A proposta de Orçamento do Estado para 2025 foi aprovada na generalidade, precisamente como se previa, com a abstenção do PS a permitir que os votos favoráveis dos 80 deputados do PSD e do CDS superassem os restantes partidos com representação parlamentar, à direita (Chega e Iniciativa Liberal), à esquerda (Bloco de Esquerda, PCP e Livre) e ao centro (PAN). Mas antes e depois da votação, que culminou um debate marcadamente truculento, ouviram-se antecipações do que vem pela frente, com apelos do Governo para que os socialistas sejam “responsáveis” e recusem a tentação de aproveitar a disponibilidade do Chega para aprovarem alterações com impacto financeiro na fase de especialidade..À saída da Assembleia da República, o primeiro-ministro optou pelo otimismo, dizendo-se seguro de que o processo orçamental - que envolve duas semanas de audições com ministros, associações de autarcas e entidades públicas, com a data-limite de 15 de novembro para apresentar propostas de alteração, seguindo-se votações na especialidade e a votação final global, a 29 de novembro - possa decorrer “com maturidade democrática”..Em simultâneo, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, garantia que o seu partido terá “uma postura responsável na especialidade”, patente no facto de os quatro socialistas eleitos pelos Açores e pela Madeira não terem votado contra, limitando-se a apresentar declarações de voto. Mas acrescentou, citando o primeiro-ministro, uma das pessoas que repetiram a célebre frase de Jorge Sampaio, que “há vida além do excedente”. Palavras que ganham outra dimensão a partir do momento em que é evidente a disponibilidade do Chega para acompanhar o maior partido da oposição caso recupere prioridades como o aumento extraordinário das pensões mais baixas, tal como no início desta legislatura contribuiu com os seus 50 deputados para acabar com as portagens de várias autoestradas ou reduzir o IVA na eletricidade. Embora André Ventura tenha dito, no final do debate, que o seu partido trabalhará “com responsabilidade”, acrescentou que “se um Governo com curtíssima maioria vier dizer aos portugueses que, se forem aprovadas duas ou três medidas se demite”, isso é sinal de que “sempre quis eleições e procura um qualquer pretexto”..Tal receio levou a que o líder do CDS, Nuno Melo, que encerrou o debate, na qualidade de ministro da Defesa, tenha dito que o Governo espera uma “ética da responsabilidade do maior partido da oposição”. E, sem dar margem a dúvidas, acrescentou que “seria muito estranho destruir na especialidade o que foi construído na generalidade”..O que foi construído, na perspetiva do Governo de Luís Montenegro, foi algo que Melo descreveu como o “primeiro Orçamento do Estado de sempre que traz, em simultâneo, superávite, redução da dívida pública, não cria mais impostos e reduz a carga fiscal, baixando o IRS e o IRC”..Também por isso, o ministro da Defesa acusou o Chega de “votar contra porque, na verdade, nunca teve a intenção de votar a favor”, apontando-lhe a “clamorosa contradição” de recusar o Orçamento “que mais melhora as condições remuneratórias das forças de segurança e das Forças Armadas”. E, além de criticar as “inconstâncias sistemáticas, mudanças de opinião a ritmo alucinante e manifesta falta de linha sustentável e compreensível em política económica”, criticou o chumbo anunciado da Iniciativa Liberal. Dizendo, sobre os partidos de esquerda, ser “normal que aqueles que defendem sempre mais Estado defendam mais impostos”, diagnosticou “uma espécie de oposicionismo patológico e compulsivo” a outras forças..Antes, o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, defendera o voto contra do seu grupo parlamentar com a repetição dos “pecados capitais” do Orçamento do Estado anterior, derradeiro dos governos de António Costa. “A Iniciativa Liberal está onde sempre esteve, os senhores é que mudaram”, disse quem apresentou o seu partido como “uma oposição séria, responsável e reformista que acredita na iniciativa privada.”.Com os líderes parlamentares do PSD, Hugo Soares, e do CDS, Paulo Núncio, a encarregarem-se de defender a proposta do Governo e a criticarem a hipótese de o Orçamento do Estado para 2025 acabar por ser uma “manta de retalhos tecida na especialidade”, numa expressão do líder parlamentar centrista, as críticas dos outros partidos foram uma constante. Após Inês de Sousa Real, deputada única do PAN, ter acusado o Governo de “justificar o injustificável”, pois a proteção animal “ficou de fora”, o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, exigiu “um choque salarial”, o porta-voz do Livre, Rui Tavares, lamentou a ausência de um “Orçamento social, ecológico e de evolução”, e o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, acusou o Governo de “cortar impostos a empresas que já lucram com a economia da desigualdade”. Mesmo o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, responsável pela viabilização, repetiu que o Orçamento do Estado “traduz uma visão de que não partilhamos”..Aguiar-Branco e “escumalha”.Além da longa duração do debate, das 10h00 às 17h30, com curta pausa para almoço, os trabalhos ficaram marcados por um incidente que forçou o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, a intervir, pedindo que os deputados “se abstenham de linguagem e gestos inapropriados”. Em causa esteve a reação de vários eleitos, mas sobretudo do social-democrata Miguel Santos, à intervenção de André Ventura. Tudo aconteceu quando o líder do Chega criticava as prioridades do Executivo de Luís Montenegro quando disse que se trata de “um Governo tão ladrão como o anterior, que nos tirava de um lado para dar do outro”..Perante as reações exaltadas, Aguiar-Branco lamentou que se tenham ouvido expressões como “escumalha” e “miseráveis”, recordando que nas galerias da Assembleia da República estavam estudantes a acompanhar o debate. Dentro de um mês, a 28 e 29 de novembro haverá mais.