O "futuro líquido" ou até "gasoso" condiciona António Costa, mas passa ao lado do PSD
A instabilidade política internacional, sobretudo a guerra na Ucrânia, condiciona muito a política no mundo e, em particular, a portuguesa que se confronta com o arranque de um novo governo e com mudança no maior partido da oposição. Mas será que o impacto é igual nos dois campos políticos?
"O futuro é líquido e esperemos que não seja gasoso". Com esta analogia a estados da água, Viriato Soromenho Marques sublinha o quão imprevisível os acontecimentos políticos se tornaram e como isso tem um impacto direto nos eventuais desejos do primeiro-ministro português de não cumprir o mandato de quatro anos de maioria absoluta.
"Num conjuntura de total incerteza no meio da tempestade, o Presidente da República, e muito bem, quis pôr as cartas em cima da mesa e dizer que não é para se repetir o que aconteceu com Durão Barroso. E que não há melhor lugar do que este depois de António Costa ter ganho a confiança e o voto popular", afirma o filósofo.
Considera que, se Marcelo falou do assunto na tomada de posse e deu o aviso "é porque sabe de alguma coisa", eventualmente "vinda dos corredores de Bruxelas".
Viriato Soromenho Marques sublinha que a situação de António Costa no comando do Governo é particularmente sensível num momento em que não se sabe se a guerra alastra, a é inflação galopante e se o Banco Central Europeu aumenta as taxas de juro e a dívida portuguesa dispara. Além disso, chama a atenção para que a aparente unidade na União Europeia em torno das sanções à Rússia pode desmoronar devido às pressões energéticas dos russos sobre os maiores importadores, como a Itália, Áustria e Alemanha.
É por isso que considera "muito positivo" que o gabinete do primeiro-ministro tenha vindo dissipar as dúvidas em torno do cumprimento integral do mandato no governo. "A oposição ia começar a fazer narrativas sobre isso e tinha de ser cortado", frisa. Ao Expresso, uma fonte próxima de António Costa garantiu: "Para o primeiro-ministro é óbvio, desde 30 de janeiro, que não será candidato a qualquer cargo europeu em 2024."
Já antes, Viriato Soromenho Marques não interpretava o facto de António Costa ter posto sob a sua tutela a secretaria de Estado dos Assuntos Europeus, liderada pelo seu anterior secretário de Estado Adjunto Tiago Antunes, como um instrumento para chegar a Bruxelas.
"Nesse sentido fez bem chamar a si essa importantíssima pasta, tanto mais que a política europeia é cada vez mais doméstica", afirma o professor universitário e realça que o novo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, depois dos "erros" que cometeu na Defesa, "não dava garantias de que estivesse à altura do desafio".
Também António Costa Pinto sublinha que o aviso do Presidente foi no sentido da estabilidade dentro da instabilidade internacional. Com base na aprendizagem política e pessoal de Jorge Sampaio, o politólogo considera que Marcelo foi claro a dizer a António Costa que "não daria oportunidade sequer à substituição do primeiro-ministro sem eleições legislativas".
Costa Pinto recorda que Marcelo avisou com antecedência os partidos sobre o que faria se o Orçamento do Estado para 2022 não fosse aprovado pelo Parlamento. "E cumpriu, dissolveu a Assembleia da República".
Acerca da clarificação sobre a vontade de António Costa levar o mandato até ao fim, o politólogo frisa que "o próprio primeiro-ministro sabe que esta conjuntura europeia e mundial instável se sobrepõe aos seus desejos políticos.
Acresce, diz, que "é pouco provável que políticos como António Costa que "nasceram " e cresceram dentro de um partido, no caso o PS, e que o prezam, tomem alguma decisão que o ponha em causa
E se o presente e futuro político de Costa está amarrado à conjuntura internacional, a mudança de liderança no PSD, maior partido da oposição, será afetada por ela?
Para Viriato Soromenho Marques o "impacto no PSD, com esta maioria absoluta de António Costa será o de saber se haverá alguma figura de ex-putativos candidatos à liderança que se ponha a caminho para a voltar a disputar. Mas concluiu que o mais "provável é que este governo seja mesmo de maioria absoluta, sem grande oposição". E remata: "Esperemos que não seja apenas o Presidente da República e a imprensa livre os garantes da Constituição".
António Costa Pinto entende que "não é de crer" que haja algum impacto na mudança de liderança do PSD por causa da instabilidade. "Os aspetos que condicionam esta eleição são só internos. Vai ganhar a liderança aquele que conhecer melhor a máquina e tiver maior apoio interno e, por isso, nunca será um principiante a consegui-lo".
Aponta mesmo para o nome de Luís Montenegro - o primeiro candidato assumido à liderança do partido e que deverá ter a oposição de Jorge Moreira da Silva, decisão que confirmará dia 14 -, como "aquele que está em melhores condições para conseguir ganhar as internas do PSD".
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