Propostas dos partidos para jovens sabem a pouco. Salários têm de subir
"Enquanto temos uma política para proteger determinados grupos económicos e não lhes retirar o privilégio, deveríamos era colocar a economia ao serviço da maioria da população”, propõe o presidente da associação Moinho da Juventude, Jakilson Pereira, contrapondo a ideia de que o ordenado mínimo tenha de subir progressivamente até aos 1000 euros, em 2028, podendo acontecer já.
“É só ver a evolução daquilo que é o peso das rendas e a evolução do rendimento do trabalho”, sugere o dirigente da associação com sede na Cova da Moura, na Amadora, que diariamente lida com a realidade suburbana dos jovens e com os desafios que enfrentam, como o acesso à habitação.
Durante a última semana, intensificaram-se as apresentações de programas eleitorais dos partidos, com o objetivo de munir o eleitorado de informação que, na teoria, lhe permitirá optar pelo partido que melhor responde aos seus anseios. O tema da juventude, ligado à habitação, à Educação e à Saúde, tem sido um dos argumentos principais de cada partido. Mesmo antes deste período pré-eleitoral, já o Orçamento do Estado para 2024 trouxe medidas como os passes gratuitos para transportes para todos os estudantes até aos 23 anos, a isenção do pagamento do IRS no primeiro ano de atividade declarada, com a previsão de haver um desconto de 75% no segundo ano, 50% no terceiro e quarto anos de atividade contributiva, e 25% até ao fim da medida.
Para além disto, para reter o talento dos jovens no país, foi introduzido um mecanismo que permite aos licenciados obter a devolução do valor das propinas de licenciaturas concluídas em universidades públicas a partir de 2023, por cada ano de trabalho em Portugal. A coroar tudo isto, a partir de 2024 o salário mínimo nacional passou a ser 820 euros.
Com várias medidas para os jovens a pulular nas declarações de intenções das forças políticas, o DN ouviu os principais interessados, que têm ideias a acrescentar.
“As casas, um T2, por exemplo, há menos de três anos custavam 400, 500 euros. Agora são mil e tal”, descreve Jakilson Pereira, referindo-se ao arrendamento na zona da Buraca e da Damaia, na Amadora. “Há três anos, arrendava-se um T2 por 400 euros e na zona da Amadora encontrava-se. Hoje, é impossível”, insiste, acrescentando que é “só para vermos a evolução da economia”.
Jakilson Pereira, ao DN, referiu medidas transitórias aplicadas no ano passado, como o IVA Zero em produtos considerados essenciais. Para o dirigente da Moinho da Juventude, esta medida é um exemplo de algo que não funcionou. “Não acho que essa medida tenha feito diferença, porque tudo aumentou e o salário não aumentou. O problema é que o salário não está a acompanhar a inflação. Se tivéssemos um aumento do salário”, deixa no ar Jakilson, com reticências.
“A proposta da AD [Aliança Democrática, a coligação pré-eleitoral entre PSD, CDS e PPM], se não me engano, é um salário mínimo de mil euros até 2028 [o final da próxima legislatura]. E agora vamos ver o custo de vida, que se degradou. O aumento das coisas mais básicas, por exemplo, do pão, do leite - e isso são as últimas coisas que as pessoas vão deixar de comprar. Eu acho que, aquelas medidas que se propõem, para as pessoas da classe média-alta ou da classe média, se calhar, têm efeito. Mas para as pessoas da classe baixa, já não estou a ver efeito”, analisa o dirigente associativo, para quem “o importante é uma valorização do próprio salário, das pensões”.
Como corolário de tudo o que defende, Jakilson Pereira garante que os problemas não se resolvem “com medidas de estética, utilizando uma faixa etária como argumento”. “Nós temos a noção de que o que aconteceu nos últimos anos tem a ver com a perda de poder de compra, agravada pelo aumento da inflação. As pessoas estão a ver-se no sufoco”, aponta.
Mas, na perspetiva dos jovens, há medidas implementadas que são positivas. “As creches gratuitas fazem mais diferença do que as medidas fiscais, porque, de repente, um casal que tinha uma criança a pagar 150, 200 ou 300 euros numa ama, deixa de ter essa despesa. Há um aumento nas suas receitas diretas de 150 ou 300 euros”, conclui Jakilson Pereira.
O que dizem os partidos
Ainda não foram divulgados os programas eleitorais de todos os partidos com assento parlamentar, mas já se conhecem as intenções de cada força política no que diz respeito aos mais jovens. Não sendo uma medida concreta, a retenção de jovens em Portugal, oferecendo condições para que a emigração diminua, tem sido uma bandeira no discurso político. A começar pela habitação como argumento para manter os jovens em Portugal, os partidos não se mostram alheios a este desafio.
“Sendo um fator crítico para os jovens, a política de habitação deverá continuar a assegurar respostas que contribuam para a construção dos seus projetos de vida”, refere a moção do líder do PS, Pedro Nuno Santos, sem ainda avançar com números e medidas concretas que apoiem esta intenção.
Portanto, à semelhança de outros partidos, as propostas socialistas para o jovens só serão conhecidas quando o programa eleitoral for divulgado. Ainda assim, uma das propostas do PS que pode afetar os jovens passa por atualizar as rendas das casas partindo do salário como valor de referência para esse exercício. Para isto, os socialistas querem criar um indexante que será definido em conjunto com o Instituto Nacional de Estatística.
Quanto à AD, o programa económico, que antecipa o programa eleitoral, mostra o que os centristas e sociais-democratas pretendem fazer para responder aos desafios dos jovens, começando por encontrar os problemas. “A emigração jovem qualificada atinge níveis brutais, estimando-se que cerca de 30% dos jovens nascidos em Portugal vivam fora do país”, diz a AD, acrescentando que “esta é a taxa de emigração mais elevada da Europa e uma das maiores do mundo”.
Para além disto, continua a coligação, “os que não emigram enfrentam um desemprego jovem que ultrapassou os 20% no final de 2023 e são, em média, os que na Europa mais tarde saem de casa dos seus pais”. Ainda no plano da identificação dos desafios para os jovens e para a população em geral, a AD assinala que “a carga fiscal atingiu o valor máximo de sempre, tendo batido recordes ano após ano, nos últimos oito anos (de cerca de 37% do PIB em 2015 para 38,5% em 2022). O esforço fiscal dos portugueses (que mede a carga fiscal de cada país ajustada pelo nível de vida dos seus cidadãos) é o 4.º mais elevado da Europa”, critica o documento, apontando o dedo à governação socialista.
Perante esta lista, a resposta da AD para os jovens aparece, em grande medida, no pacote fiscal que já foi várias vezes anunciado e que agora volta a ganhar forma como promessa eleitoral. É aqui que se destaca a “adoção do IRS Jovem de forma duradoura e estrutural, que implica uma redução de dois terços nas taxas atualmente aplicáveis, com uma taxa máxima de apenas 15%, aplicadas a todos os jovens até aos 35 anos, com exceção do último escalão de rendimentos.”
Também o Chega, numa introdução ao seu programa eleitoral, para além de assumir, ainda sem contornos concretos, o combate aos “baixos salários”, ao “emprego precário” e ao “desemprego jovem” como uma prioridade política, promete “mitigar o impacto da crise na habitação nos mais jovens”.
Conhecida pela sua vontade em reduzir a carga fiscal, a Iniciativa Liberal (IL), que ainda não partilhou a totalidade das suas intenções pré-eleitorais, tem vindo a propor o fim da cobrança do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (IMT) na compra de casa própria, para além de insistir na eliminação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que poderá ter impacto na vida dos jovens que consigam superar outros constrangimentos no acesso à compra de casa.
No outro lado da barricada ideológica, a CDU, no documento orientador da sua campanha, destaca que “os trabalhadores jovens são os mais atingidos pelo desemprego, a precariedade e os baixos salários. Em consequência, têm maiores dificuldades em construir um projeto de vida autónomo ou articular a vida profissional com a vida familiar, estão mais expostos à emigração forçada e são ainda mais penalizados no acesso às prestações sociais.”
Para responder a estas dificuldades, os comunistas e os ecologistas propõem um “Salário Mínimo Nacional de 1000 euros em 2024”, para além de incluírem na sua missiva um longo parágrafo sobre a importância constitucional de garantir o direito à habitação e um extenso pacote de “justiça fiscal”, que inclui o aprofundamento da “progressividade” do IRS e a redução das taxas deste imposto para os rendimentos mais baixos. Ainda assim, o programa da CDU também contempla a “criação de um novo escalão no IRS com uma taxa nominal de 56% para rendimentos coletáveis superiores a 250 mil euros anuais”.
No início desta semana , o Bloco de Esquerda (BE), apoiando-se também no conceito de “justiça fiscal”, explicou os números das suas propostas eleitorais e desmontou o pacote fiscal da AD. “Na perspetiva da líder bloquista, Mariana Mortágua, o PSD apresentou contas que “não tem como explicar”. No que diz respeito à taxa máxima de 15% que os sociais-democratas propõem para os jovens até aos 35 anos, Mortágua lembrou que “o IRS pago em Portugal é, em média, 13,5%”, e que “só os 20% mais ricos pagam uma taxa de IRS acima” desta percentagem. Portanto, para a coordenadora do BE, esta proposta é “uma ilusão para quem não quer aumentar salários”.
Ao DN, a líder do PAN, Inês de Sousa Real, confirmou que uma das medidas do partido para os jovens passa também pelo “alargamento do regime do IRS jovem”.
Questionada sobre a semelhança entre esta medida fiscal e aquilo que a AD propõe, que entretanto foi e criticada pelo BE, Inês de Sousa Real não fechou as portas à defesa da classe média. “Existe aqui uma diferença ideológica entre nós e o Bloco de Esquerda. Para o PAN, a classe média não tem de estar sujeita reiteradamente a uma asfixia fiscal como a que temos visto até aqui”, concluiu.
Já para o Livre, no seu conjunto de propostas que incidem direta ou indiretamente nos jovens, há um foco num “compromisso de subida do Salário Mínimo Nacional ao longo da legislatura até aos 1150 euros, em 2028”.
A importância do salário
“O salário médio, ao final do mês, tem de subir em Portugal”, propõe o presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), Rui Oliveira. “Este é um problema típico de Portugal. Nós somos altamente a favor de que o salário mínimo aumente, e, por isso, todas as propostas que venham a trazer um aumento significativo nós vemos como positivas para os jovens”, continua Rui Oliveira, lembrando que “o salário mínimo aumenta por decreto na Assembleia da República, enquanto o salário médio exige uma articulação” com parceiros sociais, como confederações patronais e sindicatos. “Os patrões e os gestores têm de entender que é preciso haver uma aposta nos recursos humanos”, sublinha.
Ao DN, Rui Oliveira vê a proposta da AD com bons olhos, já avançada pelo PSD dentro do pacote de medidas fiscais anunciado no ano passado, de alargar até aos 35 anos o IRS jovem, com um teto máximo de 15%. No entanto, sugere que a subida na cobrança deste imposto aconteça a partir dos 33 anos e começar a ter gradualmente uma subida até aos 37, em vez de terminar abruptamente aos 35 anos.
No entanto, para o dirigente do CNJ, o IRS jovem até aos 35 anos “é uma política muito interessante na medida em que permite a emancipação até mais tarde”, que, explica, depois “leva a um conjunto de experiências”, como “sair da casa dos pais, ter outros pensamentos e perseguir uma questão muito importante para o país, que é a natalidade. Já falámos muitas vezes da natalidade, da questão de filhos, mas raramente conseguimos colocar isto como a primeira coisa que tem de acontecer. Para a natalidade é fundamental emancipar-se. E por isso temos de conseguir que mais rapidamente os nossos jovens se emancipem”, aponta Rui Oliveira.
Com a habitação no centro das preocupações de quem quer independência, Rui Oliveira propõe que “aqueles 20% ou 15%, que, tipicamente, os bancos pedem para a entrada no crédito à habitação” passassem a não existir. Isto é, que a compra de casa fosse “comparticipada a 100%. Essa é uma parte muito relevante, e que nós temos dito muitas vezes que era importante existir uma política de Estado para que isso acontecesse”.