamentar - não se “coíbem” de “dizer o que pensam ainda que isso contrarie as certezas” do secretário-geral.O reavivar do verão quente socialista de 2014 “traz”, por isso, “à memória”, recorda outro dirigente socialista, as palavras de Costa e o célebre “poucochinho”.“Eu sei que muitas vezes se diz que por um se ganha e por um se perde. É verdade, no futebol é assim. Na política não é assim. É que a diferença faz muita diferença, na política. É que quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho. E o que nós temos de fazer não é poucochinho. O que nós temos de fazer é uma grande mudança”, disse, nessa altura, o então presidente da Câmara de Lisboa.Para a “mudança” nas Legislativas de 2015, António Costa teve como apoiantes, entre outros, Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva, Maria de Belém, Duarte Cordeiro, João Galamba, Pedro Delgado Alves, Pedro Nuno Santos e Carlos César que dizia que o PS de Seguro poderia “comprometer” o “sucesso” do partido nessas eleições. Seguro perdeu as eleições primárias socialistas, o novo secretário-geral foi a votos nas Eleições Legislativas e perdeu para Pedro Passos Coelho e Paulo Portas.PSD/CDS obtiveram 38,36% dos votos e 107 deputados e o PS 32,31% e 86 deputados. A derrota foi transformada em vitória com o apoio de BE (19 deputados nessa altura) e do PCP (17 deputados) - uma geringonça que duraria até 2019.Parecendo distante, os de 2014, de um lado e de outro, “continuam, salvo algumas exceções, iguais”, constata um antigo dirigente. E “isso”, assegura, “está a contaminar” o processo das eleições presidenciais - como veremos mais adiante.“Os ziguezagues”A palavra é usada, por fontes parlamentares, enquanto outras preferem “hesitação”, “inconsistência” ou a ideia de que “diz-se uma coisa hoje, outra diferente amanhã e quando já nada mais se diz, acusa-se, como já o fez, dirigentes do PS de fazerem o jogo da direita, o jogo do governo”.O primeiro dos “ziguezagues”, referem fontes parlamentares, começou logo após a vitória da AD quando nos “comprometemos cedo demais “ com um Orçamento Retificativo que “nem o governo pediu ou sugeriu e que claro nunca avançou para isso” e com “a aprovação do Programa do Governo”.“Na prática”, considera um antigo dirigente, “demos de borla argumentos ao Governo para dizer que não fazia sentido aprovarmos o programa da AD, que era o mesmo o programa eleitoral, e não aprovarmos o Orçamento que traria essas medidas”.O segundo, acrescentam, foi nas “mil variantes” sobre o que fazer com o Orçamento do Estado. “E aqui, novamente, falámos cedo demais. Não conhecíamos o Orçamento, mas já dizíamos que seria praticamente impossível fazer uma aprovação”.Desde esse “praticamente impossível”, a disponibilidade de Pedro Nuno Santos passou pela versão de “muito difícil”; de uma “abertura”; de “superável”; depois um “viabilizar” antecedido ; houve ainda um “abraçar (…) para construir uma solução comum”; ainda, mais tarde, a “disponibilidade séria”; depois a certeza de que um “profundo desacordo” com o Governo, por exemplo na área da Saúde, não impediria “a possibilidade de viabilizar o OE” porque um Orçamento do Estado “não são duas medidas”; mais tarde um regresso do “praticamente impossível” e a certeza e que o PS não se comprometeria com um OE do qual discordasse “na sua globalidade”; e por fim, a garantia aos militantes, no jornal do partido, de que “se [os do Governo] persistirem em políticas que acreditamos serem prejudiciais, não hesitaremos em votar contra”.Pelo meio, durante as negociações com Montenegro, ainda houve a garantia de que “o PS só viabiliza um Orçamento do Estado para 2025 que não inclua, ou tenha como pressuposto, as alterações ao regime de IRS e IRC propostas pelo governo ou qualquer modelação dessas propostas […] se [os do governo] persistirem em políticas que acreditamos serem prejudiciais, não hesitaremos em votar contra […] quem acha que o PS fará qualquer cálculo em função de resultados eleitorais ou que tem medo de eleições está completamente enganado”.Pressionado por autarcas socialistas, pelo Presidente da República, por deputados e dirigentes do partido, Pedro Nuno Santos recuou com o argumento de que “um eventual chumbo do Orçamento poderia conduzir o país e os portugueses para as terceiras eleições legislativas em menos de três anos, sem que se perspetive que delas resultasse uma maioria estável” - na prática os recusados cálculos eleitorais.A “surpresa” que já “não era surpresa”A “perplexidade” e as críticas de José Luís Carneiro, Ana Catarina Mendes, Isabel Moreira, Marta Temido, João Costa e outros socialistas perante a nova postura de Pedro Nuno Santos sobre a imigração - a declaração de interesse e a “cultura” portuguesa “que deve ser respeitada” e que o “PS não fez tudo bem” - não “foram surpresa” para deputados e dirigentes socialistas contactados pelo DN.“Houve aqui um calculismo em alinhar entendimentos com António Vitorino [o preferido de Pedro Nuno Santos para Presidente da República] que já tinha dito mais ou menos ou mesmo durante a campanha eleitoral das Europeias, mas que não é surpresa. O alinhamento do discurso ao centro não é de agora”, afirma um dirigente socialista.A ideia é partilhada por deputados ouvidos pelo DN que recordam que já em setembro tinha havido a declaração de que os Governos de Costa “deviam ter ido mais longe”, que houve até “alguns problemas que se agudizaram”.Nessa altura, o líder do PS deu os exemplos do SNS, da construção pública de habitação e da regulação do mercado de habitação e da valorização salarial da Administração Pública, mas “estava toda a gente focada no Orçamento, se deixávamos passar ou não, e ninguém valorizou a “nova postura” que agora “criticam”.A “promessa” que passou dos “aplausos” a “crise”“O PS apoiará um candidato como há muito tempo não faz, honrando os melhores Presidentes da República que Portugal já teve: Mário Soares e Jorge Sampaio”.A frase é de janeiro de 2024, no discurso proferido no Congresso do PS, e “comprometeu” Pedro Nuno Santos a “uma escolha”, referem fontes socialistas, que se tornou na mais recente “crise interna, dividindo o partido por mais uma vez se ter falado cedo demais”- depois da do Orçamento, dos “ataques públicos a dirigentes” e até do “desligamento aos Governos do Costa”.“Teve aplausos na altura? Teve. E agora? De que valeu a pena avançar com nomes, incluindo o do Seguro, para dizer que há bons nomes do PS e agora estarmos na iminência de haver dois candidatos?”, questiona um dirigente socialista. Outro diz não perceber as “oscilações” de Mário Centeno [que recusou] para António Vitorino [que ainda não aceitou] só para “travar” Seguro que “vai mesmo avançar”. “A intromissão nas decisões pessoais e os almoços com os possíveis candidatos não auguram nada de bom para as presidenciais”, refere outra fonte.As “divisões” levaram já Seguro a dizer que a direção nacional de Pedro Nuno Santos “tem claramente um candidato que é António Vitorino” e que “a reunião da comissão nacional do dia 8 [convocada por Carlos César para dois dias depois de Marques Mendes anunciar oficialmente a candidatura] ou dirá expressamente que o candidato do PS às eleições presidenciais é António Vitorino ou definirá um perfil que assentará como luva em António Vitorino”. .Marques Mendes pressiona PS a avançar com candidato a Belém? Socialistas querem nome fechado até dia 8. Eurico Brilhante dias, ex-líder parlamentar, já veio dizer, por exemplo, que “esta procura a toda a velocidade de encontrarmos um perfil que encaixa no nome António e acaba em ino, talvez não seja a melhor maneira de resolver o problema”.Esse “Ino” é para Ana Gomes um “espertalhuço, um lobista de negócios (…) que levou a que, por exemplo, o chefe da casa civil de Mário Soares, o Dr. Alfredo Barroso, tivesse um dia dito que isso seria ter um lobista de negócios em Belém. Ele próprio também disse que era uma espécie de equivalente do Daniel Proença de Carvalho, do PS”.