Marcelo deverá ir à homenagem de Costa a Balsemão
Dois inimigos íntimos. Ou, no mínimo, duas personalidades distantes que no entanto se conhecem como as palmas das respetivas mãos: Francisco Pinto Balsemão e Marcelo Rebelo de Sousa.
Os dois deverão esta quinta-feira estar juntos na homenagem que o primeiro-ministro António Costa vai fazer em São Bento a Balsemão, celebrando os 40 anos do VII Governo Constitucional (janeiro a setembro de 1981), o primeiro dos dois governos liderados pelo patrão do Grupo Impresa (Expresso e SIC).
Enquanto Presidente da República (PR), Marcelo foi convidado para cerimónia. E, segundo fonte de Belém, deverá comparecer - informação que, no entanto, esta terça-feira ainda não era dada como absolutamente certa.
Indo o PR, a cerimónia terá muito para ter algum picante político. Balsemão e Marcelo foram após 1974 colaboradores muito próximos no Expresso, o semanário que o primeiro fundara em 1973. Em 1979, quando a AD (Aliança Democrática, PSD+CDS+PPM) venceu as eleições, Balsemão foi para o Governo e escolheu Marcelo para lhe suceder na direção do jornal. Mais tarde, depois da morte de Sá Carneiro, Balsemão sobe a primeiro-ministro e a certa altura vai buscar Marcelo para ministro, procurando assim que o seu próprio semanário deixasse de ser tão "acintosamente contra o Governo" como estava ser sob a liderança do atual PR.
Esta expressão é usada por Balsemão nas suas "Memórias, publicadas há dias pela Porto Editora. Balsemão, de forma elegante, reduz Marcelo à condição de alguém que é incapaz de resistir a uma intriga mesmo que ele próprio morra nessa intriga (é usada a fábula do escorpião que morre afogado a atravessar um rio porque não resiste à tentação de dar uma ferroada de morte na rã que lhe dá boleia às costas).
Escreveu Balsemão sobre Marcelo que este, enquanto seu ministro adjunto, "correspondeu às expectativas no que respeita ao lado "escorpião": "Montou intrigas desnecessárias entre ministros e/ou secretários de Estado. Organizou os seus contactos pessoais com o gabinete do Presidente da República e com o Conselho da Revolução. Conservou e alimentou as suas linhas diretas com dirigentes do PSD que estavam contra mim, como era o caso de Helena Roseta, e como dirigentes do CDS."
Mas também, ao mesmo tempo, foi "muito útil" a organizar agendas do Governo, a melhorar diplomas legais, a escrever-lhe discursos e sobretudo numa coisa em que "é mestre: a criação de factos políticos que alimentassem os media e a opinião pública ou que desviassem a atenção de assuntos ou decisões atrasados ou a correr mal".
Até aqui, nesta parte das "Memórias" do militante nº 1 do PSD, Marcelo é retratado então apenas como um político traquinas. Contudo, Balsemão reconhece ser-lhe difícil ser "justo" com Marcelo porque este, ainda neste Governo, acabaria por lhe dar uma "estocada final".
Isto foi, segundo conta, quando Marcelo deixou o Governo. A saída fora combinada entre ambos com meses de antecedência. E Marcelo comprometeu-se perante Balsemão a manter a decisão sigilosa até às eleições autárquicas de dezembro de 1982, para não perturbar o desempenho do partido. Só que, evidentemente, não manteve segredo de coisa nenhuma e a demissão acabou por ser anunciada nos jornais muito antes do suposto. Um comportamento "imperdoável".
Ou seja: algo muito mais grave do que quando Marcelo, no Expresso, escreveu que Balsemão (então primeiro-ministro) era "lélé da cuca". E muito mais grave do que os esforços que o atual PR fez anos depois para dinamizar projetos jornalísticos concorrentes com o semanário fundado por Balsemão e de que ele próprio fora diretor. É neste quadro, de inimigos íntimos de longa data , que os dois se poderão juntar quinta-feira em S. Bento, tendo como anfitrião o primeiro-ministro, António Costa (e estando na assistência o atual presidente do PSD, Rui Rio, que já disse que irá).
Segundo a Lusa, a sessão seguirá o mesmo modelo da cerimónia também promovida por António Costa em julho de 2016 para homenagear os 40 anos do I Governo Constitucional, este liderado pelo antigo Presidente da República e fundador do PS, Mário Soares, que faleceu em janeiro de 2017.
O discurso de abertura competirá a Mota Amaral, que foi companheiro de Balsemão na "Ala Liberal" em 1972, e depois na fundação do PSD. Seguem-se discursos do próprio homenageado e a encerrar do primeiro-ministro.
Francisco Pinto Balsemão liderou ainda o o VIII Governo Constitucional, que durou até 9 de junho de 1983 . Durante os dois governos de Balsemão, o PS, então liderado por Mário Soares, assumiu-se sempre como oposição. Contudo, os dois líderes entenderam-se nas duas principais questões de fundo à época: conseguir a adesão de Portugal à CEE (hoje UE); e desmilitarizar de vez o regime, o que foi feito na revisão constitucional de 1982.