Sebastião Bugalho: “Acho muito estranho que Marta Temido não apoie Ursula von der Leyen”
Já descobriu o segredo para convencer as pessoas de que é importante, naquela véspera de feriado, irem eleger os 21 representantes de Portugal no Parlamento Europeu?
Acho que as pessoas têm essa noção, até pelo ambiente que o mundo e a Europa estão a viver. Estas Europeias são diferentes das outras. Diz-se isso de cada vez que há Europeias, mas em 2024 é mesmo verdade. Acho que os portugueses o sentem. E não tem tanto a ver com a sua confiança em relação às instituições europeias, porque os portugueses gostam da Europa, do euro e de fazer parte da Europa. Tenho sentido na rua que há um sentimento protetor em relação àquilo que a Europa é. E a invasão da Ucrânia reforçou-o. Creio que a importância de ir votar e de participar está muito presente. A nossa campanha, obviamente, tem isso em conta.
Mas existe ou não a possibilidade de as Europeias serem vistas por muitos como uma segunda volta das Legislativas ou um plebiscito do Governo da Aliança Democrática?
Por muitos eleitores ou por muitos políticos?
Muita gente poderá ver as eleições assim.
Esta entrevista está a ser gravada no primeiro dia na estrada da campanha oficial, mas na pré-campanha já sentia que o país não quer voltar para trás. Espero que a 9 de junho, com os temas europeus e o nosso programa, consigamos confirmar essa vontade de seguir em frente para o lado da Europa.
Seria uma contaminação virtuosa?
Não lhe chamaria contaminação, mas virtuosa parece-me ser um adjetivo correto.
Numa das entrevistas a cabeças de lista que o DN já fez, um candidato [Cotrim de Figueiredo, IL] disse que os que gostam da Europa distinguem-se entre quem defende reformas a sério e quem acha que as coisas vão lá com uns retoques. Revê-se nessa crítica?
Reformas das instituições europeias? Olhando para os próximos cinco anos na Europa, que é o nosso mandato, temos um grande desafio, que é o alargamento. Mesmo não querendo falar do caso da Ucrânia, que é um país em guerra, mas também irá fazer parte da família europeia, há um conjunto de países - a Sérvia, o Montenegro, a Bósnia, o Kosovo, a Albânia, a Macedónia do Norte e a Geórgia - que querem entrar na União Europeia. Julgo que não podemos cair no erro de confundir a necessidade de reforma de tratados com a necessidade do alargamento, porque quem confunde as duas coisas acaba por não conseguir nenhuma. Portugal tem de ter uma voz ativa no processo do alargamento. Nós temos uma proposta de integração gradual dos Estados-membros que têm estatuto de pré-adesão. Não me parece poucochinho estar a pensar no alargamento como futuro estratégico da União. E não me revejo, por exemplo, em mudanças de tratados que reduzam o número de comissários, porque seria não só negativo para os países que querem entrar - pois alguém que quer entrar numa família quer sentar-se à mesa com o resto da família -, como também prejudicial para nós, que somos um país pequeno. A sensibilidade portuguesa tem de estar representada no colégio de comissários. Sabemos que os comissários não vão para lá representar interesses dos países, que têm as suas pastas, mas também têm uma sensibilidade. Alguém que queira reformar tratados e instituições europeias para reduzir comissários está a retirar a sensibilidade portuguesa da Comissão Europeia. Não queremos isso, sou contra essa ideia, esta candidatura é contra essa ideia. Quem quer acabar com a unanimidade nas votações do Conselho da Política Externa está a deixar Portugal desprotegido em relação às suas alianças seculares, nomeadamente a lusofonia. Mexer só por mexer muitas vezes não dá bom resultado.
O que é que os deputados da Aliança Democrática (AD) eleitos a 9 de junho poderão fazer concretamente para responder a esses desafios?
Tenho dito muitas vezes que quero que Portugal seja mais forte na Europa. É uma coisa que os portugueses querem, porque querem ter uma voz na Europa, mas também querem uma Europa mais forte no mundo. E é um desafio difícil. Temos muito mais regras a cumprir do que os outros. Estamos a competir com players, no mundo global, que não são tão respeitadores do ambiente, dos Direitos Humanos e das regras de segurança, nomeadamente da alimentar. Somos muito mais cumpridores do que os outros, o que, no mundo em concorrência, nos deixa em alguns momentos em desvantagem. Como vamos mitigar essa desvantagem? Por exemplo, queremos melhorar o Pacto de Asilo e das Migrações, que o PPE votou a favor, assim como os Socialistas, mas temos uma visão crítica. Vamos fazer tudo no Parlamento Europeu para o Pacto ser mais humano e eficaz. Poderia ser mais eficaz no reforço dos mecanismos da imigração legal, porque muitas vezes esquecemos que a forma mais eficaz de combater a imigração ilegal e as redes de tráfico humano é reforçar os mecanismos de imigração legal, e o Pacto é humilde nessa ambição. A diretiva que prevê o Cartão Azul, o Blue Card, visa atrair talentos qualificados com contrato de trabalho e salário de três mil euros, cerca do dobro do salário médio português.
Para Portugal isso é problemático.
Obviamente que é um mecanismo quase elitista, que não está feito para países como nós. Em Olhão, um pescador perguntou-me: “Se temos um mar muito diferente do mar dos outros, por que é que as políticas têm de ser as mesmas?” É possível defender a Europa, mas respeitar a sua diversidade, seja na aquacultura, nas migrações ou na política de Defesa.
Se não se derem essas respostas, deixa-se as pessoas nas mãos dos populistas?
Isso aconteceu num período que os portugueses não esquecem, que foi a da crise financeira. Mas a Europa tem vindo a melhorar e não podemos ser excessivamente críticos e ter uma visão apocalíptica. Por exemplo, o novo modelo de governança garante aos Estados-membros da União Europeia mais autonomia nos orçamentos, desde que cumpram as regras do Plano de Estabilidade e Crescimento. Se cumprirmos com o défice e com a dívida, temos mais autonomia na nossa gestão orçamental. Isso é muito positivo, porque se tratarmos todos por igual as pessoas vão à procura de respostas dos populistas. Mas se permitirmos aos Governos nacionais uma autonomia orçamental que lhes permita diferenciar as políticas públicas, mais ao centro-direita ou mais ao centro-esquerda, sentem que existem alternativas dentro daqueles que defendem a Europa e a democracia. É um passo muito positivo que a Europa está a dar ultimamente para se proteger dos populismos, porque as pessoas só votam nos populistas quando não veem soluções do outro lado.
Por vezes é difícil convencer os políticos de que o populismo não nasce do ar...
Eu fui criticado por ter sido crítico da União Europeia. A União Europeia cresceu e melhorou, felizmente. Até acho que a União Europeia se europeizou nos últimos anos. Por uma razão muito simples: durante muito tempo a Europa, no fundo, desculpabilizava-se e responsabilizava os populistas pelos seus erros e os seus problemas, esquecendo-se de que, muitas vezes, os erros e as falhas da União Europeia também estavam a motivar a ascensão de populismos e euroceticismos. Agora, felizmente, a Europa é mais consciente de si própria. E isso permitiu este novo modelo de novas regras para a União Europeia e para a Zona Euro, que é profundamente positivo, pois dá mais autonomia aos Estados dentro do cumprimento das regras de responsabilidade financeira, que ainda por cima agora são consensuais em Portugal.
Quanto tempo demorou a responder quando Luís Montenegro lhe fez o convite para ser o cabeça de lista da AD?
O tempo que ele me deu. (Risos). Foram 12 minutos. Não estava à espera do convite, obviamente que tinha de falar com a minha família, falar com a minha entidade empregadora e fazer uma reflexão. O presidente do PSD queria propor o meu nome à direção do partido. Pedi-lhe 10 minutos, e ele deu-me 12. Foi generoso. Acabei por dizer que sim. E devo dizer que todos os dias estou mais convicto de que fiz bem.
Ao fazer essa reflexão decerto elencou riscos e oportunidades. Uns e outros continuam a ser os mesmos decorridas estas semanas?
Na política e na vida há sempre riscos e oportunidades. Na democracia há sempre o risco da vitória e da derrota. A beleza da democracia é não ganhar sempre o mesmo.
É preciso ter sempre dois discursos preparados?
Eu ainda não preparei o discurso da noite de 9 de julho, isso posso garantir. Decidi aceitar porque quero servir e porque acredito naquilo que estou a fazer. Acredito muito na minha equipa, acredito muito no meu programa, acredito muito que a Europa é uma forma de serviço público. Na minha antiga profissão, que é o jornalismo, também fui educado para a exercer com espírito de serviço público. Percebo que esta resposta possa ser muito entendida como politicamente correta, mas acredito muito no que estou a fazer, porque acredito que procurarei servir a causa pública europeia. Não tive que ver vantagens e desvantagens.
Houve alguma coisa que já tenha aprendido enquanto cabeça de lista que contrarie aquilo que acreditava enquanto comentador?
Posso dizer que sim. Estar na vida política é muito mais difícil do que as pessoas acham, inclusivamente as que estão próximas dos políticos, como os comentadores e jornalistas. É como uma bicicleta: um tipo só não cai se continuar a andar. São lições que me estão a fazer crescer. As pessoas falam muito da minha ambição, que é uma ambição de aprender e fazer melhor. E um desafio tão grande, de uma eleição nacional e europeia, num ano como 2024, está a fazer-me crescer. Se há coisa que aprendi, foi talvez... descobrir o melhor dos piores momentos. É uma lição que a política nos obriga a aprender, que nos ensina, e estou a aprendê-la com um sorriso.
Diz-se muito que a política é uma arte do compromisso.
E no Parlamento Europeu...
Um comentador, nomeadamente um comentador incisivo, não tem de se preocupar com tais coisas...
Há princípios de que nunca abdiquei: o papel do Parlamento, a autonomia do Ministério Público, a liberdade de imprensa, a pertença à União Europeia ou os Direitos Humanos. No meu percurso, enquanto analista, jornalista e comentador, durante nove anos de vida pública, tive esses princípios de que não abdiquei. E são relativamente consensuais e centrais na nossa democracia, tanto a portuguesa, quanto a europeia. Mas ser político é diferente de ser jornalista. E estou a aprender a sê-lo. Da parte dos nossos adversários, a campanha tem sido um pouco confrontacional. Eu ainda não fiz, nem vou fazer, nenhum ataque pessoal. Há ataques que me são feitos por ser jovem ou por ser envelhecido. Vários ataques.
Alguns foram bastante duros. Tânger Corrêa chamou-lhe “malformado” e Cotrim de Figueiredo descreveu-o como “precocemente envelhecido”. Foi uma surpresa?
Foi uma surpresa no sentido em que, como sabem que eu nunca o farei a eles, sabem que têm vantagem em fazer-mo a mim, porque nunca lhes responderei na mesma moeda. Podem atacar à vontade, porque estão a atacar alguém que sabem que não os vai atacar pessoalmente. Eu estou mais focado nas pessoas e nas ideias. Esta candidatura não é uma candidatura contra nenhum partido. É a favor dos portugueses na Europa e a favor da Europa no mundo. Perguntou-me se ser comentador é mais confrontacional do que ser político. É certamente mais confrontacional do que esta candidatura.
Sente-se mais preparado agora do que estava nas Legislativas de 2019, quando foi candidato [do CDS-PP] a um lugar teoricamente elegível?
Mais preparado para quê?
Para o mandato que irá assumir.
Sentia-me preparado para ser deputado da Assembleia da República em 2019. Por isso é que aceitei o convite, como independente, tal como agora. Ninguém lhe vai dizer que está 100% preparado para tudo na política, porque isso não existe. Na política é impossível estar preparado para tudo, porque na política tudo muda a toda a hora. Sinto é que temos as propostas que vão responder da melhor maneira aos anseios dos portugueses. As pessoas vêm ter comigo na rua e dizem-me isso. Sinto que os jovens querem que a habitação seja levada a sério, sinto que os mais velhos gostam da nossa preocupação com o cartão 65 Plus. Sinto-me preparado para responder a quem precisa de soluções para os seus problemas.
Tendo em conta a importância do voto jovem na viragem à direita nas Legislativas, admite que a sua escolha para cabeça de lista teve a ver também com essa circunstância?
É sempre ingrato falar em causa própria. É verdade que sou jovem, mas o nosso programa e a nossa equipa são mais do que isso. A nossa recandidata Lídia Pereira, presidente da Juventude do Partido Popular Europeu (PPE), era mais nova do que eu quando entrou para o Parlamento Europeu. E temos autarcas muito experientes, como o Paulo Cunha e o Hélder Silva. É uma equipa muito coesa e diversa, do ponto de vista geracional, regional e de percurso de vida. Para ser franco, não acho que tenha sido só escolhido pela idade ou pela notoriedade. Fui escolhido, sinto eu, porque acredito neste espírito de serviço público pela Europa e pelos portugueses na Europa. Sobre as razões que levaram o primeiro-ministro a escolher-me, terá de lhe perguntar a ele.
Condiciona-o debater com candidatos que têm idade para ser seu pai, sua mãe e até seu avô?
Não me condiciona, porque respeito todos os seres humanos com os quais debato. Aliás, telefonei aos cabeças de lista de todos os partidos, por uma questão de cortesia democrática. E já estava habituado a debater com senadores da política, como José Miguel Júdice ou Ana Gomes. O contacto com pessoas mais velhas não é exatamente uma novidade para mim, e não me sinto intimidado, mas a democracia é o voto, e temos todos o mesmo poder naquele momento. Tanta diversidade ideológica, geracional e de vida nas Eleições Europeias é um bonito elogio aos 50 anos do 25 de Abril. Só posso estar satisfeito com isso.
Nos últimos ciclos eleitorais, os partidos do PPE ficaram em posição subalterna em relação a outras forças de direita em França e em Itália, dois dos maiores países da União Europeia. Que lições se podem retirar para assegurar que o mesmo não acontecerá também em Portugal?
Com humildade e trabalho, sinto que é muito possível o sistema político português manter-se, com os seus partidos fundadores, a responder aos anseios dos portugueses. E com a AD a ser protagonista dessa resposta, pois está no Governo nacional, no Governo na Madeira, no Governo nos Açores, no Governo na capital e, oxalá, será a maior delegação do Parlamento Europeu. Se me perguntam como devemos responder aos extremismos, é respondendo aos problemas das pessoas, não tendo medo da realidade e da verdade. É olhar as pessoas nos olhos e dizer-lhes: digam-me o que as aflige e confiem em mim, porque vou resolver o problema. É não ter medo de falar de problemas de segurança, de envelhecimento, de coesão territorial, de migração. É não ter medo dos problemas para chegar às soluções. Não é inventar tabus, nem polémicas, quando não temos agenda, nem coragem de falar dos problemas. Assim é que se combate o populismo e o extremismo.
Os partidos de direita tradicional ao longo da Europa têm tido grandes dificuldades em fazê-lo.
Noutros países da Europa, esse é um fenómeno que obviamente existe, mas no nosso país... Vou dar um exemplo que nem sequer é muito favorável à AD. O PS teve uma maioria absoluta há dois anos e é um partido fundador do regime. O PSD governa, neste momento, o Governo nacional, as duas regiões autónomas e a maior câmara do país. Portanto, também tem grande preponderância eleitoral. Acho que o nosso sistema político tem resistência, o que é saudável do ponto de vista democrático, e que estas Eleições Europeias o confirmarão, com uma vitória da AD.
Ursula von der Leyen tem sido acusada de ser mais eficaz nas grandes crises do que na gestão corrente e no desenvolvimento da União Europeia. Isto é uma crítica correta?
Era impossível fazer tudo ao mesmo tempo. A Europa tem 450 milhões de habitantes e 27 Estados-membros. Era impossível gerir a crise do covid, a guerra da Ucrânia, a inflação e, mesmo assim, gerir todas as outras reformas internas de que a União Europeia precisa. No caso do mercado interno, é óbvio que a partir do momento em que há ajudas de Estado tão volumosas e díspares, pois alguns países têm capacidade de dar ajudas de Estado diretas muito maiores do que outros, isso desvirtua o mercado interno e precisa de ser acautelado. Mas era impossível responder à sucessão de crises e ao mesmo tempo manter a aposta numa revitalização tão acelerada da União Europeia. A política dos pequenos passos não tem de se manter, mas a política dos passos médios é sempre boa conselheira.
No que toca à pressão migratória, à emergência climática, ou à transição energética, a resposta da Comissão Europeia tem sido eficaz?
Dado o contexto, não posso ser excessivamente crítico. Temos de fazer a transição energética. Estamos comprometidos, mas não podemos fazer uma transição verde que sacrifique a economia europeia. Caso contrário, vamos levar os investidores a colocarem fábricas onde não haja as mesmas regras, em países fora da União Europeia, onde continuarão a poluir na mesma. O grande objetivo da transição ecológica, da transição verde, é garantir que a conseguimos fazer dentro do espaço europeu, cumprindo com as regras, mas sem incentivar os investidores a fugirem. Continuarmos a ser defensores do mercado livre e da economia social do mercado, sem cair na tentação do protecionismo, ao mesmo tempo que temos competidores industriais, como a China e os Estados Unidos. Vivemos num tempo onde não é fácil fazer escolhas, onde os dilemas existem. Um exemplo muito claro: como é que conseguimos cumprir com as metas do Pacto Ecológico e fazer a reindustrialização europeia ao mesmo tempo? É difícil, mas nós no Parlamento Europeu, com uma voz portuguesa, vamos fazer o máximo por essa transição e por essa reindustrialização, com equilíbrio e bom senso.
Uma reindustrialização que passe também por Portugal?
Que passe por Portugal. No nosso programa está uma estratégia para a competitividade limpa, em que as energias amigas do ambiente consigam trazer competitividade à economia. A União Europeia está preocupada com isso. Não vale a pena é fingir que os problemas não existem. Não vale a pena estar só focado no desafio geoestratégico e não no problema ambiental. Ou só no problema ambiental e ignorar o desafio estratégico. É que, assim, não vamos resolver nenhum e só vamos garantir que aumentam os dois.
Parece-lhe evidente que Ursula von der Leyen é a candidata ideal para dirigir a Comissão Europeia nos próximos 5 anos?
Ursula von der Leyen tem o apoio da AD, tem o apoio do PPE, e só acho estranho que não tenha o apoio do PS. Citando António Costa: “Fez um excelente mandato nos últimos 5 anos e só tenho a dizer bem.” Acho muito estranho que Marta Temido não a apoie, e isto não é um ataque pessoal - é uma constatação. Marta Temido diz que é muito a favor do Next Generation EU. É muito a favor do PRR e da bazuca. É muito a favor da aquisição conjunta de vacinas por parte dos Estados-membros da União Europeia. Foram todas políticas da Comissão Europeia de Ursula von der Leyen. Como é que ela não a apoia? Eu não percebo.
Portanto, seria coerente da parte dos socialistas apoiá-la?
Só seria coerente apoiá-la.
Vários dos seus adversários acusam o PPE e a AD de distinguirem entre a “extrema-direita boa”, dos Conservadores e Reformadores (ECR), e a “extrema-direita má”, da Identidade e Democracia (ID). Em sua opinião, que distingue essas duas famílias políticas europeias?
Há linhas vermelhas claras na nossa relação com qualquer família política: a defesa do Estado de Direito, a defesa da pertença europeia e a defesa da Ucrânia. São as nossas linhas vermelhas, com o ECR, com o ID, com quem seja.
Noutras famílias europeias há muita gente que não tem grandes pergaminhos nesses três pontos...
Repare que nós, na AD, até quando é para divergir do PPE, não temos problemas em fazê-lo. Do ponto de vista das migrações, quando há excesso de ortodoxia; na questão do aumento das taxas de juros do BCE, o PPE tinha uma posição e a AD teve outra. No Pacto de Migrações e Asilo, o PPE tinha uma posição e no reagrupamento familiar nós tínhamos outra. No que toca aos Direitos Humanos e à identidade da democracia portuguesa, não temos qualquer prurido em defendê-la, seja dos mais radicais, seja até dentro da nossa família política. O que não faço é o exercício de desonestidade política - não digo pessoal, mas política - de tentar confundir partidos nacionais com as suas famílias europeias, quando elas são tão abrangentes e diversas. Seria a mesma coisa que se eu estivesse nesta entrevista a dizer que Marta Temido é contra a interrupção voluntária da gravidez, porque o aborto em Malta é crime e o Governo é socialista. Seria a mesma coisa que se eu dissesse que Marta Temido é a favor de políticas migratórias como a do Ruanda, que deporta refugiados para outros países, porque o Governo dinamarquês é socialista. Seria a mesma coisa que se eu dissesse que Marta Temido é a favor da construção de muros físicos nas fronteiras, só porque o Pedro Sánchez, que é socialista, o fez em Ceuta e em Melilla. Não faço isso. Só lamento que o façam connosco.
O PPE deve assumir que é possível e desejável chegar a entendimentos com partidos à sua direita, como os Irmãos de Itália da primeira-ministra Giorgia Meloni?
Enquanto eurodeputado, os entendimentos que procurarei serão sempre em defesa do Estado de Direito, da União Europeia, da democracia, dos Direitos Humanos e da defesa da Ucrânia. Qualquer força política que não cumpra com estes princípios, para mim é uma linha vermelha.
Portanto, se o Chega passasse a integrar o ECR isso não alterava automaticamente a posição em relação a esse partido?
Sobre onde o Chega está, e para que família vai, ouvi várias versões: que fica no ID, que vai para o ECR, que quer fundir os dois grupos... Como não se consegue perceber a posição, não faço nenhum comentário. Posso garantir que as minhas linhas vermelhas se aplicarão ao Chega, como a qualquer outro partido no Parlamento Europeu.
Concorda com o “não é não” defendido por Luís Montenegro?
A posição de Luís Montenegro na campanha nacional é a posição da AD na campanha das Eleições Europeias, como é óbvio.
Até onde é que a União Europeia deve estar disposta a ir pela defesa da independência ucraniana?
Até à derrota russa. É a única forma de a Europa continuar defendida.
Isso implicará a intervenção de tropas europeias da NATO no terreno?
Não, porque isso significaria que, em vez de ser a Rússia que está em guerra com a Europa, também entraríamos em guerra com a Rússia, o que temos conseguido, felizmente, evitar. O que o nosso programa diz, numa proposta construtiva e em prol da paz, é alargar a força de intervenção externa europeia, que já existe, a médicos e enfermeiros militares, precisamente para salvar vidas. Em terreno de batalha, onde há quem esteja a defender o seu país, em campos de refugiados e em missões de paz. Quando pensamos em Defesa pensamos em rearmar a Europa, mas para se defender e não para atacar ninguém. Não temos uma visão belicista.
Debateu com um candidato, João Oliveira, do PCP, para quem o massacre continua por se dar armas à Ucrânia.
Todos aqueles que querem desarmar a Ucrânia querem apenas a vitória de Vladimir Putin. Se o PCP tem essa posição, só posso considerar estranho, tendo em conta que Putin foi o maior financiador dos partidos da extrema-direita europeia nos últimos 10 anos. É uma posição que não consigo honestamente compreender. E ainda menos da parte de João Oliveira, pessoa que eu estimo.
É provável que os portugueses sejam contra o alargamento se ouvirem que isso tenderá a acabar com os fundos comunitários?
Ninguém com dois dedos de testa afirmou que os fundos europeus acabam por haver alargamento. Já houve alargamento antes e não acabaram. Temos é de ser realistas: há que aumentar mecanismos de receita própria europeia. Estamos a trabalhar nisso. Há vários modelos, nomeadamente o mecanismo de ajustamento fronteiriço de carbono, a taxa sobre plásticos de utilização única e as licenças para emissão de carbono. Obviamente que a Europa tem de aumentar os meios de financiamento, mas se dissermos aos europeus e aos portugueses que o alargamento significa que os fundos vão acabar não estaremos a dizer a verdade. O alargamento é um imperativo estratégico europeu e a Europa vai ser mais Europa depois do alargamento.
A experiência na busca de consensos improváveis é um contraponto para a falta de currículo em reformas estruturais caso exista a hipótese de António Costa presidir ao Conselho Europeu?
O que no fundo me está a perguntar é se é possível que António Costa vá ser menos mau presidente do Conselho Europeu do que foi primeiro-ministro de Portugal?
Pergunto se as suas qualidades podem ser melhor aproveitadas no Conselho Europeu.
Os eurodeputados não têm voto para decidir quem vai para o Conselho Europeu, e é António Costa que tem de assumir se é candidato ou não e o Partido Socialista Europeu tem de decidir se o apoia ou não.
Há algum português ou portuguesa que gostasse de ver na próxima Comissão Europeia?
Como essa é uma escolha de um primeiro-ministro, se respondesse a essa pergunta estaria a dar razão às pessoas que acham que sou demasiado ambicioso. (Risos). Como não sou primeiro-ministro, não vou responder.
PERFIL
Sebastião Bugalho tem 28 anos e carreira no jornalismo e comentário político. Desafiado por Luís Montenegro para ser o cabeça de lista da AD nas eleições para o Parlamento Europeu, tem estatuto de independente, como nas Legislativas de 2019, quando Assunção Cristas o convenceu a ser o sexto do CDS-PP por Lisboa. Não foi eleito deputado, e recusou assumir mandato quando outros renunciaram. Filho dos jornalistas João Bugalho e Patrícia Reis, era atualmente comentador na SIC Notícias e colunista do Expresso. Também escreveu para o DN e foi jornalista do Sol e do i.
PERCURSO NA EUROPA
Há cinco anos, PSD e CDS concorreram separados às Europeias, com os sociais-democratas a terem 21,94%, com seis mandatos, e os centristas, com 6,19%, a elegerem o cabeça de lista (e atual líder) Nuno Melo. Há que recuar 10 anos para uma coligação semelhante à Aliança Democrática, com PSD e CDS a terem 27,71% em 2014, que valeram sete mandatos. novamente com vitória do PS. A última vez que o centro-direita venceu as Europeias foi em 2009, com listas separadas: o PSD teve 31,71% (oito eleitos), e o CDS-PP colocou dois, com 8,37%. A coligação Força Portugal (PSD e CDS) teve o segundo lugar em 2004, com 33,27%, na primeira vez que os partidos juntaram forças para o Parlamento Europeu. Ambos pertencem agora ao Partido Popular Europeu, mas o PSD esteve nos liberais e o CDS passou pela Europa das Nações.