SIRP. Montenegro segura chefe máxima das secretas
Sem nunca ter tido o apoio expresso do PSD, a secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), Graça Mira Gomes, deverá manter-se ainda no cargo até atingir a idade da reforma em janeiro de 2025 - daqui a menos de um ano.
O primeiro-ministro Luís Montenegro terá querido evitar mais um cenário de demissão num alto cargo do Estado e, apesar das notícias de que estaria a prazo, a Embaixadora continua, para já, ao leme das secretas.
Apesar da insistência do DN para obter uma confirmação oficial do gabinete do chefe do Governo, não obteve resposta até ao fecho desta edição.
A continuação de Mira Gomes foi confirmada por duas fontes distintas próximas dos serviços de informações e será conhecida há alguns dias, depois de uma reunião entre ambos que decorreu em S.Bento no início do mês.
Nas secretas é ainda dada como certa a permanência, para já, do diretor-geral do Serviço de Informações e de Segurança (SIS), Neiva da Cruz, e do diretor-geral do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Marinho Costa.
“O primeiro-ministro ouviu várias pessoas do setor das informações e da segurança e, como estadista que é, foi sensível aos argumentos de que, estando a embaixadora a menos de dois anos de se reformar, no atual contexto não se justificaria abrir outra frente de polémica, com mais uma demissão”, revelou ao DN uma dessas fontes, para justificar a contradição na posição do Montenegro primeiro-ministro e Montenegro líder da oposição.
Há cerca de um ano, Graça Mira Gomes esteve debaixo de fogo por causa do polémico e ainda alvo de um inquérito criminal “caso do computador”. Por sua ordem , alertada pelo Governo de que estariam em risco matérias classificadas, o SIS resgatou um computador que tinha sido levado sem autorização por um adjunto exonerado pelo então ministro das Infraestruturas João Galamba.
Entre a chuva de críticas dos mais variados quadrantes a contestar a intervenção do SIS nesta matéria de competência da Polícia Judiciária (PJ), uma das mais fortes veio do próprio Luís Montenegro, na qualidade de líder de oposição, classificando de “promiscuidade” a situação e anunciando a retirada da “confiança política” à secretária-geral do SIRP, cuja demissão chegou a reclamar ao seu antecessor, António Costa.
“Caso não ocorra qualquer demissão, quero que V. Ex.ª saiba que passará a ocorrer um facto inédito em toda a democracia portuguesa: a direção do SIRP deixará de ter a confiança do maior partido da oposição. Espero que o SIRP continue a servir o Estado, mas fá-lo-á apenas com o aval e a confiança do Governo”, escreveu Luís Montenegro na carta ao primeiro-ministro, que veio a público.
O líder social-democrata insistiu na “necessidade de substituir a secretária-geral do SIRP”, considerando que, “apesar do abuso do Governo ao solicitar, na prática, a intervenção do SIRP” na recuperação do computador levado do Ministério das Infraestruturas na noite de 26 de abril, “este serviço nunca devia ter acedido a tal solicitação”.
“A intervenção do SIRP/SIS não tem cabimento, não tem sentido, nem tem base legal” e por essa razão, “os serviços deviam ter-se abstido de intervir”, argumentava. Só que, “tendo feito o contrário, não podem deixar de ser tiradas as devidas consequências”, e por isso o presidente do PSD exigia a demissão “da maior responsável pelos serviços de informações: a secretária-geral do SIRP”.
Dirigindo-se a António Costa, Montenegro escreveu: “Pode teimar em manter tudo na mesma. É até o mais provável face à promiscuidade que, neste caso, existiu entre o Governo e os serviços de informações. Mas nessa circunstância quebra-se a regra política segundo a qual os dirigentes destes serviços beneficiam simultaneamente da confiança do Governo e do principal partido da oposição”.
Na missiva, Montenegro antecipava que os sociais-democratas iriam “propor oportunamente a mudança do regime de fiscalização parlamentar” dos serviços de informações, de modo “a torná-lo mais transparente e eficaz” - o que não se chegou a concretizar.
Montenegro não foi o único presidente do PSD a opor-se a Graça Mira Gomes. Logo quando foi nomeada por António Costa em 2017, o então presidente dos sociais democratas, Pedro Passos Coelho, afirmou que essa escolha do primeiro-ministro “não teve o respaldo” dos sociais-democratas.
Passos Coelho lamentou então que se tivesse “quebrado o consenso tradicional” entre as maiores forças políticas nacionais na escolha da personalidade que deverá liderar as “secretas”.
Até essa data, a secretária-geral do SIRP exercia as funções de embaixadora portuguesa junto da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), em Viena, cargo que ocupava desde 2015. Nessa qualidade, presidiu em 2016 ao Fórum para a Cooperação na Segurança.
Diplomata de carreira, licenciada em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa, com pós-graduação em Estudos Europeus da mesma Universidade, a embaixadora Graça Mira Gomes, segundo o Governo da altura, “possui larga experiência em questões relacionadas com a política externa e de segurança e defesa”.
No “caso do computador”, António Costa saiu em sua defesa e dos serviços de informações: “Temos de aprender a respeitar as instituições. Não me lembro de alguma vez terem sido apontadas falhas ao SIS. Isso é muito bom para a democracia. A atual secretária-geral da SIRP é uma grande diplomata portuguesa. Não conheço qualquer censura sobre os nossos serviços de informações”.
Ainda não está concluído o inquérito criminal, cuja investigação está ser realizada pela Unidade Nacional de Contraterrorismo da PJ e que, segundo o MP, tem “por objeto os factos ocorridos no Ministério das Infraestruturas e aqueles que com os mesmos se encontrem relacionados”.