Parlamento pode derrubar plano do Governo para as migrações
O Plano de Ação para as Migrações, apresentado no início desta semana pelo Governo, além de ter dominado, esta terça-feira, o discurso dos partidos na campanha para as Eleições Europeias, pode vir a ser alvo de apreciação parlamentar e, a partir daí, ter três desfechos possíveis: ficar como está, ser rejeitado na íntegra ou ser objeto de alterações. A julgar pelas reações dos partidos, a terceira opção pode vir a ser a mais viável. De qualquer modo, levar o tema à Assembleia da República é uma opção que o Governo não quer seguir, sabe o DN, ao contrário do que ponderam o PS e o Chega.
“A apreciação parlamentar de um decreto-lei, fora aqueles que são da competência exclusiva do Governo, o que não é o caso, são suscetíveis de apreciação parlamentar para efeitos de confirmação ou de alteração”, confirmou ao DN um jurista e ex-dirigente socialista. E o facto de já ter sido promulgado pelo Presidente da República faz com que já possa ser reapreciado, até porque antes disso ainda não estava na ordem jurídica.
Foi neste sentido que o tema foi abordado esta terça-feira na ação de campanha socialista, em Braga. “O PS, se entender que deve avançar com uma iniciativa, seja de reapreciação parlamentar do decreto-lei, de apresentação de uma proposta, no tempo certo anunciará”, afirmou o secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos.
Paulo Cunha / Lusa
Momentos antes, acusara o Governo de criar um “novo problema” com a alteração legislativa produzida ao obrigar os imigrantes a terem um contrato de trabalho antes de poderem regularizar a sua permanência em Portugal, sendo que os vistos de turista já não o permitem. “É que trabalhadores ilegais continuarão a entrar em Portugal. A não ser que militarizássemos as fronteiras portuguesas, os trabalhadores ilegais continuarão a entrar em Portugal na mesma. Haverá trabalhadores ilegais com contratos de trabalho, a descontar, mas como entraram ilegalmente deixam de ter um mecanismo para a sua regularização”, vincou Pedro Nuno Santos, ao lado da cabeça de lista do PS para as Eleições Europeias, Marta Temido.
Na perspetiva do líder socialista, “é o próprio Governo que prevê, no plano, a possibilidade de, por via parlamentar, se resolver estes casos, que depois se vão acumulando ao longo dos anos. Portanto, o que é que podemos vir a ter com esta solução do Governo? Regularizações extraordinárias. Como não há um mecanismo regular para quem tenha um contrato de trabalho, a trabalhar em Portugal, o que vai acontecer é que, quando se acumula um conjunto muito vasto de trabalhadores ilegais em Portugal, a trabalhar e com contrato de trabalho, passam a haver regularizações extraordinárias. E essa não é a forma correta”, rematou Pedro Nuno Santos.
Para justificar a eventual reapreciação do plano do Governo para as migrações, Pedro Nuno Santos sugeriu também que a oposição deveria ter sido ouvida. “Há de facto um sentimento de impunidade, depois um ignorar da oposição em matérias tão importantes como direitos, liberdades e garantias”, acusou.
António Pedro Santos / Lusa
Logo no início das declarações aos jornalistas, o secretário-geral do PS deixou uma crítica velada ao Presidente da República por ter promulgado tão rapidamente o Plano de Ação para as Migrações, no dia em que foi apresentada pelo Governo. “O Presidente e o Governo partem de um diagnóstico errado”, disse, apesar de, ao longo da sua intervenção, ter recusado voltar a referir Marcelo Rebelo de Sousa. Ainda assim, Pedro Nuno Santos não foi o único a trazer o Chefe de Estado para a campanha e esteve longe de ser o primeiro a ameaçar com uma reapreciação do decreto-lei dedicado aos imigrantes.
A dedicar parte da sua campanha ao tema que a tem dominado ao longo desta semana, o cabeça de lista da AD às Europeias, Sebastião Bugalho, respondeu às críticas de Pedro Nuno Santos, acusando-o de falta de humildade.
“O que eu espero é que o dr. Pedro Nuno Santos, enquanto líder da oposição, esteja ao lado de se proteger os imigrantes das redes de tráfico humano, que esteja ao lado da regularização de meio milhão de pessoas que estão num limbo que as deixa desprotegidas”, destacou Sebastião Bugalho, dizendo esperar “mais humildade da parte de alguém que fez parte” do Governo “que criou o problema”.
“Irresponsabilidade ainda maior”
Também a cabeça de lista do Bloco de Esquerda para as Eleições Europeias, Catarina Martins, não poupou nas críticas ao papel de Marcelo Rebelo de Sousa na promulgação da lei de imigrantes. “Quando o Governo diz: ‘Nós vamos deixar de tratar em Portugal o que vai ser tratado pelas nossas embaixadas e consulados, que não têm meios’; o que está a dizer é que vai piorar o problema. É uma absoluta irresponsabilidade. Que o Presidente da República vá, num instante, promulgar o que sabe que não pode funcionar é uma irresponsabilidade ainda maior”, declarou a ex-líder bloquista numa ação de campanha que decorreu esta terça-feira no Porto.
De acordo com Catarina Martins, o Chefe de Estado, que deveria ser “o garante das instituições”, promulgou as medidas do Governo que alteram a lei de imigrantes e que, defendeu, são “erradas”.
Fernando Veludo / Lusa
A candidata a eurodeputada do Bloco não referiu se o partido pondera uma reapreciação parlamentar do decreto-lei do Governo, mas a demonstração de descontentamento face ao diploma promulgado por Marcelo foi notória. “Eu não sei se a ideia é utilizar o discurso xenófobo da extrema-direita para, na última semana de campanha, ter um discurso contra a imigração. Acho um absurdo, acho errado e não tem nada a ver com o país que nós somos”, destacou.
“Carta de exigências” do Chega
Esta segunda-feira, no dia da apresentação das medidas do Governo para os imigrantes, o líder do Chega, André Ventura, inaugurou o tema de levar à Assembleia da República este decreto-lei, caso o plano se mantenha “com este nível de inconsequência e ineficácia”.
Para além disto, o líder do Chega ainda anunciou uma “uma carta de exigências ao Governo”, que inclui mudanças a quatro diplomas do decreto-lei do Governo à lei de imigrantes, para que este passe no crivo parlamentar.
Portanto, por motivos opostos aos do PS, o Chega também pode vir a propor uma reapreciação destas medidas do Governo, o que, a verificar-se, pode levar os 50 deputados do partido a juntarem-se aos 78 socialistas que potencialmente poderão levar a travar no hemiciclo aquilo que já foi promulgado por Marcelo.
A exceção à regra
A Iniciativa Liberal, entre os partidos com assento parlamentar, foi a única força política a acompanhar com agrado a alteração legislativa do Governo à lei de imigrantes e ainda saudou a rapidez com que o Presidente da República promulgou o decreto-lei.
“Registo com agrado que alguma coisa em Portugal que é descrita como urgente é tratada como urgente”, disse o cabeça de lista dos liberais às Eleições Europeias.
Miguel Pereira da Silva / Lusa
João Cotrim de Figueiredo, questionado sobre se o facto de Marcelo ter promulgado o decreto-lei do Governo três horas depois de ter sido apresentado faz com que o Presidente da República entre na campanha, respondeu que quem pensa assim é quem está “mal habituado à lentidão das instituições” em Portugal.