Nuno Melo: "Às críticas respondo com o trabalho e às especulações com resultados"
Começava por lhe pedir que aprofundasse um pouco o pacote de medidas para a Defesa que foi hoje aprovado pelo Governo. Quando é que efetivamente os militares vão ver estes valores nas suas folhas salariais?
Em alguns casos, vão ver já. Quando digo já, é com efeitos a partir de agosto e, noutros casos, faseadamente, em 2025 e 2026, sempre tendo em conta as condições orçamentais e em linha, em muitos casos, com o que aconteceu com as forças de segurança, sendo que no caso da Defesa temos também suplementos que são, pela primeira vez, considerados pelo poder político.
Mas este Suplemento da Condição Militar vai ser atribuído a todos os militares, quer os do quadro permanente, quer os contratados? Quem é que vai receber já?
Em primeiro lugar, gostava de lhe dar o contexto. Recebemos as Forças Armadas, depois de muitos e muitos anos de desinvestimento, com problemas que estavam identificados e que tivemos de atacar, faseadamente.
À cabeça estão problemas relacionados com o recrutamento e a retenção. É importante que se saiba que em 2015 Portugal contava 29 178 militares. Em 2024, quando tomei posse, eram 23 320. Estamos a falar de menos 20% - menos 5958 militares. Significa que passámos a ter mais dificuldade de recrutar os militares, mas também, principalmente, dificuldades de os reter, porque acabavam por não ter ali a confirmação dos seus sonhos, quando abraçaram este e este destino.
Os motivos são muitos. A começar, a desvalorização da condição militar, que tem que ver com o facto de que os militares sofrem e aceitam restrições que a generalidade das pessoas não têm e o Estado está obrigado a compensar. Há muitos anos que esta condição militar não tem atenção. Baixos salários, custos de residência são outros problemas. É caro viver em Lisboa, no Porto e noutras principais cidades portuguesas. Depois, há aliciamento de quadros muito qualificados nas Forças Armadas (FFAA) pelo mercado privado. E também uma certa falta de respostas, por exemplo, em casos de invalidez ou morte. Tudo isto são circunstâncias que nós tínhamos bem identificadas e, com restrições orçamentais, fazendo opções e dando respostas.
É uma vida dura...
A carreira, em si mesma, se nos é satisfatória, não é dura. Se fazemos o que gostamos não tem de ser uma penitência. Portanto, o Estado está obrigado a dar a retribuição justa por aquilo que os militares fazem.
Começando pelo Suplemento da Condição Militar, este tem em vista, precisamente, compensar os militares por essas restrições que aceitam. Neste caso, o Suplemento da Condição Militar dirige-se a todos os militares de todos os ramos, com efeitos já a partir de 2024.
Em 2024, na sua componente fixa passará de 100€ para 300€. Em 2025 passará de 300€ para 350€ e em 2026 passará 350€ para 400€. Ou seja, cumprido o ciclo, passará de 100€ para 400€. Considerámos todo o processo da base para o topo. Para as próprias chefias militares a primeira preocupação são os soldados e é da base para o topo. Querem liderar pelo exemplo.
Assim, (nas componentes fixas e flexíveis do suplemento), um soldado passará de 264€ para 564€, uma evolução de 113%. Um furriel passará de 313€ para 613€, um aumento de 99%. Um tenente passará de 429€ para 729€, um aumento de 70%, se tivermos em conta aquele que é o quadro retributivo.
Depois, temos a questão dos salários.
Os salários são baixos, mas principalmente mostrando uma diferença que é injusta e inaceitável entre aquilo que é a retribuição do militar e aquela que é a retribuição, por exemplo, nas forças de segurança de um guarda da GNR ou de um polícia na PSP. Por isso nós estabelecemos aquilo que, para mim, era condição de honra, que se chama princípio da equiparação. A partir do momento em que seja aplicado , a 1 de janeiro de 2025, nenhum militar receberá menos do que um guarda da GNR ou do que um polícia na PSP.
Dou-lhe um ou dois exemplos.
Um soldado passará de 821€ para 961€. São mais 140€, a somar ao que lhe referi da condição militar. Um furriel passará de 1017€ para 1280€. Portanto estamos a falar aqui de mais de 263€. Demos também um passo em relação à residência. Os custos são caros e, por isso, atribuímos o Suplemento de Residência em distâncias superiores a 50 quilómetros, em vez dos atuais 100 quilómetros. Abrange mais pessoas. Depois atacámos outro problema que está identificado, que tem que ver com o aliciamento que vai sendo feito, em casos de particular especialização, que exigem um processo de formação de muitos anos
Como os pilotos da Força Aérea?
Não apenas na Força Aérea. Mas, neste caso, teremos um aumento do Suplemento de Serviço Aéreo. Passa de uma indexação da primeira posição de capitão, para a posição de tenente-coronel. Depois, o Suplemento de Embarque [Marinha], com uma majoração de 20%. Serão ainda atribuídos dois suplemento novos: um de 313€ aos militares que lidam com a deteção e inativação de explosivos; outro ao operadores de câmara hiperbárica. São profissões muito especializadas.
Saliento outra medida, uma questão de comportamento moral do poder político em relação às próprias Forças Armadas, que é, pela primeira vez, estabelecer um Complemento Especial por Incapacidade Permanente ou Morte. Neste momento, há pessoas que passam muitas dificuldades porque os seus familiares morreram. Não são muitas, mas são algumas e são famílias em relação às quais o Estado tem uma obrigação de estar ali, ajudando-as. Teremos por morte um montante equivalente perto de 205 000€ e, no caso de invalidez permanente, entre 123 mil euros e 205 000€.
Faltam ainda os antigos combatentes...
Acho que nada que se faça faz inteira justiça aos antigos combatentes. Mas quando temos também de estabelecer prioridades, a saúde está à cabeça. É o que vamos fazer também a partir de 1 de janeiro de 2025, atribuindo uma comparticipação de 100% a todos os antigos combatentes faseadamente, ou seja, em duas parcelas: em 2025, 50%; em 2026, outros 50%. Estas pessoas gastam muito dinheiro em medicamentos e isto tem um reflexo no seu orçamento familiar.
Mas tratando-se de doenças de foro psíquico e a doença mental tem de merecer a atenção do Estado. Eu falo pelas Forças Armadas. Esta compensação será atribuída até 90% a todos os militares, independentemente da idade.
Enfim, quanto a sinais que temos de dar para o recrutamento e a retenção, estamos a fazer em 115 dias o que não foi feito em oito anos. Seguramente, o que em alguns casos não foi feito em 15 anos e noutros em 20 anos.
Quem é que conversou com o Governo para indicar que estes eram os pontos que deveriam ser corrigidos para aumentar a capacidade de retenção e de aliciamento?
Sei exatamente onde quer chegar. Mas, como bem sabe, as Forças Armadas são uma estrutura hierarquizada. As Forças Armadas não são uma estrutura com sindicatos e, para além do mais, a natureza militar é, por definição, cordata também na forma como quer resolver os problemas. E os problemas foram resolvidos ouvindo todos os chefes dos ramos…
Era aí que queria chegar…
Obviamente, o Chefes de Estado-Maior da Armada, o Chefe do Estado-Maior do Exército, o Chefe do Estado Maior da Força Aérea e também o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Tenho reuniões semanais com todos, começando pelo CEMGFA todas as terças-feiras.
Foram também ouvidas as associações que têm, de resto, um caderno de encargos conhecido. Ouvidas como a lei prevê. A partir daí tive de tomar decisões. E as decisões, tendo em conta as circunstâncias orçamentais, redundaram nestas medidas que, por isso, são medidas alinhadas com as prioridades que também nos foram identificadas e com as quais concordamos.
As sugestões vieram desses contactos ou foi o Governo que apresentou as sugestões para avaliar se elas seriam ou não boas medidas? Eu queria perceber era de onde é que partiu?
Quando alguém está no lugar de ministro, a primeira coisa que tem que fazer é perceber o mundo à sua volta e a sua área de tutela. A minha primeira função foi saber tudo aquilo que são problemas nas Forças Armadas - muitos identificados - e, a partir daí, dar-lhes resposta. O que é normal e desejável é que isto tenha sido conseguido em colaboração estreita entre o poder político e os militares.
Porque é não envolveu mais as associações militares?
A partir do momento em que se dá resposta às instituições militares...
Pela lei, têm de ser ouvidas, apesar de não terem poder negocial...
Há uma coisa que eu gostava de dizer: eu, às críticas, respondo com o trabalho, e às especulações, respondo com resultados, e não faço negociações através de jornais ou rádios ou televisões. Para começo de conversa.
Dito isto, a quem eu tenho de ouvir, a começar nas Forças Armadas, que são uma estrutura hierarquizada, são os representantes dos ramos e o Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas. E devo dizer que todos os dias lutaram pelos seus subordinados.
Da base para o topo, liderando pelo exemplo, como eu também quero fazer. Estivemos em total sintonia. Quanto às associações, recebemos um caderno de encargos, está identificado o que querem. Depois, a mim, no poder político, compete ver aquilo que é possível. Aquilo que nós aqui temos, insisto, que não era feito há oito anos, com toda a certeza, há 15 anos e há 20, em alguns casos, bebe em tudo isto.
Bebe naquilo que é uma conversação permanente com as chefias militares. Bebe também com aquilo que são documentos das associações que foram ouvidas duas vezes pelo secretário de Estado-Adjunto da Defesa Nacional. Não invalida agora também, como acontecerá de resto, neste futuro próximo, porque nós vamos ter de concretizar, em minúcia, o que aqui temos, que não voltem a ser todos ouvidos e a ser ouvidos também por mim.
A minha preocupação foi dar rapidamente resposta a problemas muito antigos e tem de se ter pragmatismo. Eu pergunto se alguém achará que isto que aqui temos é pouco? Duvido que o possam dizer. O que eu sei é que conseguimos isto em 115 dias. Se calhar é porque nas Forças Armadas não há sindicatos, nem há essa perspetiva sindicalizada que poderia, eventualmente, arrastar para as calendas decisões que têm de ser para ontem. Portanto, aquilo que eu tinha era de resolver problemas. Os problemas estão resolvidos. As associações foram ouvidas, como foram ouvidos os chefes de todos os ramos, o CEMGFA.
Esta valorização salarial é, sem dúvida, uma premissa muito importante para atrair e conseguir reter os militares nas Forças Armadas. Mas há outras medidas. O anterior Governo tinha um plano para a profissionalização do serviço militar, mas, como o senhor ministro há bocadinho disse, houve uma queda constante no número de efetivo. Queria saber se este Governo já estabeleceu alguma meta no aspeto de aumento do efetivo militar das Forças Armadas com estas medidas e outras que, eventualmente, venha a tomar?
O anterior Governo tinha muitos planos. Nunca fez foi coisa nenhuma. Se eu tiver de identificar nas Forças Armadas qualquer passo estruturante ou relevante nas Forças Armadas, sinceramente não identifico. Mas problemas são muitos. Chegam-me todos os dias. Desde os do Arsenal do Alfeite, a pagamentos de deslocações de antigos combatentes em transportes públicos. Recebo as faturas para pagar de 2022,em valores que são de milhões, todos os dias.
Dito isto, definimos aqueles que atacaremos para, com medidas políticas, conseguir a sua resolução. À cabeça estiveram os militares, as pessoas e 115 dias depois está feito. Mas falta tudo o resto. O Alfeite, por exemplo, é uma prioridade para este futuro próximo. Quer dizer, em três meses tive de validar três empréstimos para pagar salários no Arsenal do Alfeite.
Tem um plano em cima da mesa?
A primeira coisa que foi necessário fazer foi nomear uma nova administração, encarregar essa administração de, analisando a realidade da empresa, apresentar um conjunto de sugestões, envolver o poder político nessas soluções, que implicarão também despesa e decisões para o bem- estar. Depois, nestas próximas semanas, vou reunir com a administração, e também com os trabalhadores, porque a nossa primeira preocupação no Arsenal do Alfeite é salvar os postos de trabalho.
E tem futuro?
Tem de ter futuro. Porque sem Arsenal não há Marinha.
Admite uma privatização?
Para já, não admito coisa nenhuma. O que admito é estudar o problema. E, no fim, como fizemos aqui, com a brevidade possível, encontrar soluções, porque temos que salvar o Arsenal do Alfeite. O Arsenal não podem viver com empréstimos de 1 milhão de euros todos os meses. Isso não pode.
O Arsenal Alfeite é uma empresa e uma empresa tem de dar resposta, tem de cumprir prazos e tem de ser competitiva. Há muitas prioridades relacionadas com equipamentos e estão identificadas em muitos projetos estruturantes.
Temos como prioridade absoluta as indústrias de Defesa. A Defesa não é despesa. A despesa em Defesa é investimento. O meu papel como ministro da Defesa é trabalhar pela paz perpétua. É o que os militares que desejam. É a paz. Mas o grande contributo das Forças Armadas em tempo de paz, que é a maior parte do tempo, mede-se naquilo que faz, que fazem a favor das pessoas, das populações, de um povo inteiro.
E as Forças Armadas estão aí em ações de busca e salvamento. O elogio que os pescadores fizeram neste último e trágico naufrágio à Marinha e à Força Aérea é muito justo. Estão no combate ao tráfico de pessoas, no combate ao tráfico de droga, no transporte de órgãos que são utilizados em transplantes, que salvam vidas, na emergência médica. Tudo isto são as Forças Armadas e, por isso, as Forças Armadas não são despesa, são investimento.
Qual é o custo total das medidas que anunciou hoje?
São 120 milhões de euros.
E, em relação às metas para o efetivo militar? Está estabelecido em lei que deviam ser 32 mil….
Sim, mas depois tem também o decreto-lei de efetivos, que nos limita, às vezes, em relação a esse valor global, sendo que, por seu lado, estamos muito abaixo de ambos os valores.
O nosso objetivo é atingir o limite máximo de efetivos que a lei permita. Mas, neste momento, temos dificuldade em manter. É através de medidas assim que conseguiremos recrutar mais e depois retê-los nas fileiras das Forças Armadas. Se conseguíssemos chegar aos 32 000 seria extraordinário.
Não era nenhuma exorbitância, os 32 000 militares, não era uma coisa hiperbólica, em excesso nas Forças Armadas. São números pensados para garantir o cumprimento de missões que estão definidas. Este é o número que está identificado como sendo necessário para estas missões e, por isso, é o número que temos de atingir, sob pena de não podermos cumprir as missões.
Não cumprir as missões significa não poder fazer a emergência médica, poder não estar nas ações de prevenção de fogos, poder não fazer tudo aquilo que há pouco lhe referi, como busca e salvamento. Temos de ter os militares, porque isso é de vantagem coletiva.
Vamos à checklist dos oito projetos estruturantes previstos pela Lei de Programação Militar. Começamos pela ciberdefesa. A escola de ciberdefesa foi anunciada há muitos anos e nunca mais sai do papel. Por outro lado, também há uma Academia de Ciberdefesa na Academia Militar, que não se percebe que uso tem. Qual é o seu plano para esta área?
Tenho o dossier em análise. É uma das prioridades próximas.
A compra dos helicópteros, de apoio, de proteção, de evacuação. Isto está em cima da mesa ainda?
Estamos a falar de três helicópteros com uma opção de compra de mais um, num projeto máximo de 50 milhões de euros, que decorrerá entre 2024 e 2029, com uma entrega prevista para 2026.
Os KC-390?
Uma das belíssimas apostas de que Portugal beneficia 10 milhões por cada venda. Tive a ocasião de me deslocar num destas aeronaves da Lituânia para cá, com o Chefe de Estado-Maior Lituano, testemunhando a grande qualidade da aeronave . O próprio dizia que a Lituânia tem de comprar já. As encomendas crescem e, no que tem que ver com Portugal, estamos a falar de cinco aeronaves encomendadas, das quais entregues duas e a entregar três, a próxima em março de 2025, outra em 2026 e outra em 2027.
A Embraer está a fazer um bom negócio. Devia o Governo português receber comissão em Portugal pela forma como está a mostrar o avião, nomeadamente aos parceiros da NATO?
Portugal ganha pela venda de cada aeronave, porque participou no projeto e é por isso, também, que eu assinei noutro projeto, o Super Tocano, como dizem os brasileiros, um avião de treinamento e ataque ligeiro ao solo. É uma aeronave que, para ser reconfigurada para as especificações NATO, incorporará o melhor da tecnologia portuguesa. E estamos a falar de alta tecnologia, de trabalho muito especializado. Portugal, depois, também ganhará em cada venda, e a Força Aérea Portuguesa beneficiará da formação de pilotos e, como bem sabe, a formação de pilotos é caríssima e, quando digo caríssima, é de milhões e, portanto, isso poderá ser retido em Portugal.
Três classes de navios, os patrulha- -oceânicos, o navio polivalente logístico e o navio abastecedor, todos um desejo da Marinha: como está a sua aquisição?
Para os abastecedores, estamos a falar de um investimento de 100 milhões de euros. Decorre, neste momento, o procedimento concursal para estes dois navios e está na fase de análise de projetos. Em relação ao navio polivalente logístico, temos um prazo de entrega para o segundo quadriénio e, portanto, 2027/2030, um investimento de 98 milhões de euros. No caso dos de patrulha oceânica, são seis navios. Foi assinado um contrato e a entrega está prevista para 2027. São projetos que estão em curso.
Nada disto está parado então?
Nada disto está parado.
Nada disto ficou comprometido com outras prioridades que possam vir a surgir na área da Defesa?
Nada disto está parado. Precisamos de militares e precisamos de equipamentos. Porque se os militares forem chamados nas circunstâncias mais difíceis, o Estado tem de lhes garantir que têm as melhores condições possíveis para exercerem as suas missões em paz ou em guerra.
Estão ainda previstos o Sistema de Combate do Soldado e uma aeronave de apoio próximo...
O Sistema de Combate do Soldado é importantíssimo e mostra como o Exército também é altamente tecnológico. Nós vivemos muito do lugar comum, hoje em dia, de que a tecnologia está na Marinha e está na Força Aérea, mas a tecnologia está também no Exército.
Neste caso, a falar de um investimento de 42 milhões de euros que tem vários componentes de armamento ligeiro, de sensores e auxiliares de pontaria, de proteção, de sistemas de comunicação. Basicamente, o que temos são soldados do Exército melhor equipados com tecnologia, que lhes permite o desempenho de missões com eficácia e com melhor proteção. Isto para o Exército é absolutamente vital.
E a aeronave de apoio próximo?
Isso é o tal do Super Tucano, cuja resolução já assinei por isso.
Já agora assustou-se quando ouviu o chefe do Estado-Maior da Força da Força Aérea (CEMFA), dizer que, mais cedo do que tarde, vai ter de se pensar em substituir os F-16, indicando logo como cenário que o F-35 é o mais desejado?
O que é suposto é que o chefe de cada ramo queira o melhor para esse ramo. A obrigação da tutela é fazer contas e, à medida das possibilidades, dar o máximo que porventura consiga. É o que me compete. Posso dizer é que, neste momento, esse não é um projeto sequer que esteja decidido, muito embora compreenda muitos dos argumentos utilizados pelo CEMFA.
Senhor ministro, qual é o racional da Força Aérea gerir os meios aéreos de combate a incêndios e ser a GNR e não a Marinha a gerir uma frota de lanchas costeiras?
Portugal precisa muito das Forças de Segurança e precisa muito das Forças Armadas. O que eu desejo é que, num caso e noutro, o Governo seja capaz de dar respostas a exigências que são muitas e são múltiplas. As Forças Armadas farão, em todos os casos, o melhor que possam, naquilo que lhes for pedido. Isso vale também para as ações de prevenção e combate a incêndios.
Mas há critérios diferentes? Por que é que o nosso mar tem de ter forças diferentes a vigiar e a fiscalizar?
Quando ascendi ao Governo, havia todo um passado que me precede. É uma realidade que se impõe. As coisas são como são e estão aí. Resta-me gerir as Forças Armadas de acordo com as suas circunstâncias.
É politicamente correto, mas ao mesmo tempo não está a dar apoio ao Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA)...
Estou a dar todo o apoio ao CEMA, como ele bem sabe. Se lhe fizer essa pergunta, talvez ele tenha a gentileza de o confirmar.
O Governo comprometeu-se em antecipar a meta de 2% do PIB da despesa com a Defesa para 2029. Pode explicar-nos que valores estão exatamente em causa e que diferença vão fazer na melhoria do funcionamento e capacidade das nossas Forças Armadas?
Estamos a falar, em percentagem do PIB, o valor que podemos dar é, considerado o atual PIB, em 2024. Falamos de um investimento que foi de 4290 milhões de euros, que terá de crescer até 6256 milhões € em 2029, sendo que nisto antecipamos um ano aquilo que era o propósito anunciado pelo Partido Socialista para 2030.
Mas todo o dinheiro que aí está é, de facto, o dinheiro de investimento em Defesa?
É dinheiro de investimento em Defesa. Mas é bom que as pessoas tenham presente que Portugal viveu uma guerra, que terminou em 1974. Temos muitos militares ainda em situação de reforma e, por isso, há encargos que outros países NATO não têm. Lá está, são as nossas circunstâncias.
Posso dizer que temos Defesa pura e dura em 70,5% de investimento, Caixa Geral de Aposentações 22,4%. O Ministério dos Negócios Estrangeiros contribui com 0,5% e o Ministério da Administração Interna com 6 a 7% daquilo que é o bolo, que é considerado para efeito destes investimentos, que terão de crescer até aos 2% em 2029.
Mas estes valores, todos eles, têm o seu justificativo e têm o seu objetivo. Desde logo, nessa circunstância da guerra, que travámos, e das obrigações que temos em relação a esses antigos combatentes reformados.
Os compromissos com a NATO e com a União Europeia, ainda por cima numa altura em que se fala em Exército comum ou força de Defesa Europeia comum, são compatíveis com os nossos compromissos com os PALOP?
Na verdade, não é só da União Europeia e da NATO, sendo que muitos ou alguns destes compromissos acontecem também em África e acontecem em países de expressão portuguesa. De resto, há semanas tivemos aqui em Portugal o Exercício Felino, que junta militares dos países de língua portuguesa. Estamos profundamente comprometidos com o projeto da lusofonia no que tem que ver com a realidade militar.
Mas na verdade, temos missões que não são apenas essas. Temos, neste momento, oito missões NATO, oito missões da União Europeia, seis coligações, uma missão na Frontex. E estamos em quatro continentes, com 1027 militares, 111 viaturas, seis aviões e três navios. É um esforço que eu considero o possível em relação à realidade portuguesa, mas que nos traz também grande prestígio, além de construir, de ajudar e de contribuir para a paz, num esforço que é global em muitas partes do mundo.
Vamos para a última questão. Corrupção no Ministério da Defesa. Há pouco tempo foi alvo de uma grande operação judicial, a Operação Tempestade Perfeita, no âmbito da qual estão acusados vários antigos dirigentes do Ministério, entre os quais um antigo presidente do Conselho de Jurisdição do CDS. Não sente, por isso mesmo, um dever acrescido de limpar esta imagem do ministério? Com que medidas concretas?
Em primeiro lugar, não é do CDS. Em segundo lugar, não me parece que seja sequer a abordagem lógica, porque se quiser estabelecer a conexão partidária entre tudo aquilo que acontece de mal, não parávamos em sítio nenhum onde fosse.
A minha preocupação como ministro da Defesa é assegurar que farei tudo para garantir que extraordinários funcionários em todas as direções-gerais não sejam, na sua credibilidade, contaminados por casos que são muito poucos, mas que têm de ter respostas implacáveis no que a este propósito respeita.
Fui eu que, chegado ao ministério, pedi uma inspeção a todos os licenciamentos de empresas dedicadas aos negócios de armamento e equipamento militar desde 2015. Fui eu também que assinei os despachos de despedimento das pessoas que estavam envolvidas nesse processo, depois de processos disciplinares internos que cumpriram a lei e, por isso, deferindo a proposta que me apresentaram.
Dito isto, tento trabalhar todos os dias para garantir essa lisura de procedimentos, a imagem do Ministério da Defesa. E dou a cara também pela esmagadora maioria das pessoas que trabalham no Ministério da Defesa, que são, realmente, profundamente dedicadas e com grande sentido de sacrifício, habilitam o poder político de uma função que não é pequena nem é fácil.
Em relação ao caso que me assinala, não houve sequer necessidade de proferir despacho disciplinar, porque a situação foi de reforma e, sendo uma situação de reforma, não tem ligação ao Ministério da Defesa no momento em que é preciso proferir despacho.
Já agora, disse que o caso que referi não era do CDS, mas era sim.
No meu tempo de presidente deixou de ser.
Tem ideia de quando é que são conhecidas as conclusões da auditoria que instaurou?
Pedi com caráter de urgência, mas quando estamos a falar de todos os licenciamentos desde 2015, estamos a falar de muitos licenciamentos, muitos processos que têm de ser vistos com cuidado pela Inspeção-Geral da Defesa Nacional e, por isso, o tempo será aquele que a inspeção - que é autónoma, é soberana - entenda que é suficiente.
Um balanço que fizemos aqui, em maio de 2023, há mais de um ano, segundo o Ministério da Defesa, indicava que havia cerca de 30 inspeções e auditorias a decorrer. Tem alguma concluída?
Tive conhecimento do resultado de uma auditoria em concreto que remeti para o Ministério Público.
Qual?
Não falo de processos em segredo de justiça.
E a auditoria do Tribunal de Contas, à IdD, a holding das indústrias de Defesa?
Não tenho ainda nenhum resultado conhecido. Pelo menos ainda não me chegou às mãos o resultado dessa auditoria.