General Paulo Viegas Nunes, foi nomeado em abril de 2022 e preparou o concurso público.
General Paulo Viegas Nunes, foi nomeado em abril de 2022 e preparou o concurso público.Leonardo Negrão / Global Imagens

SIRESP vai ter novo presidente. General deixa “missão cumprida”

O Governo aproveitou a realização das eleições para suspender o plano de extinguir a SIRESP, S.A., empresa que gere a rede de Comunicações de Emergência do Estado. Depois de intensa turbulência no tempo do ex-ministro Eduardo Cabrita, o sistema parece ter finalmente estabilizado com os militares na sua liderança.
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O Brigadeiro General Paulo Viegas Nunes vai deixar a presidência da SIRESP, S.A., a empresa que gere a Rede de Comunicações de Emergência do Estado, no final do mês.

“Confirmo que vou sair porque considero que terminei a minha missão. Foi uma decisão minha, por entender que está concluída a tarefa que me foi atribuída, de preparar, executar e adjudicar o concurso público para o funcionamento do SIRESP. Todos os lotes estão a funcionar de forma integrada e com um teste de stress realizado que foi o da JMJ2023”, confirmou o próprio ao DN.

Viegas Nunes regressa às Forças Armadas (não quis revelar com que funções) e deverá ser substituído por outro oficial militar, cujo nome será proposto ao Governo pelo Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, Nunes Fonseca, e aprovado pelos futuros ministros da Defesa e da Administração Interna.

A continuidade de um militar no cargo terá como um dos critérios o facto de estar já preparado um sistema que permite que esta Rede de Emergência Civil possa funcionar em interoperabilidade com a Rede de Comunicações Militar.

Nomeado em abril de 2022, Viegas Nunes, 57 anos, foi a aposta do Governo para a complexa missão de organizar todo o processo de contratações para o funcionamento do SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e de Segurança de Portugal).

A sua escolha para presidente do conselho de administração da SIRESP S.A. foi a solução para pôr fim a um período de grandes tensões marcado pelo conflito aberto entre o Governo e a então líder da empresa, com acusações mútuas de favorecimentos a empresas.

Francisca Van Dunem, na altura com a pasta da Administração Interna, quis afastar “suspeições de conflitos de interesses” e não reconduziu Sandra Perdigão Neves (quadro da Altice, uma empresa fornecedora da rede), ao mesmo tempo que ordenava a substituição de um consultor da secretaria-geral do ministério, sobre cuja imparcialidade havia dúvidas, por ter pertencido a outra empresa fornecedora (Motorola).

“Era urgente escolher alguém com qualificações, independência, sentido de Estado e espírito de missão”, justificou na altura ao DN fonte governamental envolvida no processo. Viegas Nunes tinha acabado de assumir o cargo de diretor de Comunicações do Exército quando foi convidado.

“Não havia como dizer que não. O SIRESP é um serviço crítico essencial para o país, que é preciso salvaguardar neste momento. Estou habituado a procurar soluções. Para um militar, quando se lhe atribui uma missão, é para cumprir. Fiz a minha avaliação, identifiquei o problema e propus as minhas soluções”, assinalou ao DN.

Rodeou-se de uma equipa técnica de militares altamente qualificados e em junho de 2023 estava ao lado do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, a anunciar o concurso público (Concurso Limitado por Prévia Qualificação) que veio pôr fim a 16 anos de ajustes diretos.

O Governo contratou, por 75 milhões de euros, o fornecimento de serviços para o SIRESP durante cinco anos (2023 a 2027), uma média de 15 milhões anuais, significando uma redução de encargos para menos de metade do que estava a ser despendido. Segundo os cálculos do Tribunal de Contas, desde o início do contrato em 2006 até 2019 (14 anos) o Estado tinha gastado com o SIRESP uma média de 37 milhões de euros por ano

Em 2022, quando o então ministro Eduardo Cabrita falhou o prazo para o concurso público que devia ter ficado concluído em junho desse ano, foi feito um novo ajuste direto e depois autorizadas, pelo menos, duas transferências, uma de 31,9 milhões de euros pelo prolongamento do contrato por 18 meses, e outra, como “indemnização compensatória” à SIRESP, S.A., de 11 milhões - num total de 42,9 milhões de euros, muito acima dos valores agora a concurso.

Mas em outubro passado, José Luís Carneiro, revelou que o governo iria acabar neste ano a empresa que gere o SIRESP, passando as atribuições para a Secretaria-Geral do seu Ministério. “Todos os objetivos estratégicos estão salvaguardados, haverá, sobretudo, uma alteração do modelo institucional”, afirmou à agência Lusa o governante.

Na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2024 adiantava que “atendendo à necessidade de adoção de um novo modelo de gestão da rede SIRESP, o Governo procede à extinção da SIRESP S.A. e à integração das atribuições e verbas que lhe estavam cometidas na Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna”.

Quando confirmou esta intenção, o ministro disse que nesse mesmo dia iria reunir com os 15 trabalhadores da empresa que gere o SIRESP para lhe dar conta do modelo de transição.

Mas o plano não foi nada bem recebido pelos militares que estavam na liderança. Conforme o DN noticiou, o anúncio representava uma uma reviravolta no que estava determinado em diplomas aprovados pelo próprio Governo, prevendo a criação de uma entidade da administração indireta do Estado / Instituto Público das Tecnologias de Informações e Comunicações do MAI, juntando toda a rede tecnológica que inclui a Rede Nacional de Segurança Interna e o 112.pt. A criação desta “entidade” estava prevista para dezembro de 2022.

Fontes que acompanhavam o processo - o qual depois de muita turbulência no tempo do ministro Eduardo Cabrita, parecia ter finalmente estabilizado com o primeiro concurso público realizado na história do SIRESP - manifestaram a sua apreensão com anunciado desvio, que consideram um “passo atrás” para a organização e operação de uma infraestrutura crítica do Estado.

“Por definição, uma estrutura destas na SG-MAI, como uma unidade de missão, é considerada de natureza temporária, não tem quadro próprio de pessoal e não dispõe de qualquer autonomia, ficando limitada, em termos de flexibilidade e de coordenação administrativa”, sublinha uma das fontes do MAI, lembrando que “a rede SIRESP presta serviços a 182 entidades de vários ministérios e não pode ser confundida com uma entidade integrada na estrutura orgânica de um ministério”.

Temia-se que os quadros militares, altamente qualificados, que estavam na SIRESP, S.A., pudessem não querer passar para a secretaria-geral, podendo provocar dificuldades num momento crítico da transição e consolidação da rede após o concurso público internacional. “É de muito elevado risco. Difícil de entender como um serviço crítico pode ser considerado passível de ser assegurado por uma estrutura de natureza temporária e sem recursos próprios”, assinalavam as mesmas fontes.

Os argumentos tiveram o seu peso e no final do ano, numa Resolução de Conselho de Ministros (RCM), foi anunciado que devido ao anúncio das eleições legislativas de 10 de março, se impunha “a suspensão deste processo de transformação institucional, permitindo que o processo decorra posteriormente sem interrupção”.

Na mesma RCM, “como contrapartida pela prestação do serviço público” foi atribuída à SIRESP, S. A., “uma compensação financeira, que reveste a forma de indemnização compensatória, destinada a compensar aquela empresa pelos encargos diretos e indiretos decorrentes do cumprimento das respetivas obrigações”, cujo valor foi de 26 milhões de euros.

A opção estratégica do Estado, de criação de uma operadora de comunicações de emergência e segurança foi mantida e esse papel continua a ser assumido pela SIRESP S.A.. Após o cancelamento da ideia de extinção da SIRESP, os pressupostos iniciais, que presidiram ao lançamento do concurso público, foram mantidos. 

Neste momento, a equipa está a preparar o lançamento de novas  soluções tecnológicas, como a LTE/4G/5G para a modernização da rede, que permitirá passar dos tradicionais rádios com apenas comunicação de voz, para sistemas que transmitem dados e multimédia.

Num balanço feito pela empresa, publicado na página oficial, está previsto que todo o SIRESP esteja a funcionar com 5G / LTE (Long-Term Evolution) em 2030. 

Esse mesmo documento indica também que, com os novos contratos que resultaram do concurso a Altice apenas é responsável atualmente pela “Operação, Gestão e Supervisão da Rede”, quando antes era, além disso, quem tratava também da “Transmissão: circuitos terrestres” e00 da “Redundância Satélite”. A Datacomp manteve os “Sistemas de Informação” e a Moreme os “Geradores de Emergência”. 

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