O “leilão de promessas” para os pensionistas visto à lupa

O “leilão de promessas” para os pensionistas visto à lupa

Os maiores de 65 anos são 2,5 milhões. Um mercado eleitoral apetecível, a que os partidos têm piscado o olho nesta pré-campanha. Mas, afinal, o que é que defendem PS, PSD, Chega, IL, PCP e BE? E que consequências podem ter as suas propostas?
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"Estamos a ser alvo de um assédio nunca visto, mas os reformados não estão a leilão”, avisa com ironia Rosário Gama, presidente da Associação dos Pensionistas e Reformados (APRe!), quando o DN lhe pede para analisar as propostas que os vários partidos começaram já a anunciar. Não é por acaso que, no arranque da pré-campanha para as legislativas de 10 de março, o tema da Segurança Social pareça estar a dominar parte das promessas eleitorais. Segundo a Pordata, 24% da população portuguesa tem 65 anos ou mais. Ou seja, são 2,5 milhões de potenciais eleitores. E podem ser decisivos para conquistar maiorias.

Que o diga Aníbal Cavaco Silva, o primeiro-ministro que criou o 14.º mês para os pensionistas em 1990 e, também por isso, conquistou uma segunda maioria absoluta. José Silva Peneda, o ministro responsável pela medida no governo de Cavaco, recorda-se bem de como o então primeiro-ministro geriu o anúncio da medida. Depois de fazer todas as contas, comunicou a Cavaco Silva que estavam em condições de avançar com o subsídio de férias para os reformados. Cavaco pediu-lhe “total sigilo sobre o assunto”. 

“O PS tinha Congresso no último fim de semana de maio e era costume os líderes eleitos darem entrevista à RTP na quarta-feira seguinte”, recorda Silva Peneda ao DN. No dia em que o recém-eleito Vítor Constâncio ia à televisão, o governo fez o anúncio. 

Um dia depois, José Silva Peneda encontrou o deputado António Guterres nos Passos Perdidos, no Parlamento. “Tinha percebido que o PS não tinha hipóteses”.

Desta vez, os pensionistas têm um leque de promessas, mas falta avaliar o grau de credibilidade e os efeitos práticos que podem ter.

PSD promete o que PS ia dar?

Luís Montenegro, na Convenção da AD no domingo, assumiu o objetivo de PSD e CDS fazerem as pazes com os reformados, depois dos cortes do Governo de Passos Coelho e Paulo Portas. “Esta é a altura de nos reconciliarmos com os reformados e os pensionistas de Portugal”, disse, antes de anunciar que pretende “valorizar as pensões, seguindo os critérios da lei” e “aumentar o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 820 euros, numa primeira legislatura, e para ser igual ao valor do salário mínimo nacional, numa segunda legislatura”.

Será viável? José Silva Peneda diz que não tem “as contas” para saber, mas recorda que o CSI só é atribuído mediante condição de recursos, ou seja, a quem não tem outros rendimentos ou património. Por isso, Silva Peneda acha que “é preferível isso só do que aumentar as pensões”.

Rosário Gama não se deixa impressionar pela promessa. “Não é nada de extraordinário”, reage, explicando que este ano o CSI ia passar para os 550,57 euros e que “se tivesse crescido sempre a este ritmo, em 2028 o complemento solidário de idosos seria de 810 euros”. Aquilo que Rosário Gama gostaria de ver alterado no CSI era a condição de recursos, retirando do cálculo os rendimentos dos filhos. Neste momento, para um idoso aceder a esta prestação os rendimentos dos filhos não podem superar os 2360 euros. Problema? “Os filhos têm os seus compromissos e muitos nem ligam aos pais”, nota a dirigente da APRe!.
Rosário Gama teme, porém, que a subida do complemento solidário de idosos, que abrange quem não fez descontos e tem as chamadas pensões sociais, redunde numa injustiça relativa, ao fazer com que quem não descontou possa receber mais do que quem fez descontos.

Ideia do Chega é “impraticável”

“Nesse aspeto, a proposta do Chega ainda é mais grave”, defende Rosário Gama, que acha “impensável” que todas as pensões (incluindo as pensões sociais) sejam equiparadas ao salário mínimo nacional em seis anos. “Seria um convite a que as pessoas deixassem de fazer descontos”, defende.
Silva Peneda nem quer comentar a proposta do Chega , que lhe parece “impraticável” e uma “loucura”. Mas também usa de cautela para se pronunciar sobre as ideias do BE e do PCP sobre o tema. “Tinha de ver as contas”, explica, defendendo que é preciso  perceber onde se pode ir buscar a receita para aumentos.

BE e PCP prometem aumentos

No BE, propõe-se o “aumento do valor mínimo das pensões, de modo a garantir que, independentemente dos apoios e dos complementos sociais aplicáveis, o valor das pensões de carreiras contributivas de 20 ou mais anos de descontos fica sempre acima do limiar de pobreza”, que está nos 591 euros.
Para financiar esta e outras ideias (como o fim do fator de sustentabilidade), os bloquistas defendem  que as empresas descontem não só em função do número de trabalhadores, “mas também do seu valor acrescentado líquido”, com uma taxa de 0,75% só para as grandes empresas (uma ideia semelhante à que Pedro Nuno Santos, sem quantificar , anunciou no Congresso do PS). 

O PCP quer já em 2024 um aumento de 7,5% com efeitos retroativos a janeiro, para garantir "que nenhum reformado tenha um aumento inferior a 70 euros na sua pensão ou reforma". E que já este ano também a pensão mínima de quem se reforma com 40 anos de desconto passe dos atuais 462 para os 555 euros. 

Rosário Gama vê com bons olhos as subidas propostas por bloquistas e comunistas, ressalvando não ter feito contas sobre a sua viabilidade, mas vincando que “é uma questão de dignidade aumentar as pensões contributivas para que fiquem acima do limiar da pobreza, essa devia ser a linha vermelha”.

Pedro Nuno Santos, o novo secretário-geral do PS ainda não entrou no leilão dos aumentos para os reformados. Mas, olhando para a moção que apresentou quando se candidatou à liderança do partido e para o seu discurso no Congresso Socialista, é possível encontrar pistas para perceber que mudanças vai propor para a Segurança Social.
Uma das novidades que Pedro Nuno Santos propõe é a criação de “sistemas complementares de reformas de acesso alargado, a definir no âmbito da contratação coletiva”. Ou seja, um mecanismo de poupança apoiado pelo Estado, “constituído por esforço conjunto dos trabalhadores e dos empregadores, privilegiadamente obtido na negociação coletiva e executado por um sistema público”. 

A ideia, lê-se na moção que levou ao Congresso, é que “a proteção complementar na reforma deve deixar de ser um privilégio de trabalhadores de salários elevados e com poder negociar individual”.

Ministro de Cavaco de acordo com Pedro Nuno Santos

José Silva Peneda está “totalmente de acordo” e entende que esses mecanismos de poupança complementares devem ser criados “em sede de contratação coletiva”, com a lei a prever que possam ser alvo de benefícios fiscais em sede de IRS para os trabalhadores e em sede de IRC para as empresas, para os tornar atrativos.

Rosário Gama, que já foi dirigente do PS, tem dúvidas sobre as consequências práticas desta ideia de Pedro Nuno Santos.  “O problema é: quem é que pode descontar para esses fundos de pensões complementares ? Quem tem melhores salários”, nota a presidente da APRe!, que acha que esta ideia do líder socialista  “deve ser melhor explicada quando for conhecido o programa” do partido.

Além desta proposta, Pedro Nuno Santos também quer (como o BE) diversificar as fontes de receitas da Segurança Social, numa altura em que a inteligência artificial, a robótica e as chamadas empresas de capital intensivo (como as financeiras) fazem com que seja possível gerar muito lucro com muito poucos trabalhadores, fazendo baixar as receitas da TSU (Taxa Social Única), que é paga (pelo trabalhador e pela entidade patronal) por cada contratado para financiar o sistema .

O líder socialista ainda não deu detalhes sobre o que quer fazer, mas no discurso de encerramento que fez no Congresso do PS, afirmou que quer “colocar à discussão e concretizar uma reforma das fontes de financiamento do sistema de segurança social, para que a sustentabilidade futura deste não dependa apenas das contribuições pagas sobre o trabalho”.  Fica por saber que taxa poderia ser aplicada e a que empresas.

Ainda assim, Rosário Gama aplaude a discussão. “Há muito tempo defendemos isso na APRe!”, diz ao DN, dando um exemplo prático para explicar a sua posição. “A  Brisa despediu imensos trabalhadores e substituiu-os por máquinas nas portagens. Aumentou os lucros, poupando nos salários, e muitos desses trabalhadores foram pesar  nas contas da Segurança Social ao ficarem no desemprego. É justo que a Brisa contribua com uma taxa, agora que reduziu em muito o pagamento da TSU”, argumenta a socialista.

Bastante radical é a proposta da IL, uma vez que implica (embora de forma faseada) uma revolução no sistema de pensões. Os liberais propõem a “eliminação da componente de TSU que recai sobre a entidade empregadora, sendo esse montante total e obrigatoriamente integrado no salário bruto do trabalhador (o custo laboral total para as empresas manter-se-á inalterado por via da introdução desta medida), de forma faseada durante um período de tempo adequado”, ao mesmo tempo que defende a “manutenção da TSU obrigatória (parte suportada pelo trabalhador), aplicada a um salário bruto superior em consequência” do fim da TSU da entidade patronal. A IL quer ainda a “criação de um novo pilar no sistema nacional de pensões de reforma, alicerçado num mecanismo de capitalização de poupanças”.

Para o social-democrata José Silva Peneda, a proposta da IL não faz sentido nenhum. “Não entendo nem vejo como possa ser executada”.

Rosário Gama recorda a forma como os portugueses se mobilizaram quando o Governo de Passos e Portas quis reduzir a TSU dos patrões, em manifestações que fizeram história, mostrando que as pessoas entenderam que essa taxa era essencial para assegurar um sistema de pensões público. “A TSU tem de se manter”, defende Rosário Gama, frisando que o desconto é, no fundo, “um salário diferido do trabalhador”. Ou seja, não é recebido com o vencimento, mas suportar as pensões futuras, assim como outras prestações sociais como o subsídio de desemprego ou as licenças de parentalidade e doença.

Para Rosário Gama, a aplicação das ideias da IL “levaria ao crescimento de seguros privados, como os que nos EUA tiveram o desfecho que tiveram, que foi a falência”.

De resto, Silva Peneda aconselha “muita cautela” aos partidos na hora de fazer promessas, lembrando que “há muita incerteza”, nomeadamente a nível internacional, e que isso pode ter consequências no cenário macroeconómico, que pode tornar mais difícil cumprir o que agora se promete. 

E Rosário Gama acha que os mais velhos “têm muito prazer em votar, porque antes [do 25 de Abril] não podiam”, mas que “começam a ficar desiludidos e cansados” de promessas por cumprir. 

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