O bispo "cansado", o ex-PS candidato à IL, o "ditadorzeco" e a nova narrativa constitucional
Constitucionalista, advogado, membro do Conselho Regional do PSD Madeira, ex-líder parlamentar do PSD na Assembleia da República, entre 2002 e 2005, Guilherme Silva não tinha dúvidas: a não aprovação do programa de Governo, apresentado na Assembleia Legislativa Regional sob a forma de uma moção de confiança, resulta na queda do executivo de Miguel Albuquerque.
E aqui são duas as possibilidades. O representante da República, Ireneu Barreto, volta a ouvir os partidos de modo a encontrar uma situação de governo que considere viável. Não o sendo, o atual governo, que tomou posse a 06 de junho, fica em "gestão até que haja o período constitucional, de seis meses, para serem convocadas novas eleições".
Soluções de Governo? Um novo rosto do PSD para chefiar o governo com apoio do CDS – como, por exemplo, Chega e PAN reivindicam e o CDS já reivindicou – ou a solução PS/JPP com apoios parlamentares de PAN e IL. Viáveis? Só existe uma certeza. Todas as possibilidades dependem da atuação do Chega.
Porém, surgiu agora uma nova narrativa "constitucional", alimentada por sectores do PSD, baseada no estatuto político-administrativo da Madeira que "aparentemente" é omisso sobre a consequência do chumbo da moção de confiança numa leitura "linear"do que "está inscrito" do artigo 59 ao 63.
Fonte constitucional diz, ao DN, que bastaria que se olhasse "para o artigo 133 da Constituição que indica a aplicação do 172 à dissolução da Assembleia Legislativa Regional" para que caísse essa "ideia peregrina de um governo aprovado com o programa chumbado pelos deputados, por obrigação de moção de confiança".
Esta era, aliás, a leitura repetida de Guilherme Silva - "o chumbo faz cair o Governo" – e deverá ser também a de Irineu Barreto, apurou o DN, que antes de ser nomeado por Cavaco Silva, em 2011, e renomeado por Marcelo Rebelo de Sousa para representante da República foi, por exemplo, juiz conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça.
“Era” a de Guilherme Silva porque em dois dias mudou de opinião. Ontem, o social-democrata clarificou que, mesmo no caso de rejeição da moção de confiança, o executivo, por ter sido empossado e investido na Assembleia Regional, "subsiste".
Poré, "a não aprovação do Programa do Governo mantém o governo numa situação de gestão. O governo não pode entrar em efetividade de funções, em plenitude das suas funções, sem ter o programa aprovado", esclareceu.
Solução? “Uma reapresentação eventual do Programa do Governo, uma reformulação". E se voltar tudo ao mesmo? “É um problema que vai ficar um bocadinho nos braços do representante da República e do Presidente da República”.
“Sob pena de estar errado", o demissionário líder da IL Madeirense concluiu também, lendo o regimento da Assembleia Regional, que a "não aprovação da moção de confiança não implica a queda do Governo".
Nuno Morna decidiu a quatro dias da votação do programa de Governo renunciar ao cargo de coordenador da IL Madeira alegando que a "grande instabilidade política a nível nacional e regional” é “o momento ideal para que haja uma renovação (…) de modo a criar novas estratégias para que a Madeira seja cada vez mais liberal”.
Porque renuncia precisamente nesta semana? O ainda líder liberal optou por não responder ao DN. Em comunicado, deixou uma ideia clara: sai da liderança, mas mantém o lugar de deputado "até ao final da legislatura”.
Para o cargo de coordenador surgiu já um candidato ex-socialista e liberal desde 2017. Duarte Gouveia já foi, nomeadamente, secretário-geral do PS, vice-presidente, deputado regional e vereador do Funchal.
Saiu do PS em 2015, ano que após as eleições regionais, o então líder socialista, Victor Freitas, se demitiu dando lugar a Carlos Pereira, atual deputado na Assembleia da República.
Duarte Gouveia, que esteve na lista da IL nas últimas regionais e que já tinha sido candidato nas de 2019 e nas legislativas de 2019 e nas autárquicas de 2021, recentemente, em janeiro deste ano, acusou Nuno Morna de ter “comportamentos de ditadorzeco”.
O ex-socialista, que saiu da direção regional da IL em janeiro deste ano por causa dos resultados de uma lista onde era número três, tanto aceita uma solução de Governo PS/JPP como uma PSD/CDS.
“Estando a IL numa perspetiva liberal, que não é de esquerda, nem de direita, deve olhar para todo o hemiciclo em busca de soluções”, afirmou. E se houver novas eleições regionais “não há nenhum drama nisso”.
Esta “flexibilidade” não é partilhada pelo Bispo do Funchal que decidiu intrometer-se, por estar “cansado de eleições”, na vida política madeirense.
Nuno Brás argumenta que os políticos devem “esquecer os interesses do partido e as lutas internas e externas, e que governem a casa comum que é a nossa,nos seus diferentes níveis”.
Num artigo de opinião publicado no Jornal da Madeira, o bispo considera que “as decisões do povo são claras, para todos e em todos os níveis”.
Os "todos" e "diferentes níveis" apenas encontram respaldo no PSD e CDS (54 487 votos) e não nos restantes 77.409 que votaram nos restantes partidos – que argumentam o contrário.